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Passos N.144, Dezembro 2012

SÃO PAULO - Experiência

Um lugar para encontrar pessoas e histórias

por Ana Luiza Mahlmeister

A Livraria Companhia Ilimitada começou de forma não planejada para atender a demanda de escolas por livros infantis. O sonho cresceu e o espaço tornou-se referência em literatura especializada em São Paulo

“Aqui é um lugar mágico!”; “Eu nunca vou me esquecer deste lugar!”; Um menino, olhando em volta, exclama para a responsável pela venda dos livros: “Você deve ser muito feliz!”. Essas e outras histórias, frequentes entre as crianças que visitam a Livraria Companhia Ilimitada, dão uma pequena ideia de um espaço que se transformou em um mini centro cultural mais do que um ponto de venda de livros. Crianças e adultos são atraídos por sessões de contação de histórias, encontros com autores, palestras e cursos.
A história da livraria começa com a Editora Companhia Ilimitada, criada em 1987 com a publicação do “Livro das Horas”, hoje em sua 6ª edição. O primeiro projeto da editora foi o de viabilizar a publicação em língua portuguesa dos livros de Dom Luigi Giussani, fundador do movimento “Comunhão e Libertação”. A livraria surgiu há quinze anos como uma extensão natural da editora por iniciativa do casal Douglas Souto, filósofo, e Maria Luiza, a Malú, fonoaudióloga. Naqueles anos inicias, como responsável pela Editora e pela distribuição da revista 30 Dias no Brasil, Douglas iniciou um trabalho de sugestão de leitura para os assinantes, cadastrando-se em editoras. Comprava livros com desconto, a princípio para seus filhos, e depois para mostrar nas escolas que começaram a pedir a realização de feiras de livros infantis. “Fui fazer um curso na USP sobre Redes Sociais, organizado por um psicólogo que sugeriu trazer livros para vender. Fui atrás da bibliografia e as oportunidades foram aparecendo. Como trabalhava com psicólogos, comecei a mostrar também a eles e vieram as encomendas. A coisa foi se ampliando e nossa casa se enchendo de livros”, conta Malú.
Com o crescimento das feiras começaram a trabalhar com a consignação de livros para ter mais variedade de títulos e surgiu a necessidade de encontrar um lugar. Muitos abrem uma livraria a partir do zero. Douglas e Malú já tinham uma clientela inicial, tanto de escolas quanto de pessoas “loucas por livros”, e decidiram investir em um ponto comercial. Acharam uma pequena casa no bairro da Água Fria, na Zona Norte de São Paulo, para sediar a livraria. “O ponto passou a ser uma necessidade para receber as pessoas. O espaço foi pensado desde o começo para a literatura infantil, correspondendo ao público que já atendíamos”, diz Malú. Hoje principalmente nas grandes cidades existem muitas mega-livrarias ou “megastores”, mas nenhuma consegue ter tudo o que é publicado no Brasil. A tendência é que ofereçam um pouco de tudo, inclusive outros produtos como CDs, DVDs e papelaria. Para competir com as grandes, as livrarias menores de bairro precisam se diferenciar. Com a especialização em literatura infantil perceberam que as escolas estavam ávidas por essa parceria. “A confiança no nosso trabalho é muito grande. Diretoras ligam pedindo indicações de leitura para determinadas faixas etárias, coordenadoras enviam pais à livraria com lista de livros para que as crianças posteriormente troquem obras entre elas, além da indicação de leitura de férias”, diz Malú. Foi se formando uma rede em que uma escola vai indicando a outra, mães fazem referência ao local, além do contato com as editoras, formando assim uma rede de relacionamentos.
A iniciativa de chamar grupos de crianças para atividades na livraria começou cedo, logo na abertura, quando uma sala foi sublocada para uma arte educadora. Uma história tema era escolhida e se criavam atividades envolvendo música, teatro e artes plásticas. Com o fim da iniciativa ficou a semente de chamar as crianças para atividades com livros, reforçada quando a mesma sala foi sublocada para a contadora de histórias Vivian Catenacci. Surgiu a Tarde do Conto, realizada sempre no último domingo do mês às 16h00, com Vivian e outros contadores. São escolhidos temas como Monteiro Lobato, Ruth Rocha, férias, volta às aulas, contos brasileiros, fábulas e contos de fadas. Em julho, as Tardes do Conto são realizadas uma vez por semana, sempre com seções lotadas. “No último mês de julho passaram pela livraria 500 pessoas para ouvir histórias”, comemora Malú. Em dezembro acontece a “Noite de Contos de Natal” que já se tornou uma tradição para muitas famílias da região.
As livrarias especializadas acabaram se tornando espaços de encontro. Para que os autores tivessem mais contato e pudessem divulgar sua obra surgiu a ideia do “Encontro com o Autor” um momento de contação de histórias, bate papo e sessão de autógrafos. Já passaram pela livraria famosos autores de literatura infantil como César Obeid, Ilan Brenman, Giba Pedroza e Fábio Sombra, entre outros. Encontros para adultos também fazem parte das atividades, como a palestra do psiquiatra Celso Gutfreind, cujo trabalho é focado na importância das histórias na vida das crianças. Saberem que fazem parte de uma tradição, conhecer suas his
tórias e de outras pessoas fornece os alicerces à formação da personalidade. “Penso quantas crianças passaram por aqui ouvindo histórias. Isso dá uma alegria muito grande porque oferecemos essa riqueza para as crianças e os pais também captam essa beleza. Dá vontade de ampliar, receber mais pessoas para compartilhar isso”, conta Malú. A livraria também promove um curso de contação de histórias – módulos I e II – uma vez por semestre, realizado por Vivian Catenacci, muito procurado por professoras e pedagogas. Os fãs da livraria, pessoas amigas e clientes fieis foram formando um grupo que recebe e-mails de sugestão de títulos e lançamentos, conforme seu perfil.
Uma cliente antiga ficou entusiasmada com a proposta das Tardes do Conto e do encontro com os autores e teve a teve ideia de oferecer a iniciativa para alunos de escolas públicas. Surgiu o projeto “Livro na Mão”, apoiado pelo Rotary Club, a partir do ano passado. Uma vez por mês a livraria recebe uma classe do Fundamental I (crianças de 7 anos) de uma escola pública. Um ônibus traz as crianças, o autor faz uma apresentação da obra, um bate papo com as crianças e seção de autógrafos. Elas escolhem o livro que quiserem daquele autor e um patrocinador paga o valor da obra. “No começo as professoras não acharam uma boa ideia. Aos poucos foram vendo a animação das crianças e dos professores das outras turmas que tinham participado do projeto. Agora quase disputam para ver de quem é a vez de vai levar a classe”, conta Malú.
Creches da prefeitura como a Menino Deus, Projeto Mari e jovens do Núcleo profissionalizante São José, de 15 a 18 anos, também são frequentadores assíduos dos encontros com o autor e da contação de histórias. Para os jovens que vieram recentemente à livraria, Malú escolheu livros de contos brasileiros voltados para esta idade e a contadora de histórias também focou no tema. “Ficaram à tarde inteira escolhendo livros, lendo e ouvindo histórias. Foi difícil tirá-los daqui quando acabou o tempo e a perua tinha que levá-los de volta”, lembra Malú.

Crianças e histórias. Muitas crianças criam um vínculo muito forte com a livraria. Um exemplo é Benjamin de uma escola próxima que há anos frequenta o local com os pais para escolher livros para as férias. Ao vir com a escola pela primeira vez fez questão de sublinhar: “Esta é a minha livraria”. Malú conta também que já aconteceu de adolescentes se depararem com um livro na estante e se lembrarem de terem participado de um encontro com aquele autor, há 10 anos ou mais: “Isso mostra como esses momentos marcam a vida da criança e vão criando um vínculo com a leitura”.
As crianças, envolvidas pelas histórias, rodeados de livros, fazem a experiência da beleza. “Nós somos privilegiados por realizar esse trabalho. Sempre adorei livros, mas nunca planejei ter uma livraria. Quando vimos já estava acontecendo. E o mundo dos livros infantis é infinito, não paramos de descobrir mais autores, lançamentos, editoras. Essas coisas são muito bonitas”, afirma Malú. Ela também conta que é uma riqueza viver o dia a dia rodeada de livros infantis, com visual atraente e conteúdos ricos que promovem sempre uma nova descoberta, não só para as crianças. Muitos livros, de forma sutil, despertam o desejo de um sentido para tudo. As perguntas elementares (por que estamos aqui?) se manifestam particularmente nas crianças. “Elas são muito espontâneas. Percebemos a beleza na forma como se manifestam e fazem essa experiência. Recebemos crianças que nunca tinham entrado em uma livraria e tido contato direto com um livro, com um autor, com alguém que pudesse contar uma história para elas. A reação é muito gratificante, oferecer esse espaço e ver como elas reagem e aproveitam isso. A beleza se manifesta nessa trama de histórias dos livros misturadas à dos autores e das crianças que se fundem”, diz Douglas.

Um vínculo intenso. “Acabamos sobrevivendo como loja pela venda dos livros, mas a livraria é muito mais do que isso. Essa rede de relacionamentos acaba sendo uma manifestação da beleza com o que cada um tem de melhor para mostrar”, afirma Douglas. Começou com os filhos pequenos nas escolas, foi envolvendo também as famílias que hoje participam dos eventos de forma entusiasmada. Há dois anos a apresentação do livro O Poder e a Glória, de Graham Greene, encheu a sala. “Fazemos os convites e as pessoas aparecem. No quintal, em dia de contação de histórias, chegamos a reunir 100 pessoas”, diz Malú. Um texto da revista Communio “Religião e os livros infantis” aponta a falta que faz ao jovem adulto não ter tido a oportunidade na infância de ouvir as boas histórias que falam do que é característica do humano. Os contos de fada, por exemplo, apresentam o bem e o mal, fazendo com que a criança simpatize com o bem, que sempre vence. A vitória do bem não é uma negação da realidade, e a criança percebe isso. Sua postura diante da vida, a partir desse alicerce de histórias, lhe dá mais esperança. As histórias oferecerem esse alimento: palavras humanizantes em um mundo cada vez mais tecnológico.
Há quatro tipos de imaginação: a moral, alimentada pelos contos, a idílica, a idólatra e a diabólica. Sem a imaginação moral, trazida pelas histórias, as outras crescem desordenadamente, aponta o psiquiatra Cezar Gutfriend. “As histórias tem que fazer parte da vida das crianças. Isso reforça nossa proposta e dá mais energia e vontade de continuar esse trabalho: que mais crianças ouçam histórias”, completa Malú. Em uma palestra que faz uma vez por semana em escolas, Malú perguntou às crianças porque as histórias antigas ainda emocionam. O que tem de igual, apesar de tudo tem mudado na sociedade? Um aluno foi ao âmago da questão: é o mesmo coração, disse ele. “Quando você apresenta uma coisa bonita as crianças captam e aproveitam o máximo”, diz.
Nas Tarde do Conto, aos domingos, acontecem momentos muito especiais. O quintal da livraria se enche de crianças de idades variadas que normalmente estariam fazendo muito barulho e bagunça, mas não se ouve um som, ficam completamente mergulhadas na história. Por outro lado, quando é solicitada uma participação, correspondem com muita animação. Malú lembra que nas férias de julho foi muito bonita a participação de um casal de contadores de história. Uma tocou flauta transversal e outro manipulava um boneco ao som da música. As crianças, no quintal cheio, viam e ouviam, em silêncio reverente. “Que outra oportunidade teriam de admirar tanta beleza? São essas coisas que marcam suas vidas”, completa.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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