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Passos N.136, Abril 2012

MINAS GERAIS / ACAMPAMENTO DE CARNAVAL

“Onde está a Beleza”

por Marcela Bertelli e Bernardo Couri

Uma festa verdadeira com 220 amigos reunidos por três dias de acampamento no feriado de carnaval. Para, juntos, descobrir a novidade que sustenta a vida


"A natureza impressiona o homem, mas o que encanta é o encontro do coração com a verdadeira Beleza", Heltinho e Marco Aur.

“BR 381 agarrada! Após horas de viagem de São Paulo a Belo Horizonte, um trânsito familiar a qualquer paulistano numa enorme fila de carros. Paulo, meu filho mais novo, propôs que rezássemos para que Nossa Senhora ouvisse nossa súplica e atendesse ao justíssimo desejo de chegar logo ao acampamento. Nós todos assim o fizemos! Depois do Angelus ainda estávamos parados. Chegamos à conclusão de que ainda era pouco e rezamos mais. ‘Olha, mãe, agora Ela ouviu!!!’ A BR 381 começou a andar, ainda que muito lentamente e, após 13 horas de viagem, chegamos”, conta Angelica Riello. E assim foi para a maioria dos que chegaram em Altamira de Cima, Minas Gerais, para os dias do tradicional acampamento de carnaval.
Antes de chegarmos ao local, havia já toda uma estrutura que nos aguardava. “Seu” Raimundo, o dono do lugar, achou por bem fazer uma via que ligasse a estrada de terra ao campo onde montamos o acampamento. As barracas foram sendo perfiladas à medida em que cada um chegava, formando as ruas de uma pequena “cidade” de lonas coloridas. É coletada água da nascente para cozinhar e abastecer os chuveiros e a torneirinha de escovar os dentes. Perto do rio transparente que margeia o campo, uma tenda para a cozinha com espaço para o fogão industrial, mesas, prateleiras e apetrechos, tudo organizadíssimo.
Na frente outra tenda, maior, com uma mesa, cadeiras, luz elétrica puxada por “gambiarras daquelas de festa junina”, caixas de som, uma grande cruz de madeira e um cartaz: Verbum Caro Hic Factum Est (Aqui o Verbo se fez carne).

Chegavam pessoas de todos os cantos: Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Paraná, Sergipe, Brasília, México, Argentina, Itália... A cada carro que aparecia, uma festa com gritos de “viva!”. E também dois ônibus vindos de Belo Horizonte, uma maioria de jovens confiados pelos seus pais. Confiados a quem? Por que confiaram? Éramos 220 pessoas em cerca de 80 barracas!

“Sou uma pessoa que planeja muito as coisas e pensa muito logicamente. Para preparar as coisas para o acampamento pensava: se chover precisaremos disto, se fizer sol, precisaremos daquilo, se fizer frio, daquilo outro. E o banheiro?! E o banho?! E a comida?! E o cansaço?! Enfim, isso tudo me consumiu um pouco antes. Quando estávamos chegando no acampamento depois de mais de 24 horas de viagem, já à noite, com a preocupação de como montaríamos nossa barraca no escuro, sem ter nunca montado barraca nem no claro, vi, lá do alto, muitas barracas montadas e as lanternas piscando. Contrariando tudo o que estava na minha cabeça como preocupação, senti uma alegria muito grande ao ver aquela imagem. Pensei: ‘cheguei em casa’. Sabe quando você viaja muito e chega em casa? Não é gostoso? Foi o que senti. E ver esta alegria na minha família me deu uma sensação de muita tranquilidade olhar a novidade que eu estava vivendo.” (Rose, de Londrina)

“Somos esperados!”, comenta Bernardo, de Belo Horizonte.

À noite, o jantar. A cozinheira-chefe, Vivi, professora de português e educadora, nos surpreende com um “tempero” a mais: “Minha mãe cozinhava exatamente: arroz, feijão-roxinho, molho de batatinhas. Mas cantava.” (poema Solar, de Adélia Prado). O cardápio então é: arroz, feijão-roxinho e... molho de batatinhas.

“Esse foi o primeiro ‘baque’ depois da apresentação do tema do acampamento, que tinha deixado martelando na minha cabeça a frase ‘Onde está a Beleza’. Assim mesmo: uma afirmação e com o ‘B’ maiúsculo. Daí em diante fiquei muito mais atenta a todos os cuidados que os organizadores tiveram em preparar o acampamento. Ducha feminina, ducha masculina, tenda para os encontros, tenda para a cozinha, tenda com uma ‘pia’ para lavar louça, apresentações durante a noite, músicas, livros de cantos, brincadeiras, caminhadas.” (Cássia, de São Paulo)

Após o jantar, assistimos ao documentário sobre o grupo irlandês U2, e estavam conosco Geraldo e Roxana vindos de Santa Fé (Argentina), que produziram o vídeo junto a outros amigos. Um jeito de começar aqueles dias a partir da experiência de amizade, de busca, de encontros, de perdas, de beleza, de graça.
Ao fim, Heltinho dá os avisos e pede voluntários: é preciso lavar a louça do jantar, preparar o café e lavar a louça novamente, ajudar a preparar o almoço. Nenhum constrangimento no pedido: há muitos voluntários.

O domingo nasce. O “bom-dia”, com a cara amassada da noite na barraca, carrega o gosto bom do “início”. Não sabíamos se ia chover, se as nuvens cederiam ao sol ou qual seria o cardápio do almoço. O café na grande tenda e a oração do Angelus abriram a programação do dia.
Pessoas se reuniram: na cozinha, um grupo assumia as tarefas do almoço. O “cozinheiro chefe” do dia era Padre Giovanni Vecchio, siciliano que mora em Belo Horizonte há muitos anos. O prato escolhido é a “Caponata”. Os voluntários picavam cebola de frente um para o outro, não se conheciam bem, mas em pouco tempo estavam conversando, falando de si, das impressões que tiveram. Havia uma alegria discreta e presente, o gosto de partilhar. Mais afastada, uma multidão de crianças, jovens e adultos disputavam as provas da gincana. A brincadeira é para todos.

“Sou Alice de BH e esse ano foi meu primeiro acampamento. No primeiro dia à noite, disponibilizei-me em ajudar na cozinha no dia seguinte. Então descobri que o restante do pessoal iria participar de algumas brincadeiras. Aí pensei: ‘putz, vou para a cozinha sozinha, e agora? Todos os meus amigos estão indo participar das brincadeiras. Onde vou ser mais feliz? Vou ficar dividida!’ Mas fui de coração aberto e disposta a enxergar o que Ele queria. Fui cortar cebola e tive a graça da companhia de Ângela Lopes. Aquele trabalho, aparentemente chato, foi feito com gratidão. Houve uma correspondência e uma tranquilidade, eu queria que tivesse um caminhão de cebolas pra gente ficar ali cortando, pois estava feliz e tive a certeza de estar no lugar certo!”

Depois da manhã agitada, um banho no rio “gelado”. Sentados nos bancos improvisados, uns bebem cachaça e conversam, alguém serve uma carninha feita no “boteco mineiro” do acampamento. Outro cede seu amendoim, todos riem, estão contentes. Um grupo de amigos canta, outros chegam, sugerem músicas, animam-se e começam a dançar.
Uma fila de pessoas com pratos e talheres coloridos de todo tipo se formava, prioridade para as crianças pequenas. Rezamos e comemos juntos. Padre Giovanni servia pessoalmente o almoço para todos, inclusive aos que iriam repetir.
Um tempinho para a soneca e Nane convida para uma caminhada até a alta cachoeira mais próxima. Foram crianças, jovens e adultos, porque “é para todos”, como diz Nane. A “foto oficial” feita em frente ao poço d’água reuniu todos para um registro da rica experiência daqueles dias.

“O acampamento é um povo, é esse povo. A coisa mais bela foi descobrir que apesar de sermos feitos cada um de um jeito, levamos todos impressos a marca de quem nos criou. Para mim essa marca é essa inquietude, essa sede de novidade que temos dentro, e me impressionou muitíssimo perceber que isso é igual para todos nós. TODOS temos essa sede, e o acampamento me ajudou a fazer com que ela visse à tona.” (Luca Novara, Rio de Janeiro)

À noite, Chico Lobo conduziu os cantos. Canções de sua autoria, histórias de encontros e amizade. De repente foi surpreendido pela “entrega oficial” do facão que ele havia “perdido” há 15 anos no próprio acampamento feito perto dali. Muitos risos e aplausos. Uma grande fogueira nos esperava... e a surpresa do aniversário de 15 anos de Maria Chiara e Raquel de São Paulo. Teve até valsa iluminada pelo pisca-pisca das lanternas!

Aventuras e descobertas. No dia seguinte levantamos cedo, nos preparando para a longa caminhada na Serra do Cipó. A região é mesmo linda! Nane descreve o caminho. A caminhada será mais puxada, mais exigente. É para o dia inteiro. Assim, as crianças pequenas e alguns adultos no acampamento.
Jovens e adultos partiram. Nane foi à frente, era o nosso guia. Francisco foi por último garantindo que ninguém ficasse para trás. A paisagem variava: árvores altas nos envolvendo, descampados, horizontes abertos, flores míudas e discretas de diversas cores pelo chão. Às vezes alguém desviava só para não pisar. Outro apontava para o amigo algo que viu. Quem ia à frente dizia: “cuidado, aqui tem um buraco”, “esta pedra está solta”, “passa por aqui que é mais fácil”. Chegamos e a água gelada não assustou a maioria: afinal, depois da longa caminhada e diante da cachoeira, era difícil recusar o convite. Comemos o lanche, brincamos e, ao final, Padre Marcilon celebrou a missa tendo a cachoeira ao fundo.

“A experiência que faço geralmente tem a ver com a minha fragilidade e a correspondente ajuda das pessoas. Sempre me comovo e fico contente com essa disponibilidade, principalmente nas caminhadas. (...) Dessa vez fui eu quem ajudei duas pessoas que precisaram de atendimento médico e, no final do dia, não estava cansada por ter feito um ‘esforço a mais’. Ao contrário, estava cheia de gratidão. Mesmo parecendo pouco, isso me faz entender mais sobre a minha vocação. Me faz olhar para a medicina e para os pacientes com um desejo muito grande.” (Paula Braga, de Belo Horizonte).

Enquanto isso, o grupo que ficou no local do acampamento também rezou a missa com Padre Giovanni Vecchio. Formou-se um coro com as crianças cantando Alecrim na entrada e Trilhares na Comunhão. Eles haviam passado o dia em companhia do Capitão Barbicha, mais conhecido como Marco Aur, de Belo Horizonte. Juntos, cantaram, tomaram banho de rio, e, aquele exército de meninos e meninas valentes construíram uma bandeira e afixaram-na no local mais alto do acampamento. Foi um dia de imaginação, criatividade e beleza também para eles que ficaram.
Na volta da caminhada, todos foram recebidos com palmas e uma grande bacia de melancia já fatiada.
À noite nos reunimos novamente. Os colegiais haviam preparado músicas da banda Legião Urbana. A cada canto testemunhavam aquilo que os encantara e impactara naquelas letras. Mesmo tendo sido preparado pelo grupinho de BH, o momento reuniu colegiais de outras cidades que, vendo o ensaio no fim da tarde, se juntaram na frente da barraca do Gabiru, de Brasília, e aderiram cantando juntos. Natanael, de BH, cantando a música “Ha Tempos”, disse: “meu grito não acordou somente a vizinhança, ele chegou até Deus.”
A alegria depois desta noite era tanta que a festa continuou em ritmo de carnaval. Fantasias (as pessoas haviam levado e nem sabíamos!!), marchinhas, pessoas dançando abraçadas, em círculo, confete e serpentina, espuma (muita espuma!). E custamos a convencer todos de que era necessário dormir...

Uma amizade que permanece. A terça-feira começou cedo. Depois do Angelus e do café da manhã, fizemos a assembleia e a missa. A provocação “onde está a Beleza” tinha ressoado nos encontros daqueles dias. A seguir, um pouco do que foi compartilhado ali.

“Eu pensei que ia ficar excluída. Porque meus amigos já tinham ido ao acampamento mais vezes e se enturmado mais, conhecido pessoas novas e assim (pensei) podiam me deixar de lado. Mas, foi completamente ‘nada do que eu pensei’, pois justo as pessoas que eu pensei que iam me deixar de lado (Bia, Aninha, Cacá e Pepê), foram os que ficaram mais comigo, além de também me levarem pra conhecer novas pessoas! Durante todo o acampamento, aonde um ia o outro ia, ficamos juntos!” (Luísa Lobo, 10 anos. BH)

“Sempre gostei de acampar. Mas nunca havia me perguntado o porquê de estar ali. Entendia poucas coisas, mas nesse acampamento eu entendi o sentido de estar ali com aquela companhia, porque prestei mais atenção em tudo. Lá, muitas vezes ouvia pessoas comentando que não se pode tomar por óbvio as coisas. Então me perguntei o que eu tomava por óbvio. Então eu e meus amigos começamos a participar mais das coisas. Percebi que prestando atenção você se interessa mais. Pensei que não são só os adultos que vivenciam a amizade. As crianças também. Eu voltei muito diferente do que cheguei. Me senti mais querida e estou encontrando a beleza do dia-a-dia.” (Beatriz, 12 anos, BH)

“O acampamento foi uma experiência maravilhosa depois de muitos anos não indo nele. Quando cheguei lá, eu via a Bia, a Luisa, a Clara, todas as meninas juntas. Ainda sou tímida, mas o acampamento me mostrou e me fez ficar próxima das meninas e também não ter tanta vergonha de falar o que eu sinto.” (Clarice, 12 anos, BH)

“Achei que o acampamento foi muito bonito, principalmente porque eu fiquei muito perto dos meus amigos e consegui ajudar algumas pessoas como por exemplo a Aninha durante a caminhada.” (Pedro, 13 anos, BH)

“Eu vou ao acampamento desde que eu tinha 3 anos, mas este foi o primeiro que comecei a refletir e entender melhor as coisas. Também fiquei mais aberta e fiz novas amizades. Pensei sobre minha vida pessoal, algo que nunca tinha feito, isso me ajudou a compreender mais minha mãe e ajudá-la, isso foi o que mais me marcou. Acho que escutando cada pessoa na assembleia eu pensei nas minhas atitudes. Eu brigava muito com a minha mãe e as pessoas diziam que ajudavam uns aos outros.” (Clara, 13 anos, BH)

“Digo sim porque tudo me diz Sim. Toda essa beleza, a alegria das pessoas, a surpresa com a disponibilidade, a atenção com a organização e a recepção das pessoas, o empenho pessoal com o que se propõe, o impacto suscitado, a adesão ao gesto, enfim a liberdade, nos atrai, me atrai, como um Sim que é dito para mim a todo instante, um ‘vem’. Vendo este Sim, não pude apenas dizer ‘é belo’. Não seria justo. Tive que ir”. (Bernardo, de BH)

“Entre as coisas que me impactaram, ficam o convite constante ao encontro com a verdadeira Beleza, a ‘presença’ constante do Padre Virgilio, a experiência renovada de como Deus vai construindo uma história a partir de um pequeno SIM e a surpresa de que esta história nos tenha levado até.... o Brasil! O pequeno pentecostes, onde todos nos comunicamos através de distintos idiomas, espanhol, português, italiano, inglês, e nos compreendemos. A experência cristã onde não há estrangeiros, porque todos somos um em Cristo Jesus.” (Roxana, de Santa Fé, Argentina)

“Sinto-me mais homem, impelido a uma seriedade nova na minha vida. Uma seriedade que não tem a ver com a coerência (como sou sempre tentado a reduzir), mas com o maravilhamento, que vem de ser tocado por um ‘a mais’ de humanidade, e de ser investido por uma experiência de liberdade, de respiro profundo, de positividade. Ficar juntos foi uma festa, de fato tinha este clima desde a manhã cedo, até a noite. Foi em suma um pedacinho de paraíso. Agadeço o convite, agradeço a Cristo que não me deixou parado nas minhas resistências e ao testemunho dos amigos, seja de quem estava à frente do gesto, seja de quem simplesmente seguiu, ajudando assim que a Beleza viesse a tona.” (Andrea Pasquin, Rio de Janeiro)

“Neste acampamento experimentei uma mudança no olhar. Como responsável pelo acampamento, a minha vontade era de controlar as circunstâncias, de fazer eu mesmo! Ao longo do tempo, percebi que só mesmo com os amigos que tenho é que posso caminhar seguro na vida. Dentre vários fatos que aconteceram, conto um que me marcou: durante a preparação do acampamento a pessoa que era responsável pela montagem da tenda alugada, se viu em apuros e disse que se faltasse alguma coisa, ele iria buscar na cidade mais próxima (e isso significa 22 Km de estrada de terra, com um carro não muito adequado). Então eu querendo oferecer ajuda perguntei se ele não tinha medo de acontecer alguma coisa e ficar sozinho no meio da estrada, sem comunicação. Ele me respondeu imediatamente: ‘Quê isso, meu filho, Deus sempre manda alguém, algum filho de Deus, Ele não abandona a gente assim não!’ Isso ficou na minha mente, e depois foi mais fácil, perceber este ‘alguém’ que Ele mandava. Depois do acampamento, olhando para o que aconteceu, me senti carregado por uma Presença através dos meus amigos. Não é que a responsabilidade da minha vida é deles, mas que tenho eles para caminhar junto comigo, que me ajudam a corrigir o meu olhar. Depois lembrei que isso sempre aconteceu na história, Deus sempre mandou este ‘alguém’ para que o homem não caminhasse só: ‘Eis que estarei com vocês todos os dias, até o fim dos tempos’. Estou muito feliz!” (Heltinho, BH)

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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