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Passos N.141, Setembro 2012

LEITURA

Clube da Esquina: um trem chamado amizade

por Fabíula Martins Ramalho

O livro Os sonhos não envelhecem: Histórias do Clube da Esquina escrito por Márcio Borges revela aos leitores, com pura poeticidade mineira, as histórias que nasceram da amizade de uma geração talentosa de jovens mineiros entre as décadas de 1960 e 1970. O autor vivenciou e testemunhou o surgimento de artistas que por meio da criação musical buscaram expressar a sua inquietude diante do ser e estar no mundo, principalmente, em tempos difíceis como a ditadura militar. Todavia, a dureza da realidade sociopolítica brasileira não eliminou a beleza vista “da janela lateral do quarto de dormir”, como diz o verso retirado da música Paisagem da Janela de Lô Borges e Fernando Brant, diante das montanhas de Minas Gerais.
Desse grupo de artistas, a sua expressão máxima encontra-se em Milton Nascimento, que em 2012 completa setenta anos de vida e cinquenta anos de carreira. Ele era chamado intimamente pelos amigos de Bituca. Através da amizade com Milton, Márcio relata encontros, parcerias musicais, o drama da ditadura e nos leva para um passeio pelas ruas, avenidas, centros culturais e bares da capital mineira que foi o cenário da história de homens que procuram o seu lugar nesse mundo, apesar das idas e vindas da vida, dos encontros e das despedidas.
Para contar-nos as aventuras e experiências de Bituca e tantos outros que colaboraram de maneira efetiva para a escritura de muitas páginas importantes da música popular brasileira, Márcio dividiu o livro em três momentos: Pré-História, História e Outra História.
Na Pré-História, o edifício Levy tem papel central. Nesse prédio residia a grande família Borges (formada por onze irmãos) que acolheu Milton Nascimento quando ele foi morar em Belo Horizonte. Logo, ele tornou-se o décimo segundo filho de Dona Maricota e Seu Salomão. Ali conviveu intimamente com uma família que respirava música, amor e carinho, tornando-se com eles um só coração e uma só alma. Nessa mesma época, Bituca e os irmãos Borges conheceram, também, Fernando Brant, Beto Guedes, Toninho Horta, entre outros. Nesse grupo estava, também, Wagner Tiso. Mas Milton o conheceu em Três Pontas, ainda garoto. Composições de Milton com Márcio Borges e, depois, com Fernando Brant já fizeram parte do seu primeiro disco lançado em 1967.
Na História, o autor nos leva para o despontar do amigo Bituca no panorama nacional com a música “Travessia” composta em parceria com Fernando Brant. Essa música foi intitulada, primeiramente, de “Vendedor de Sonhos”, pois o seu primeiro verso dizia: “Quem quer comprar meus sonhos...”. No entanto, o verso foi retirado da música, seguindo a sugestão de Márcio que o achava “esquisito”, então, a canção passou a chamar-se Travessia. Márcio era chamado, carinhosamente, Das "Das Baixínhans"pelo amigo Bituca. Foi ele quem escreveu a música Clube da Esquina, “embora não fizesse ideia do quão famosa esta expressão ainda iria se tornar”, em parceira com Milton e seu irmão Lô Borges.
A famosa esquina na Rua Divinópolis no bairro de Santa Teresa, em Belo Horizonte, reunia jovens amigos para tocar e, sem pretensões, fazer música da melhor qualidade. Da música Clube da Esquina nasceu o disco de mesmo nome, no qual todos os amigos estavam representados: “Rubinho Batera, Wagner Tiso, Toninho Horta, Paulinho Braga, Márcio Borges, Lô Borges, Beto Guedes, Fernando Brant, Tavito, Nelson Ângelo, Robertinho Silva, Ronaldo Luís Alves, Paulo Moura, Eumir Deodato”.
Em Outra História a censura imposta pelo regime ditatorial aumenta, mas Milton e seus amigos não se calam e realizam o show “Milagres dos Peixes” na Universidade de São Paulo (USP). Nesse momento novos encontros, além da realização de um show em Três Pontas, cidade mineira onde Milton viveu sua infância, com a participação de Chico Buarque e Francis Hime. Com os discos que lançou entre 1975 e 1976, Milton solidifica a sua carreira nacionalmente e alcança reconhecimento internacional, tornando-se um dos maiores artistas brasileiros no campo musical.
Nesse livro permeado de histórias tecidas e recontadas com uma sensibilidade profunda e suave de quem vê o mundo com os olhos do coração, Márcio Borges nos possibilita conhecer não somente uma parte da história musical do Brasil, mas o encontro de pessoas que se tornaram amigos de uma vida inteira e uniram seus talentos para expressar o melhor da música brasileira para o mundo.

Os sonhos não envelhecem:
Histórias do Clube da Esquina

Márcio Borges
Geração Editorial, São Paulo
7ª edição, 2011

 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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