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Passos N.143, Novembro 2012

DESTAQUE - Seguindo Pedro

Por que o Ano da Fé?

por Stefano Alberto

Dia 11 de outubro foi aberto o tempo desejado pelo Papa para se “conhecer de modo mais profundo as verdades que são a seiva da nossa vida”. Nestas páginas introduzimos o trabalho, através do rico magistério destes anos: a insistência sobre a razão e o anúncio de uma “novidade fascinante

Foi um início rico e denso. Um Sínodo que durante três semanas acolheu bispos e padres para discutir como se transmite a fé. A coincidência com um aniversário de peso, visto que há cinquenta anos começava o Concílio Vaticano II (veja serviço à p. 34), “grande força para a sempre necessária renovação da Igreja”, como escreveu Bento XVI na Porta Fidei. E a viagem a Loreto para confiar a Nossa Senhora os próximos meses.
E assim tem início o Ano da Fé desejado pelo Papa. E também começa um ano decisivo para a Igreja e para o mundo. Porque recuperar as razões da fé, sua ligação com as questões mais radicais do homem, a sua absoluta “conveniência humana”, ainda mais urgente em tempos difíceis como estes, é a única estrada para que a fé se torne verdadeiramente nossa. Para que incida na história e nos torne mais homens.
Para nós, também, é o início de um trabalho que acompanharemos passo a passo, na medida do possível, mas que realizaremos seguindo dois trilhos paralelos. Um percurso que retoma o fio condutor seguido por este Pontificado ao relançar o tema decisivo da racionalidade da fé, e alguns testemunhos que mostram o que pode gerar esse olhar da fé na vida. Em nossa vida.
Boa leitura e bom início.

“Agora é verdade/ Mas foi tão mentira/ Que continua sendo impossível”. Dom Giussani assim comenta esses versos do poeta espanhol Juan Ramón Jimenez, citados como post scriptum na conclusão do livro A consciência religiosa do homem moderno, cuja primeira edição apareceu em 1985: “Quando alguém intui o Fato cristão como verdade, precisa ter coragem para senti-lo novamente possível, apesar das imagens negativas alimentadas pelas maneiras estreitas com as quais ele foi traduzido na própria vida e na sociedade”.
Essas palavras me ocorreram ao tomar nas mãos a Carta Apostólica Porta Fidei, com a qual Bento XVI instituiu o Ano da Fé. Se é verdade que “a porta da fé (...) está sempre aberta para nós” (n. 1) – escreve ele – é igualmente verdade que “acontece com frequência, hoje, que os cristãos se preocupem mais com as consequências sociais, culturais e políticas do seu empenho, continuando a pensar na fé como um pressuposto óbvio da vida comum. Com efeito, esse pressuposto não só não ocorre mais, mas em geral é mesmo negado” (n. 2). Esse juízo dramático, retomado também pelo cardeal Scola na sua recente Carta pastoral (Descobrindo o Deus próximo, n. 3), revela uma profunda consciência de que, para repensar e reviver a fé, é preciso antes de tudo um olhar realista, sem fáceis otimismos ou injustificada negatividade, para a situação atual e para as verdadeiras questões que ela coloca. Ainda há lugar para a fé não só na vida do homem contemporâneo, mas também no espaço público? E o que é a fé, uma fé não reduzida a sentimentalismo ou a regras de comportamento? Não por acaso a instituição do Ano da Fé foi explicitamente ligada, por Bento XVI, à ocorrência do cinquentenário da abertura do Vaticano II. Na conclusão do seu já famoso discurso à Cúria Romana de 22 de dezembro de 2005, o Papa Ratzinger assim resumiu as razões da importância desse Concílio, justamente como início de uma nova evangelização: “O passo dado pelo Concílio na direção da idade moderna, que de um modo muito impreciso foi apresentado como abertura para o mundo, pertence definitivamente ao perene problema do relacionamento entre fé e razão, que sempre se reapresenta sob novas formas. (...) o diálogo entre fé e razão, hoje especialmente importante, tomando por base o Vaticano II, encontrou a sua orientação. Agora esse diálogo deve ser desenvolvido com grande abertura mundial, mas também com aquela clareza no discernimento dos espíritos que o mundo, com boa razão, espera de nós neste momento”.

Saber e crer. Que a relação entre fé e razão é a questão decisiva – “a ser desenvolvida com grande abertura mental e com clareza” – emerge com evidência em todo o rico magistério de Bento XVI. Basta recordar, entre vários outros, os grandes “discursos de setembro” – em 2006 na Universidade de Regensburg, em 2008 no Collège des Bernardins de Paris, e em 2011 no Bundestag de Berlim –, que aparecem hoje mais claramente quase como se fossem passos da caminhada de preparação para o Ano da Fé.
A grande fratura entre saber e crer, tão característica da mentalidade atual, é fruto da dupla redução da fé (resumida a sentimento subjetivo ou a moralismo) e da razão (resumida positivisticamente ao experimentável da ciência) operada pela modernidade (Regensburg). Mas a razão positivista, “que se apresenta de modo exclusivista e não é capaz de perceber nada além do que é funcional, assemelha-se aos edifícios de concreto armado sem janelas, em que o clima e a luz são dados por nós mesmos, sozinhos, e não queremos mais receber essas duas coisas do vasto mundo de Deus. Todavia, não podemos nos iludir de que nesse mundo autoconstruído atingimos em segredo também os recursos de Deus, que transformamos em produtos nossos” (Bundestag). Os cristãos também precisam, para descobrir o sentido profundo da realidade, da “coragem de se abrir à amplitude da razão, sem rejeitar a grandeza dela”, porque “não agir segundo a razão, não agir com o logos, é contrário à natureza de Deus” (Regensburg). Com mais razão hoje, quando, para muitos, Deus “se tornou verdadeiramente o grande Desconhecido” (Collège des Bernardins, Paris).

“Ele se mostrou”. A própria razão do homem, porém, mesmo nestes tempos tão confusos, carrega em si “a exigência do que vale e permanece para sempre”, e “também a atual ausência de Deus é molestada pela pergunta relativa a Ele” (Paris). Assim, a atual confusão tem não poucas analogias com aquela que o primeiro anúncio cristão teve de enfrentar, lá no início, da qual é testemunha a aventura de Paulo no coração da cultura de então, no Areópago de Atenas (cf. At 17). “Ele anuncia Aquele que os homens ignoram, mas conhecem: o Ignoto-Conhecido; Aquele que buscam, do qual no fundo têm consciência, mas que é o Ignoto e o Incognoscível. A profundeza do pensamento e do sentimento humanos sabe, de algum modo, que Ele deve existir” (Paris). Mas o homem não pode alcançá-Lo só com a força do seu pensamento. Eis a novidade fascinante do anúncio cristão a todos, sem exceção ou exclusão, que abre a razão para o novo conhecimento da fé, para o reconhecimento de Cristo presente: “Ele se mostrou, Ele pessoalmente. E agora está aberta a via até Ele. A novidade do anúncio cristão não consiste num pensamento, mas num fato: Ele se mostrou. Mas não se trata de um fato cego, e sim um fato em que ele próprio é o Logos – presença da razão eterna em nossa carne. Verbum caro factum est (Jo 1,14): justamente por isso, no fato agora reside o Logos, o Logos presente em nosso meio. O fato é racional. Certamente sempre é necessária a humildade da razão para poder acolhê-lo: é necessária a humildade do homem que responde à humildade de Deus” (Paris). A humildade de Deus, que em Cristo entra no tempo e no espaço assumindo a nossa condição humana, encontra a humildade da nossa razão que O acolhe, que se abre para a verdade? Há uma última objeção, bem expressa por Malraux, que repercute a de Jimenez, citada no início: “Não existe um ideal ao qual podemos nos sacrificar, porque conhecemos a mentira de todos nós, nós que não sabemos o que é a verdade” (A tentação do Ocidente), que pode ser a do homem contemporâneo, inclusive de cada um de nós, ao menos em algum momento da existência. Mas Bento XVI não tem medo de nos olhar de frente. Fez isso no seu habitual e recente encontro de verão com o círculo dos seus ex-alunos: “Como se pode ter a verdade? Isso é intolerância! As ideias de verdade e de intolerância, hoje, estão quase que completamente fundidas, e assim não ousamos mais crer de fato na verdade ou falar da verdade (...). Ninguém pode dizer: tenho a verdade – essa é a objeção corrente – e, justamente, ninguém pode deter a verdade” (Homilia, 2 de setembro de 2012).

"Agarrados por Cristo." Mais eis a resposta, que, como um dom totalmente gratuito, como o fato de um filho que muda a vida, reabre o drama da liberdade entre acolher e rejeitar: nós não somos possuidores da verdade, é a verdade que nos possui, “fomos agarrados por ela”, e “só se nos deixarmos guiar e mover por ela, permanecemos nela, só se formos, com ela e nela, peregrinos da verdade, então ela está em nós e para nós (...) não podemos dizer: tenho a verdade, mas a verdade veio até nós e nos impulsiona. Devemos aprender a nos deixar mover por ela, a sermos conduzidos por ela. E, então, brilhará de novo: se ela própria nos conduz e nos invade”.


DE LORETO PARA O RIO DE JANEIRO
O Ano da Fé foi aberto no dia 11 de outubro de 2012 e será concluído no dia 24 de novembro de 2013. No dia 4 de outubro Bento XVI foi em peregrinação ao Santuário de Nossa Senhora de Loreto para confiar estes meses a Maria, como fez o seu predecessor João XXIII cinquenta anos atrás, na vigília do Concílio Vaticano II.
Entre os principais eventos, além do Sínodo sobre a nova evangelização, no dia 21 de outubro foram canonizados na Praça São Pedro sete mártires e confessores da fé. Em 18 de maio o Santo Padre irá presidir a vigília de Pentecostes com todos os movimentos católicos e as associações leigas. Já no dia 2 de junho, solenidade do Corpus Domini, acontecerá uma especial adoração eucarística em São Pedro que será realizada contemporaneamente em todo o mundo, envolvendo as catedrais e paróquias, em cada diocese. Em 23 de julho, terá início no Rio de Janeiro a Jornada Mundial da Juventude, que irá culminar no final de semana de 27 e 28 com a presença de Bento XVI. O encerramento oficial será em 24 de novembro, solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo.




O SÍNODO
De 7 a 28 de outubro passados, foi realizada em Roma a XIII Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos, sobre o tema “A nova evangelização para a transmissão da fé cristã”.
A reunião teve a participação de cerca de 250 pessoas, entre cardeais, bispos, sacerdotes e leigos de todo o mundo. A maioria dos sacerdotes são eleitos pelas conferências episcopais, enquanto o Papa escolheu diretamente 36 personalidade, entre cardeais, bispos e sacerdotes. Aos Padres sinodais se adicionaram 42 especialistas e 49 ouvintes.
A ordem do dia, o Instrumentum laboris, tocou três temas principais: Jesus Cristo, o Evangelho de Deus para o homem; Tempo de uma nova evangelização; Transmissão da fé. O resultado das discussões, que também tiveram a participação do Papa, serão sintetizados pelo relator geral, cardeal Donald William Wuerl, arcebispo de Washington. Por sua vez, o Pontífice se baseará nesta síntese para escrever uma Exortação Apostólica pós-sinodal.
Entre os Padres sinodais também esteve presente padre Julián Carrón, presidente da Fraternidade de Comunhão e Libertação. Entre os bispos italianos, Angelo Scola, Filippo Santoro e Luigi Negri. Entre os especialistas foi convidado o padre Paolo Martinelli e entre os ouvintes Joakim Kipyego Koech, responsável por CL no Quênia.


 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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