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Passos N.135, Março 2012

RUBRICAS

Cartas

AGORA MEU PAI TAMBÉM
ESTÁ FORA DOS MEUS ESQUEMAS

No dia 31 de dezembro, recebi um telefonema de meu pai dizendo que chegaria no dia seguinte para almoçar comigo e meus irmãos. Vejo-o poucas vezes por ano, porque trabalha longe da minha cidade e é separado da minha mãe. Meu pai é protestante. Segundo o esquema tradicional dos nossos encontros, sua visita seria para falar daquilo que o catolicismo faz ou deveria fazer, uma conversa bastante abstrata, um diálogo entre duas partes: um dos meus irmãos defendendo o fronte católico e nós outros olhando. Isso sempre fez com que eu não me sentisse feliz com a visita de meu pai. Naquele dia também, estávamos todos juntos – meus irmãos e minha mãe –, e começou essa conversa da qual participavam só meu pai e meu irmão. A certo ponto, recebi uma ligação de um amigo da Escola de Comunidade, a quem contei sobre essa minha dificuldade. Ele me disse: “Olhe para o seu pai com o olhar de Deus, não se interponha, e confie totalmente”. Depois de uma hora, o tema da conversa passou a ser sobre o poder e, então, pensei: isso eu aprendi na Escola de Comunidade. Assim, decidi falar, colocando de lado o medo sobre o que poderiam pensar. Essa minha atitude fez com que minha mãe e os outros começassem a participar da conversa que, assim, tornou-se mais interessante e objetiva, colocando no centro a pessoa. Foi um momento de real comunhão familiar. Nessa ocasião, entendi aquilo que Dom Giussani diz: que uma pergunta verdadeira implica sempre, como última hipótese, a existência de uma resposta positiva. Ao arriscar-me na busca daquela resposta positiva, dei-me conta de que não sou eu que faço as coisas, mas que, pela doação de mim mesma, é um Outro que, na realidade, move e faz as coisas. Depois, começamos a falar sobre oração e, mais uma vez, a conversa girava em torno de um plano abstrato, e foi aí que dei o segundo passo: propus que rezássemos juntos. No início, todos se olharam um pouco embaraçados, depois minha irmã disse: “É, vamos rezar!”, e os outros aceitaram. Assim, rezamos e cantamos juntos. Meu pai ficou muito mais tempo do que de costume. Quando se levantou para ir embora, nos abraçamos como nunca fizéramos. Não era mais o pai sobre quem eu tinha um preconceito, mas finalmente era meu pai aquele que estava abraçando: ele e o Criador.
Nataly, Lima (Peru)

EDUCAÇÃO À LIBERDADE
A Praça Cinelândia tem, como vizinhos, o lindo Theatro Municipal do Rio de Janeiro e, no outro lado, a rua aonde me dirijo para trabalhar todos os dias úteis. Na quarta-feira, dia 25 de janeiro, almocei em frente ao hoje inexistente Edifício Liberdade, bem próximo ao teatro, e, em seguida, fui à agência bancária que também desapareceu poucas horas depois, em meio à poeira em que se transformaram os três prédios levados ao chão. No dia seguinte, quinta-feira, depois de uma noite com insônia, passei a parte da manhã angustiado, preso não só devido ao desconforto de intuir que o Edifício Liberdade e seus adjacentes poderiam ter caído antes sobre a minha cabeça e as das centenas de pessoas que foram àquela agência bancária durante o horário comercial, mas também porque não tenho tido um relacionamento muito cordial com uns colegas do trabalho. Na parte da tarde, almocei com o meu amigo Carlos Augusto e, depois, passamos bem próximo aos escombros. Ao imaginar que ainda havia muitas pessoas sob o que sobrou daqueles três prédios, indaguei ao meu amigo onde estaria a glória de Cristo naquilo e ouvi uma resposta firme: “Alfredo, você sabe que a morte não é mais um limite!”. Rezamos um Glória acompanhado do Veni Sancte Spiritus ali mesmo, na praça, olhando a massa amontoada de concreto, poeira e fumaça. De volta ao trabalho, percebi que estava livre para me relacionar com os meus colegas de trabalho e não tive medo de ir ao encontro deles e travar um diálogo bastante amistoso – a falada experiência do risco, superada e correspondida. A despeito das tragédias que nos visitam, o drama que as acompanha sempre escancara os nossos olhos para o “Tu-que-nos-fazes”, quando nos permitimos ser educados para a liberdade: no meu caso, foi a admoestação do Carlos, um rosto da comunidade que me ajudou a olhar para a positividade da realidade, sinal supremo de um Outro que nos ama e por Quem podemos procurar em qualquer circunstância que Ele nos dá!
Alfredo, Rio de Janeiro (RJ)

UM POVO QUE DESEJA O INFINITO
No início do ano passado pedi ao Carrón que me ajudasse a entender melhor a realidade que estava vivendo e uma pergunta que de certa forma incomodava meu coração. Naqueles meses eu via toda a realidade como adversa: família, trabalho, etc. A pergunta que brotava de forma incisiva no meu coração era a mesma feita a Simão Pedro, "... tu me amas?" Esta pergunta era uma dor, porque depois de feita, de algum modo eu me reconhecia igual a toda essa adversidade, reconhecia o mal em mim também. Mas também percebia que Cristo estava ali, e não estava interessado nas consequencias dos fatos, mas se eu o amava. Quando perguntei a Carrón como viver isto de uma maneira que vale a pena, ele me disse: "Não sou nenhum guru que faz uma magia e as coisas acontecem, eu não tenho um pó mágico. O caminho que te indico é prestar atenção nos sinais que Deus te envia através da realidade, porque Cristo se revela através de sinais, depois quero acompanhar com você aquilo que Deus vai fazer brotar em seu coração". Alguns dias depois fomos montar o acampamento de carnaval de Belo Horizonte, como todo ano. Porém, eu fui com as palavras de Carrón no canto dos olhos e uma curiosidade que há muito não experimentava. O acampamento foi num lugar maravilhoso, bonito mesmo! Só que choveu todos os dias quase o dia inteiro! E ficamos juntos, mais de 150 pessoas, debaixo de uma tenda, e com o tempo o piso já estava cheio de lama. E como quase sempre acontece, percebemos só depois que acontece. O que adianta toda a beleza natural se não O reconhecemos presente junto a nós nos rostos de nossos amigos? E aos poucos fui reconhecendo, através dos acontecimentos e dos pequenos milagres, que o acampamento não se sustenta por uma capacidade de pessoas legais ou um esforço heroico, e sim porque Ele é o centro. Ele que nos ama e vem ao nosso encontro, tendo compaixão de nossas misérias. Todos nós que fomos ao acampamento em 2011 experimentamos isso de uma forma ou de outra. Do contrário, era impossível ficar ali. Em setembro tive a oportunidade de participar do acampamento de Manaus, que foi intenso e muito legal. Dessa vez não choveu todos os dias, mas teve a mesma Potência. E quando estava no aeroporto indo embora, fui invadido por uma ternura grande, e não parava de pensar na minha esposa! De repente estava tão apaixonado por ela como no primeiro encontro há doze anos! Tive vontade de falar pra pessoa ao lado: “Eu amo minha esposa!” Percebi todo o Mistério por trás do nosso relacionamento. Eu a abraço, e é como se fosse ela e algo mais, além dela. Estou muito feliz e agradecido a Deus por essa graça de compreender o que é a esposa, o que é o casamento, a minha vocação, o que realmente nos sustenta juntos: a Divina Graça! Em dezembro começamos os encontros de preparação do acampamento deste ano, e na primeira reunião se espera que o responsável tenha algo de importante e surpreendente a dizer. Eu, como responsável, não tinha nada, mas no meu silêncio íntimo, pedia a Deus enquanto comíamos e conversávamos: “Deus, por favor, estamos fazendo isso por Você, e temos o desejo que nossos amigos encontrem Você como nós encontramos! Se for verdadeiro o que estamos fazendo, se revele!” Então me lembrei do Carrón, de um encontro em que ele começou perguntando como estava o nosso coração, se estávamos desejosos ou não? E repeti as palavras dele, e comecei a falar de como estava o meu coração, do desejo que tinha para o acampamento, que era que fizéssemos da mesma forma que Gaudí fez a catedral da Sagrada Família, em Barcelona. Em seu processo de seleção, mostravam o projeto aos interessados no emprego. Aquele que se dizia ser capaz de fazê-lo era separado dos outros, aquele que se dizia que não era capaz, porém tinha muito desejo de participar da construção, era contratado! E foi assim que nossa amizade começou a ser realmente verdadeira, transparente e sem reservas. A cada encontro Cristo foi nos dando a Sua Graça e nossos corações, aos poucos, foram se convertendo a Ele. Não perdemos nossa humanidade, tanto que no último encontro de preparação, foi longo e cansativo para mim, pois apareceram muitas dificuldades. No outro dia de manhã, no trabalho, em um silêncio íntimo novamente, me dei conta que apesar de todas as dificuldades que estamos enfrentando, somos um povo, o povo de Deus. O nosso coração é desejo de infinito, e como pulsa! Escrevi aos amigos e convidei a todos a ir além da própria medida, que possamos ir juntos para transformar um ribeirão em braço de mar... para ir juntos rumo ao infinito! E é assim que está sendo minha vida, sustentada pela graça de Deus, ao lado de uma mulher incrível e maravilhosa, e carregado nesta companhia de amigos que não me deixa perder nada! Obrigado seus santos "miseráveis"! As formas são diferentes, cada um com seu cada qual. Mas é evidente que Ele chamou a atenção para Si.
Heltinho, Belo Horizonte (MG)

AQUELA PERGUNTA DO MEU IRMÃO
Caríssimo padre Carrón, estes últimos tempos me provocaram muito: da universidade à morte de Bizzo (um estudante que morreu em um acidente em dezembro), de quem eu era amigo. Porém, nos Exercícios dos Universitários foi meu irmão quem me provocou. Na Assembleia, levantou e disse que em relação à morte do nosso irmão e de Bizzo, a positividade da realidade tornava-se apenas um triste consolo. Por um instante quis me levantar, lhe dar um soco e dizer: “Olhe para tudo aquilo que aquele acontecimento gerou!”. Depois do instante de raiva instintiva, porém, não consegui deixar de me comover agradecido. Pela primeira vez disse: “Que Graça”. Não entendo bem por que a saudade de Matteo, que já morreu há mais de dez anos, ficou tão forte, mas o fato de a minha família ainda estar ligada a esse acontecimento não pode deixar de me provocar. Quero viver à altura daquilo que nos dissemos nos Exercícios, nunca mais por algo que seja menos. Agora, isso me acompanha na vida e espero ser sempre seu amigo ao longo do caminho.
Davide

“QUEM PODE FAZER JUSTIÇA AO MEU POVO?”
Caro Carrón, sou muito grato pelo trabalho deste ano e pelos amigos que Deus me deu. No dia de Natal, na Nigéria, duas bombas explodiram em duas igrejas, matando pessoas inocentes. No norte do país, vinte bombas mataram mais de cem pessoas. Minha reação imediata, e a dos meus amigos, foi acusar o Presidente de não fazer o bastante pela segurança de nosso povo. Mas lendo e refletindo sobre a necessidade de justiça no décimo primeiro capítulo de O senso religioso, entendi que não posso parar aí. Mesmo se o governo prendesse os culpados pelos atentados, não seria suficiente. O que foi feito das almas inocentes que perderam a vida? Quem fará justiça por eles? O que será dos seus familiares? O que eu posso fazer diante de tanto mal? Sou impotente. Isso não me deixa outra escolha a não ser gritar a Deus. Somente Ele pode fazer verdadeira justiça. “O próprio tecido da vida é uma trama de exigências”. Hoje, essas palavras são muito verdadeiras para mim. Olhando para a minha vida, descobri que tenho muitas exigências, como o desejo de sucesso no trabalho, de encontrar a mulher da minha vida, o desejo de um governo melhor, de mais segurança, do fornecimento de energia elétrica estável, etc. Tudo isso é a prova de que me falta algo. O que me falta é a presença de Deus. Então, comecei a mendigar todos os dias para que Ele me acompanhe em tudo o que tenho para fazer. O trabalho sobre o Dia de Início de Ano me ajudou a viver a maravilha pela minha existência. Ver Deus em ação na vida cotidiana é, para mim, uma confirmação de que Ele está me fazendo agora, e por causa disso, de que a realidade é sempre positiva. Diante das preocupantes condições políticas e econômicas do meu país, isso é o que preciso para estar na realidade sem sufocar. O meu desejo, este ano, é viver mais intensamente a consciência de Quem está me fazendo agora. Essa é a única contribuição verdadeira que posso dar à minha família, aos meus amigos, ao meu país.
Nyemike, Lagos (Nigéria)

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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