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Passos N.143, Novembro 2012

BENTO XVI

“Deus falou. Mas como o homem pode saber isso?”

Queridos irmãos! A palavra “evangelium” “euangelisasthai” (cf. Lc 4, 18) tem uma longa história. Comparece em Homero: é o anúncio de uma vitória e, por conseguinte, é anúncio de bem, de alegria, de felicidade. Comparece, depois, no Segundo livro de Isaías (cf. 40, 9), como voz que anuncia a alegria de Deus, como voz que faz compreender que Deus não se esqueceu do seu povo, que Deus, o Qual aparentemente quase se tinha retirado da história, existe, está presente. E Deus tem poder, dá alegria, abre as portas do exílio (...). Neste contexto, sobressaem três palavras: dikaiosyne, eirene, soteria – justiça, paz, salvação. O próprio Jesus retomou as palavras de Isaías em Nazaré, falando deste “Evangelho” que agora ele leva precisamente aos excluídos, aos encarcerados, aos sofredores e aos pobres.

Mas para o significado da palavra “evangelium” no Novo Testamento, além deste – que abre a porta –, é importante também o uso da palavra do Império Romano, começando pelo imperador Augusto. Aqui a palavra “evangelium” indica uma palavra, uma mensagem que vem do Imperador. Por conseguinte, a mensagem do Imperador, como tal, traz o bem: (...) é uma mensagem de salvação, de renovação e de saúde. O Novo Testamento aceita esta situação. São Lucas confronta explicitamente o Imperador Augusto com o Menino nascido em Belém: “evangelium” sim, é uma palavra do Imperador, do verdadeiro Imperador do mundo. O verdadeiro Imperador do mundo fez-se ouvir, fala a nós. E este fato, como tal, é redenção, porque o grande sofrimento do homem – naquele tempo, como hoje – é precisamente este: por detrás do silêncio do universo, das nuvens da história há ou não um Deus? E, se este Deus existe, se nos conhece, está relacionado conosco? Este Deus é bom, e a realidade do bem tem ou não poder no mundo? Estas perguntas hoje são tão atuais como eram naquele tempo. (...) “Evangelho” significa: Deus interrompeu o seu silêncio, Deus falou, Deus existe. Este fato enquanto tal é salvação: Deus nos conhece, nos ama, entrou na história. Jesus é a sua Palavra, o Deus conosco, o Deus que mostra que nos ama, que sofre conosco até a morte e ressuscita. Este é o próprio Evangelho. Deus falou, já não é o maior desconhecido, mas mostrou-se a si mesmo e isto é salvação.

Para nós a questão é: Deus falou, rompeu o grande silêncio, mostrou-se, mas como podemos fazer chegar esta realidade ao homem de hoje, para que se torne salvação? Em si o fato que tenha falado é a salvação, é a redenção. Mas como o homem pode saber isso? Parece-me que este ponto constitua para nós uma pergunta, mas também um pedido, um mandato: podemos encontrar uma resposta meditando o Hino da Hora Tércia “Nunc, Sancte, nobis Spiritus”. A primeira estrofe diz: “Dignare promptus ingeri nostro refusus, pectori”, ou seja, oremos para que venha o Espírito Santo, esteja em nós e conosco. Por outras palavras: nós não podemos fazer a Igreja, podemos unicamente dar a conhecer quanto Ele fez. A Igreja não começa com o nosso “fazer”, mas com o “fazer” e o “falar” de Deus. Os Apóstolos não disseram, depois de algumas assembleias: agora queremos criar uma Igreja. (...) Não, rezaram e em oração esperaram, porque sabiam que só o próprio Deus pode criar a sua Igreja, que Deus é o primeiro agente: se Deus não age, as nossas coisas são apenas nossas e são insuficientes (...).

Pentecostes é a condição do nascimento da Igreja: só porque Deus agiu primeiro, os Apóstolos podem agir com Ele e com a sua presença e tornar presente quanto Ele faz. Deus falou e este “falou” é o perfeito da fé, mas é sempre também um presente: o perfeito de Deus não é só um passado, porque é um passado verdadeiro que tem sempre em si o presente e o futuro. Deus falou significa: “fala”. (...) Por isso não é simples formalidade começarmos todos os dias a nossa Assembleia com a oração: isto responde à própria realidade. Só o preceder de Deus torna possível o nosso caminhar, o nosso cooperar, que é sempre um cooperar, não uma nossa decisão. Por isso é importante saber que a primeira palavra, a iniciativa verdadeira vem de Deus e só inserindo-nos nesta iniciativa divina, só implorando esta iniciativa divina, também podemos nos tornar – com Ele e n’Ele – evangelizadores (...)

Este nosso agir, que provém da iniciativa de Deus, está descrito na segunda estrofe deste Hino: “Os, lingua, mens, sensus, vigor, confessionem personent, flammescat igne caritas, accendat ardor proximos”. Temos aqui, em duas linhas, dois substantivos determinantes: “confessio” nas primeiras linhas, e “caritas” nas duas segundas, como os dois modos nos quais Deus nos envolve, nos faz agir com Ele e para a humanidade, para a sua criatura. E são acrescentados os verbos: no primeiro caso “personent” e no segundo “caritas” interpretado com a palavra fogo, fervor, acender, atear.

Vejamos o primeiro: “confessionem personent” . A fé tem um conteúdo: Deus comunica-se, mas este Eu de Deus mostra-se realmente na figura de Jesus e é interpretado na “confissão” que nos fala da sua concepção virginal do Nascimento, da Paixão, da Cruz, da Ressurreição. Este mostrar-se de Deus é todo uma Pessoa: Jesus como o Verbo, com um conteúdo muito concreto que se expressa na “confessio”. Por conseguinte, o primeiro ponto é que nós devemos entrar nesta “confissão”, fazer-nos penetrar, de modo que “personent” – como diz o Hino – em nós e através de nós. Aqui é importante observar também uma pequena realidade filológica: “confessio” em latim pré-cristão não seria “confessio” mas “professio” (profiteri): isto é, apresentar positivamente uma realidade. Ao contrário, a palavra “confessio” refere-se à situação num tribunal, num processo no qual alguém abre a sua mente e confessa. Por outras palavras, esta “confissão”, que no latim cristão substituiu a palavra “professio”, tem em si o elemento martirológico, o elemento de testemunhar diante de instâncias inimigas à fé, testemunhar também em situações de paixão e de perigo de morte. É parte essencial da confissão cristã a disponibilidade para sofrer: isto me parece muito importante. Sempre na essência da “confessio” do nosso Credo está incluída também a disponibilidade para a paixão, para o sofrimento, aliás, para o dom da vida. E precisamente isto garante a credibilidade: a “confessio” não é algo que se pode pôr de lado; a “confessio” exige a disponibilidade para dar a vida, para aceitar a paixão. Isto é precisamente também a verificação da “confessio”. Vê-se que para nós a “confessio” não é uma palavra, é mais que a dor, é mais que a morte. (...) Precisamente na dimensão martirológica da palavra “confessio” sobressai a verdade: verifica-se só para uma realidade pela qual vale a pena sofrer, que é também mais forte do que a morte, e demonstra que possuo a verdade, que tenho mais segurança, que “levo” a minha vida porque encontro a vida nesta confissão.

Vejamos agora onde deveria penetrar esta “confissão”: “Os, lingua, mens, sensus, vigor”. De São Paulo, Carta aos Romanos10, sabemos que a colocação da “confissão” é no coração e na boca: deve estar no fundo do coração, mas deve ser também pública: deve ser anunciada a fé que se tem no coração: nunca é apenas uma realidade no coração, mas tende para ser comunicada, para ser confessada realmente diante dos olhos do mundo. Assim devemos aprender, por um lado, a estar realmente – digamos – penetrados no coração pela “confissão”, assim o nosso coração é formado, e do coração encontrar também, juntamente com a grande história da Igreja, a palavra e a coragem da palavra, e a palavra que indica o nosso presente, esta “confissão” que é, contudo, sempre uma. “Mens”: a “confissão” não é só uma questão do coração e da boca, mas também da inteligência: deve ser pensada e assim, como pensada e inteligentemente concebida, toca o outro e supõe sempre que o meu pensamento seja realmente colocado na “confissão”. “Sensus”: não é uma coisa meramente abstrata e intelectual, a “confessio” deve penetrar também os sentidos da nossa vida. São Bernardo de Claraval disse-nos que Deus, na sua revelação, na história de salvação, deu aos nossos sentidos a possibilidade de ver, de tocar, de saborear a revelação. Deus já não é só uma coisa espiritual: entrou no mundo pelos sentidos e os nossos sentidos devem estar cheios deste sabor, desta beleza da Palavra de Deus, que é realidade. “Vigor”: é a força vital do nosso ser e também o vigor jurídico de uma realidade. Com toda a nossa vitalidade e força, devemos ser penetrados pela “confessio”, que deve realmente “personare”; a melodia de Deus deve entoar o nosso ser na sua totalidade.

“Confessio” é a primeira coluna – por assim dizer – da evangelização e a segunda é “caritas”. A “confessio” não é uma coisa abstrata, é “caritas”, é amor. Só assim é realmente o reflexo da verdade divina, que como verdade é inseparavelmente também amor. O texto descreve, com palavras muito fortes, este amor: é fervor, é chama, é atear os outros. Há uma nossa paixão que deve crescer da fé, que deve transformar-se em fogo da caridade. Jesus disse-nos: Vim para lançar fogo à terra e quanto desejaria que já estivesse ateado. Orígenes transmitiu-nos uma palavra do Senhor: “Quem está perto de mim está perto do fogo”. O cristão não deve ser tíbio. O Apocalipse diz-nos que este é o maior perigo do cristão: não diz não, mas diz um sim tíbio. Precisamente esta tibiez desacredita o cristianismo. A fé deve se tornar em nós chama do amor, chama que acende realmente o meu ser, se torna grande paixão do meu ser, e assim acende o próximo. Este é o modo da evangelização: “Accendat ardor proximos”, que a verdade se torne em mim caridade e a caridade acenda como o fogo também o outro. Só neste acender o outro através da chama da nossa caridade, cresce realmente a evangelização, a presença do Evangelho, que já não é só palavra, mas realidade vivida.

São Lucas narra que no Pentecostes, nesta fundação da Igreja por Deus, o Espírito Santo era fogo que transformou o mundo, mas fogo em forma de língua, ou seja, fogo que é contudo também razoável, que é espírito, que é também compreensão; fogo que está unido ao pensamento, à “mens”. E precisamente este fogo inteligente, esta “sobria ebrietas”, é característica para o cristianismo. Sabemos que o fogo é o início da cultura humana: o fogo é luz, é calor, é força de transformação. A cultura humana começa no momento em que o homem tem o poder de criar o fogo: com o fogo pode destruir, mas pode também transformar, renovar. O fogo de Deus é fogo transformador, fogo de paixão – sem dúvida – que destrói também tanto em nós, que leva a Deus, mas fogo sobretudo que transforma, renova e cria uma novidade do homem, que se torna luz em Deus.

Assim, no final, podemos unicamente rezar ao Senhor para que a “confessio” esteja fundada profundamente em nós e que se torne fogo que ateia os outros; assim o fogo da sua presença, a novidade do seu ser conosco, torna-se realmente visível e força do presente e do futuro.

MEDITAÇÃO DO SANTO PADRE DURANTE A ORAÇÃO DA HORA TÉRCIA
NA INAUGURAÇÃO DOS TRABALHOS DO SÍNODO DOS BISPOS
Sala do Sínodo, 8 de outubro de 2012


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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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