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Passos N.142, Outubro 2012

RUBRICAS

Cartas

NÃO BASTA ORDENAR AS CIRCUNSTÂNCIAS
Quando Carrón falava durante a Assembleia Internacional de Responsáveis, parecia falar para mim neste período da minha vida, cheio de mudanças. Há dois anos, eu e minha mulher, recém-casados, nos mudamos para Burundi. Depois de uma proposta de trabalho não havia objeções em deixar os amigos, a família, para segui-Lo nessa aventura. Nesses dois anos, nasceu nosso filho Giacomo. No final de janeiro deste ano, Giacomo teve uma taquicardia e ele e minha mulher precisaram voltar para a Itália. Eu continuei trabalhando em Burundi, esperançoso de que a saúde de Giacomo melhorasse e pudéssemos voltar os três para a África. Em maio, ele teve outra crise, da qual se recuperou novamente. Nesse ponto, ficou claro que a volta para Burundi não era mais possível. Eu e minha mulher decidimos voltar para a Itália. Isto significou procurar outro emprego, deixar as novas amizades, ou seja, recomeçar tudo. Quando tomamos essa decisão, estava desiludido e com raiva. Dizia a mim mesmo: como é possível que, agora que começamos boas amizades e o trabalho estava começando a andar bem, precisemos voltar? Num segundo momento, disse a mim mesmo que tudo isso, o fato de mudar para Burundi, o trabalho, as amizades, tudo nasceu da obediência a um Outro que nos quis ali. Então, também o fato de ter que voltar era por uma obediência, não por um capricho. Tomada esta decisão, me deparei com a realidade que se mostrava urgente: encontrar um novo trabalho e começar novamente. Tentava ordenar da melhor maneira todas as circunstâncias, mas sem que pudessem ser uma ocasião de crescimento para a minha vida. Como a procura por trabalho. Quando encontrei, eu deixei de lado essa circunstância que deixou de ser urgente, sem que tivesse desafiado minha vida até o fundo. Nessa e em outras ocasiões me dei conta de que tentei organizar da melhor maneira as circunstâncias que se apresentavam dia após dia. Sempre que precisava resolver um problema, minha postura era de que dependia da minha capacidade de resolver da melhor forma as circunstâncias que estavam me acontecendo. Por isso, quero realmente agradecer Carrón, por ter nos lembrado que as circunstâncias podem ser ocasiões de crescer com o Mistério e de entender um pouco mais a própria vocação. Percebo que, para isso, é preciso fazer um trabalho e partir do fato de que “és Tu que me fazes”.
Samuele, Varese (Itália)

OLHOS ABERTOS DIANTE DA REALIDADE
Caríssimo Carrón, começo o meu testemunho lendo a seguinte frase: "Nada é tão absurdo como a resposta a um problema que não foi colocado". Há dois anos, eu estava totalmente “árida”, não conseguia mais enxergar a beleza diante da vida e das coisas, estava sendo “engolida” pelas circunstâncias e me sentia "órfã". Por conta disso, tive a coragem e a oportunidade de lhe pedir ajuda e sou muito grata pelo caminho – não por um milagre –, ao qual você me ajudou e me ajuda a percorrer novamente. Eu ainda estou processando o que você me disse em relação a deixar aberta a minha pergunta, pois na vida, Dom Giussani dizia que reconhecer Cristo não é um problema de inteligência ou de coerência, ninguém tem que me convencer de que Cristo está presente. Você também me disse que tenho que ficar de olhos abertos diante das coisas que acontecem aqui, porque se vejo pessoas mudadas, vou poder concluir que existem à minha frente pessoas vivas as quais posso seguir, das quais eu posso me tornar amiga, as quais eu posso buscar. E foi isto o que eu fiz. Mesmo com toda a minha dor, aridez e tristeza, fui a fundo naquilo que o meu coração gritava sem deixar nada de lado e sem me escandalizar com o que sentia. Eu só conseguia pedir ao Senhor que se revelasse novamente a mim. E mesmo nesta condição, nunca deixei de ir à Fraternidade, à Escola de Comunidade e de retomar com verdade os textos que me eram propostos. Ultimamente, trabalhando o texto da Fraternidade, me dou conta a cada dia de que necessito deste lugar. Um lugar concreto que me ajuda a dizer “eu” de verdade e a reconhecer o que meu coração deseja e necessita. É neste lugar que Cristo se faz presente a mim através de Dom Filippo, Bracco, Walter, Carlinhos, Nora, Elisabete, meu grupo de Fraternidade, Patrícia e Fabiano Molina, Padre Paulo. Pessoas concretas e vivas, que me ajudam a me lançar diante da realidade e fazem com que eu me fascine e ame mais a Cristo. Percebo que é um caminho no tempo, dentro de uma convivência. Por isso, para mim, este é o tempo da minha pessoa, de me redescobrir novamente, de ver a quem pertenço, quem eu sou, em que consiste a minha vida e as coisas. É o momento em que sou chamada a dizer “eu” de verdade, não deixando nada de fora, não transferindo a responsabilidade aos outros, como tentamos fazer, mas respondendo em primeira pessoa. Com este caminho que estou fazendo, hoje lhe digo que me sinto totalmente livre, amada, acolhida e abraçada. Eu me considero “um nada” muito amado. E começo a olhar as pessoas, as coisas, os amigos, os filhos, o marido, com um amor e um desejo indescritível. Quero que todos possam ver o que eu estou vendo e tenham o que eu tenho, ou seja, Cristo presente, concreto e palpável. É Ele que me faz estar com esta alegria novamente e com o coração cheio de estupor, maravilha e desejo, apesar de toda a dramaticidade da vida. Termino agradecendo-lhe por esta amizade e peço a Nossa Senhora que me ajude a permanecer neste caminho com o coração simples, para que eu possa me surpreender a cada dia com a maneira com a qual Cristo vem até a mim e a todos nós.
Rosângela, Rio de Janeiro (RJ)

MEETING / A RESPOSTA DE UMA CRIANÇA
No sábado de encerramento, saindo da exposição sobre o rock (ou melhor, daquilo que ainda permanecia, pois já estava tudo em fase de desmontagem), eu tinha lágrimas nos olhos e um nó na garganta. Estava tomada pela graça destes dias. Conto isto: eu estava apresentando a exposição a um maravilhoso grupo de crianças entre 3 e 12 anos, na confusão que se pode imaginar. Começo com as perguntas habituais: como é a música do rock? E eles: é uma música forte! A certo ponto pergunto: mas por que, crianças, o rock é tocado alto? Levanta uma criança de seis anos de idade, óculos nerd de plástico colorido, com uma seriedade quase sobrenatural para a idade dela, e me diz: “Eles tocam alto porque estão tristes”. Outro episódio, no último dia, sempre na visita guiada para crianças. Um menino de doze anos se aproximou de mim de um modo um pouco arrogante e disse: “No entanto, você me disse uma mentira: não são todos tristes e inquietos! Os Mumford and Sons são diferentes”. Eu não tinha pensado nisso, mas é verdade. Tive de responder que são os únicos diferentes porque encontraram a resposta, se fazem as perguntas de todos nós, mas também refletem uma hipótese e uma certeza. Estou contente, antes de tudo, pelo método da exposição, que segue exatamente o trabalho que Julián sempre nos pede, e que permitiu não apenas que as canções apresentadas na exposição não me enjoassem, mas em alguns casos eu as fiz minhas, provocando perguntas e questões que me fizeram entender um pouco mais quem eu sou.
Sara

UM CAMINHO QUE DEIXA MARCAS
Nas férias do Movimento do ano passado, eu e meus filhos, Lucas e Letícia, tivemos a alegria de poder participar graças à contribuição de alguns amigos. Foi uma grata surpresa, porque não esperava ir às férias e foram dias cheios de letícia. Esse ano, para mim do ponto de vista financeiro, também era inviável ir às férias, mas marcada pelo gesto dos meus amigos do ano passado, fiquei pensando em uma alternativa para conseguir o dinheiro para o pagamento das férias. Decidi, então, depois de conversar com alguns amigos e com o Bracco fazer uma rifa de um iPad. Consegui vender 217 rifas. Arrecadei R$ 2.170,00 com os quais paguei as férias e ainda cobri algumas parcelas da prestação do aparelho. O sorteio foi feito no dia 29 de julho, em Angra, no último dia das férias, e o número sorteado foi o 100. Quem ganhou o aparelho foi a Edileine, mãe de um amigo da minha filha da escola. Eu me dei conta, depois de ficar afastada do Movimento, em um dos momentos mais decisivos e libertadores da minha vida, e que vejo como uma graça (quando tive câncer de mama), o quanto ter encontrado Cristo através do carisma de Dom Giussani, em 1999, foi e é a maior graça que tive na minha vida. Passar pelo que eu passei, sem me revoltar contra Deus, sem me desesperar e sem desejar morrer, não foi por um esforço meu, não foi uma capacidade minha, mas foi por causa das infinitas orações que fizeram por mim e também porque antes eu havia percorrido um caminho. Por mais que naquele momento eu estivesse afastada, ficou claro para mim que o caminho que eu percorri foi em primeira pessoa e eu carregava isso comigo. Quando decidi voltar a participar do Movimento foi com essa consciência. Participar com meus filhos das férias nacionais do Movimento foi para mim a confirmação dessa consciência. Diante da situação em que vivo hoje, onde não me sinto em casa na minha própria casa, estar naquele hotel, em Angra, com mais de 400 pessoas vindas de vários lugares do Brasil e muitas das quais eu não conhecia, surpreendentemente, senti- me em casa. Nunca me senti tão em casa quanto nesses dias. Mais uma vez aprendi o que era pertencer e, melhor ainda, me dei conta de que pertenço. Pude, nesses dias, experimentar, como disse padre Pigi, um instante de eternidade no tempo. E eu quero mais, quero viver isso agora, depois que as férias acabaram, quero viver isso diante da realidade, de um relacionamento que se acabou justamente, porque faltou o principal, faltou Cristo. Não quero mais ficar sozinha, quero ficar perto de pessoas que sejam verdadeiros mestres para mim e como disse padre Pigi, o verdadeiro mestre não é aquele que ensina para você o caminho, mas sim aquele que caminha com você. Sou grata a cada um que comprou a minha rifa e por mais que eu desejasse que cada um ganhasse, quem ganhou o maior e melhor presente foram os meus filhos e eu, pois a experiência desses dias nos deixaram marcados, não só pela beleza do lugar, mas principalmente, pela beleza de um povo que carrega consigo a razão pela qual vivemos: Cristo.
Flávia Alkmim, Rio de Janeiro (RJ)

“JÁ NÃO SOU EU QUE VIVO, MAS É CRISTO QUE VIVE EM MIM”
Caro Julián, no dia 5 de agosto morreu Ivana, mãe de Gianluca, um jovem que encontrou CL na universidade, em Pádua, cerca de dois anos atrás. Alguns dias antes das férias, Ivana piorou e os médicos lhe deram duas semanas de vida. Gianluca pensou que ela iria querer passar aqueles últimos dias com ele, mas ela, que não segue a experiência católica, lhe disse: “Vá às férias, porque vejo que para você é a coisa mais importante”. Alguns dias depois, Ivana se foi. Quem encontrava ou via Gianluca naqueles dias e no dia do funeral ficava impressionado com a consistência que tinha. Emergia o juízo de São Paulo: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim”. A celebração do funeral impressionou a todos, sobretudo os amigos não crentes de Gianluca e Ivana, onde Gianluca desejava testemunhar o encontro que fez com Cristo através do Movimento, uma coisa que mudou sua vida e a única que enchia de sentido aquele momento. Concluiu assim o funeral: “É difícil exprimir a dor pela morte da própria mãe. O período da sua doença foi muito doloroso e trabalhoso, e ao mesmo tempo rico de uma fecundidade humana que todos aqueles que estiveram perto da minha mãe, e foram realmente muitos, não puderam deixar de perceber. Como é possível uma tal fecundidade humana? Encontrei resposta em uma frase de Dom Giussani: ‘Olhar para si diante de Cristo crucificado é uma dor, mas é nesta dor – como na terra negra é plantada a árvore que dará fruto – que é plantada e brota a nossa libertação e, por isso, a humildade em relação a Cristo, o olhar se torna gratidão sem fim, surpresa pelo fato de não conseguir entender como é possível que tenha acontecido desse modo, não entende, mas sabe, e a humildade se torna caridade, amor. A dor de si torna-se alegria da certeza de que a graça de Cristo me mudará’. Olhar com ela a cruz da sua doença foi um caminho de sofrimento, mas um sofrimento cheio de uma letícia que todos aqueles que a acompanharam neste caminho, viram. É por isso que também o meu relacionamento com ela ganhou uma intensidade, uma fecundidade, uma riqueza nova, verdadeira e plenamente humana, capaz até de vencer todo o sofrimento físico e emocional. Ela terminou o seu caminho, como me disse há um mês, certa de ter levado a cabo todas as coisas que tinha no coração e de ter realizado a si mesma. Então, só me resta lembrar dela com alegria e com o mesmo olhar amável e comovido com o qual ela me olhava, um olhar em que eu reconheci um Outro que nos fazia: Cristo. Cristo vivo e presente no meio de nós, também no seu funeral, Cristo que opera na realidade e muda o coração, meu e de tantas pessoas, como foi para João e André. Cristo, de onde eu, sobretudo agora, posso recomeçar”.
Os universitários de Pádua (Itália)

“EIS DE ONDE VEM O MEU CANTO”
Caro Julián, eu acompanhei muitas pessoas na Mostra sobre o rock. Entre outras, um dia acompanhei uma cantora de jazz em uma visita. Uma mulher que trabalha no universo do jazz, gravando discos e fazendo concertos, há muitos anos. A um certo ponto, enquanto estávamos caminhando pela Mostra e eu falava sobre o conteúdo dos painéis, ela começou a chorar. Tinha realmente lágrimas nos olhos. Eu perguntei: “Tudo bem?”. Ela respondeu: “Sim, tudo ótimo. Pela primeira vez entendo o que estava procurando exprimir cantando e me exibindo no palco”. Ela estava ali, era agnóstica, e encontrava na Mostra o esclarecimento daquela pergunta: o que eu exprimo? De onde vem aquilo de que sinto necessidade dizer e cantar? Foi o momento mais bonito e intenso. Estamos dentro de uma história imensa e que também toca ou chega desse modo.
Walter, Pádua

O DOM DA VIDA
Mônica, de São Paulo, presenteou a uma amiga grávida de trigêmeos, em que um deles havia pouca chance de sobrevivência, a revista Passos de julho. Continha o texto da Dra. Elvira de New Yok (“Pare! Ele está aqui!”), sobre o trabalho com os “nascituros terminais”. Oito dias depois do nascimento dos três (e da morte de um deles), sua amiga enviou-lhe esta mensagem:
Meu marido e eu temos pensado muito em você nestes dias, queríamos agradecer-lhe por toda a ajuda durante a gravidez e o parto. Todas as coisas que você nos passou foram de muita utilidade e o escrito sobre as crianças que nascem, mas não podem ficar no mundo, nos ajudou a estar preparados para o que aconteceu com o nosso filho. Ainda que tenha sido muito triste a perda de um filho, o Hélio e a Carmela são muito lindos e estamos felizes com eles aqui em casa. Com toda a atenção de que eles precisam não sobra tempo para ficarmos tristes, por isso, eu só posso agradecer a Deus por tudo o que Ele me deu nesta experiência. Meu marido envia um grande abraço e eu também. E novamente muito obrigada por tudo. Só o fato de saber que eu podia ligar para você se alguma eventualidade acontecesse, tornou a minha vida mais tranquila nestes meses. Abraços e mais abraços.
Carta assinada

COMOVIDO POR UMA HISTÓRIA
Caro Julián, peço desculpas porque estamos atrasados com a quota do fundo comum. Graças a Deus, a situação de trabalho não é das piores; eu trabalho período integral e minha mulher está recebendo o salário desemprego. Hoje, enquanto preenchia o depósito, nasceu a pergunta: por que, assim que pudemos, separamos o dinheiro para o fundo comum? Foi um momento de consciência e comoção. Normalmente, são coisas que faço automaticamente. A resposta foi muito simples: uma enorme gratidão e amor por essa história que vivo e que está mudando a minha vida, da minha mulher e outros. Por isso, decidimos não modificar a quota esperando – embora estejamos um pouco atrasados – poder continuar a mantê-la.
Carta assinada

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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