Paco perdeu o trabalho e a família, mas “voltou a desejar”. Carlos, que um ano atrás pensava em suicídio, agora vive “uma segunda chance”. E Zolia teve seu “coração transformado”. Histórias passadas em Fuenlabrada, na Espanha. Onde a crise afeta a vida das pessoas, mas não vence
Em 2010, o companheiro de Marta, de 33 anos, perde o emprego. O aluguel do pequeno apartamento em Getafe – bairro nobre no sul de Madri – é caro e, por isso, com os dois filhos, Sheila e Adrian, ainda pequeno, mudam-se para o litoral, onde a vida custa menos. Pouco tempo depois, o homem vai embora. “Eu me vi sozinha, não conhecia ninguém. E o que ganhava com os bicos não era mais suficiente. Voltei para Getafe, e fui morar na casa da minha irmã por algum tempo. Mas, depois, não podia mais ficar ali. Ela também estava passando por dificuldades”. Marta está na rua, sem trabalho, com duas crianças.
Este é um dos milhares de casos que atualmente ocorrem na Espanha que atravessa uma crise econômica jamais vista. São mais de cinquenta milhões de desempregados, milhares de novos pobres. E a quebra do mercado imobiliário, com todas as suas consequencias, levando os bancos a grandes dificuldades por não conseguir recuperar os créditos. Mas a história de Marta termina bem. Hoje ela se diz “salva”. Chegou em Fuenlabrada – pequena cidade próximo a Madri – no ano passado, e foi recebida em uma casa de acolhida para mulheres, criada há alguns anos por uma associação ligada à igreja de São João Batista, uma paróquia confiada desde 1994 aos missionários da Fraternidade San Carlo Barromou. E renasceu.
É apenas um fragmento da Espanha o que acontece nesta cidade. Coisa pequena. Mas é um bom lugar de observação para ver de perto o que está acontecendo e como as pessoas vivem o desafio da crise. “Os primeiros indícios já podiam ser vistos em 2005”, explica Angel Misut. Agente de seguros, casado com a enfermeira Maria Luisa, tem dois filhos já grandes. “Somos da região de Castiglia, eu da Mancia e ela de Cuenca. Vivemos aqui há muito tempo”. Fuenlabrada cresceu ao longo da rodovia na fronteira sul da capital. “Tem duzentos mil habitantes. Mas até os anos 70, era uma cidade pequena”.
Tijolos vermelhos. Depois da ditadura de Franco estourou o crescimento, e as casas começaram a surgir em volta do antigo povoado do qual agora não resta quase nada. “O socialismo queria tudo igual. Por isso, os sobrados são todos parecidos: com tijolos vermelhos à vista”. Depois, no decorrer dos anos, chegaram o metrô, os trens suburbanos, as avenidas. E, com eles, as pessoas. “Construía-se sem parar. Havia muito trabalho. Até poucos anos atrás, um apartamento aqui era muito valorizado”.
Foi exatamente a partir daí, por causa do aumento dos sem teto, que a Diocese de Getafe propôs a construção de um “albergue”, um dormitório para toda a região sul de Madri. Angel conversa sobre isso com padre Antônio Anastasio, o pároco italiano da São João Batista. “Bonito, mas e depois? Para mim, isso não é suficiente. Andando pelas ruas do bairro, deparo-me com outras necessidades todos os dias. Por que não responder também a elas?”, diz Angel.
Foi assim que nasceu a Associação San Ricardo Pampuri. E o primeiro fruto foi exatamente uma casa de acolhida para mulheres, também com filhos. “Nós a chamamos ‘Casa de Santo Antônio’. A primeira necessidade que encontramos foi a da hospedagem gratuita. E, no tempo, a coisa cresceu. Nasceu uma casa para famílias e uma casa para homens”, explica Angel, que sempre foi o presidente da Associação. Mas não parou por aí. Em torno da paróquia e da San Carlo nasceu um mundo. Um reforço escolar, o “Scholé”, por exemplo. A última inscrita, a de número 115, se chama Esther. Os voluntários, professores e estudantes universitários, se alternam com os jovens no estudo vespertino, divididos por matéria. “Esta também é uma necessidade no bairro. São jovens que correm o risco de repetência e exclusão social, muitas vezes com situações familiares difíceis”, explica padre Antônio.
“Também temos o reparto alimentario, um Banco de Alimentos, com o qual ajudamos cerca de oitenta famílias em dificuldade. Eles vêm às sextas-feiras pegar um pacote de alimentos. Para vinte dessas famílias, com problemas mais graves e filhos pequenos, também oferecemos alimentos perecíveis: leite, ovos, carne...”. Nos últimos tempos, os pedidos de ajuda aumentaram bastante. “A maioria são pessoas que perderam o emprego”.
Todos na fila. Hoje, a fila fora do Paro (o “stop”, a parada, como chamam, aqui, o departamento de assistência aos desempregados) está menor do que há alguns meses: “Quando a crise explodiu, ela tinha centenas de metros”, explica Alberto, que voltou à Espanha após dois anos estudando fora. “As pessoas vêm aqui pedir o seguro desemprego: uma contribuição mensal com valor de 60-70% do último salário, com direito a 4 meses de recebimento se tiver um ano trabalhado”. Pouca coisa, sobretudo para os jovens. Uma funcionária do departamento fala que as pessoas têm pouca esperança, pessoas de todas as idades. Mas não fala sobre números. “Questões políticas”, deixa entender.
“Quando as pessoas vêm pedir ajuda é porque estão realmente precisando. A princípio, prevalece o orgulho, a reserva”. Ali as pessoas têm dificuldade até de se cumprimentar por gentileza. “Hoje, tudo parece ruir, a tradição, a sociedade, toda a cultura dos direitos dos quais encheram a nossa cabeça nos últimos anos. Você considera um pouco mais a família, que é a base desta cultura individualista. Mas não é suficiente. No fim, é possível ver, tocar com a mão que a caridade é o caminho. E não basta simplesmente dar. É preciso compartilhar, acompanhar. Se não, a pessoa não dá um passo”. É possível ver isso pela “vida” que acontece em torno da paróquia. Com os voluntários, como Maria Luisa, uma secretária faz-tudo, Alberto, Maria José, Triny, Ana. E ainda com os cursos para as mulheres do bairro, de dança de salão a aeróbica, de telefonista ou informática. “Superam a mentalidade do ‘cada um por si’. A alternativa para essas mães de família, normalmente, é a solidão”, continua padre Antônio.
O jantar das mulheres. Muçulmanos, espanhóis. Muitos da Guiné Equatorial, ex-colônia: “Não há diferença nas necessidades do homem. E é possível ver isso, pelo modo como as pessoas mudam, pelos milagres que acontecem”. Como no “jantar das mulheres” da Associação, quando os maridos muçulmanos serviram a mesa. Onde acontece uma coisa assim? O mesmo milagre que acontece na “casa de acolhida para as famílias”, onde convivem Mustafà e Miriam, um casal marroquino, com o pequeno Adam de dois anos, junto com os cubanos Zoila e Julio, avós de Luiz, adolescente que quer ser jornalista. Histórias diferentes vivendo debaixo do mesmo teto, em um apartamento no coração da cidade. “Cheguei aqui depois que meu irmão me mandou embora de casa”, diz Mustafà. Tinha ido morar com ele, depois de um tempo na prisão: “O Serviço Social nos mandou para cá”. Hoje faz alguns trabalhos temporários, sempre em busca de um trabalho fixo. Miriam ajuda Antonia, uma paroquiana doente de câncer, com três filhos, que tem dificuldade de cuidar sozinha dos negócios da família. Toda semana, fazem a coleta de alimentos nos supermercados para o Banco da paróquia. Param as pessoas, explicam quem são. No fundo, pedem para si. E para os outros como eles. Objeto e sujeito da caridade ao mesmo tempo. “São sempre os mais pobres que entendem e que oferecem mais”, diz Miriam.
A vida clama. Zoila e Julio também trabalham na coleta. Vieram a Madri com o neto para fazê-lo reencontrar a mãe que veio para cá anos antes. Mas a mãe, com um novo companheiro, não pode ficar com ele. “Precisávamos escolher: abandonar Louis, que não podia voltar para Cuba, para os serviços sociais, ou permanecer clandestinos no país”. Resolvem ficar. Até quando conseguiram, com alguns pequenos trabalhos pagavam um quarto. Mas o trabalho foi se tornando escasso, e era preciso manter o menino. “Assim, aqui estamos”, diz Zoila, rindo: “Três cubanos e três marroquinos na mesma casa”. São um espetáculo. “Casei-me na igreja com Julio no ano passado. Tenho problemas de coração, mas o meu coração, neste encontro, foi transformado. Estou sempre doente. Mas, olhe para mim, estou bem! Porque a vida clama por algo, e ir atrás dessa solicitação, é a única maneira de viver”.
É o que fica evidente também na casa de acolhida para os homens. “A esperança? Muitas vezes, eu a perdi. Mas viver de verdade, isso me interessa”, diz Hakjim, modelador de gesso de 34 anos. Marroquino, chegou na Santo Antônio seis meses atrás por meio do Serviço Social, expulso pelo pai por causa das drogas. O mesmo desejo está nos olhos de Paco, pouco mais de 40 anos, divorciado, desempregado: “Aqui, comecei a desejar alguma coisa. Ter um trabalho, por exemplo, voltar a ser uma família com meus filhos, do modo como estou aprendendo a viver aqui dentro”. Carlos tem 32 anos. Era montador de móveis, depois viciou-se em cocaína, perdeu o emprego e sua família não o quis mais. Chegou aqui há um ano. Um mês atrás tentou o suicídio. As pessoas que moravam com ele o encontraram e acabou em uma clinica psiquiátrica para, em seguida, sair garantindo que voltaria a viver com a família. “Porque uma pessoa assim precisa ser acompanhada constantemente”, explica Angel: “Só que assim que ele saiu do hospital a família o expulsou. ‘Saia disso sozinho’, disseram-lhe. Assim, o trouxemos de volta para cá. E precisa seguir as regras. Cuidar da horta no pátio da paróquia, lavar as janelas, fazer a coleta. Precisa sempre estar ocupado”. Uma noite, Carlos disse a Angel: “Ninguém nunca me deu uma segunda chance”. Como dizendo, eu o traí mas você me acolheu novamente. É exatamente o mesmo olhar que mudou e continua mudando as vidas de Fernando e de Rafa. E também de Emeterio, um guineano de 50 anos que hoje trabalha na igreja. “Faz um ano que não bebo. Esta é a esperança”.
Esperança. É a mesma palavra usada por Marta, com seus filhos. O seu caso é igual ao de muitos na Espanha, como falamos no início. Ela também acabou na Santo Antônio. Diz que aprendeu muito nos últimos meses: “Fiz cursos de auxiliar de enfermagem. Descobri o que quer dizer viver em família. Não podia imaginar tudo isso...”. Chora. Tem medo. Sua permanência está terminando, precisa ir morar sozinha. No entanto, aquilo que viu é mais forte: “Claro hombre! Tudo isso é meu para sempre. A crise existe, e provavelmente irá piorar. Mas como posso não ter esperança?”.
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