Vai para os conteúdos

Passos N.146, Março 2013

ANIVERSÁRIO - Dom Luigi Giussani

Um Pai que se ofereceu por mim

por Ubaldo Casotto

Oito anos depois da morte de Dom Giussani, o padre MAURO G. LEPORI, abade geral da Ordem Cisterciense, conta-nos os seus raros, mas decisivos encontros. A continuidade com o carisma do mosteiro, a relação entre obediência e liberdade. E aquela frase no dia da sua eleição… “Era preciso tempo para entender”

O encontro foi às 17h30min de 23 de janeiro no Centro Cultural de Milão, e o convidado foi o abade geral dos cistercienses para um encontro sobre “Cada início cresce ou consome-se? Diálogo sobre o nosso tempo na trilha de São Bento”. O padre Mauro Giuseppi Lepori chegou pontualíssimo, sentou-se e brincou: “Não sou um orador, depois o senhor tem que arrumar bem as minhas palavras”. Em vez disso, poderíamos ficar horas ouvindo-o falar. E não havia nada para arrumar.

Padre Mauro, como conheceu Dom Giussani?
Quando era estudante, no final da década de 1970. Ele vinha pregar os retiros dos universitários de CL na Suíça. Lembro-me de um em que se alternavam ele e Von Balthasar, e era impressionante ver a devoção recíproca, a maneira como cada um escutava o outro enquanto falava.

O primeiro encontro pessoal?
Em 1992, através de uma amiga comum. Eu já era monge e mestre de noviços, de regresso de um retiro na Hungria passei por Milão. Nasceu uma relação para mim totalmente gratuita, um dom desproporcional. Vivi também assim os encontros seguintes; eu não ousava pretender encontrá-lo e sempre os percebi como um dom da sua gratuidade.

Em 1994, foi eleito abade de Hauterive. Continuou a vê-lo?
Vivi naquele dia um dos momentos mais intensos da minha relação com ele. Passaram-me um telefonema dizendo-me que não se entendia bem. “Aqui é Dom Giussani...”, naquela altura começava a exprimir-se com dificuldade. Falou-me da caridade pela qual se escolhe um abade e depois disse-me: “Peço-lhe, ofereça-me”. Punha à disposição a sua vida por aquilo que eu iniciava. Vivi todo aquele dia com esta voz que me dizia: “Peço-lhe, ofereça-me”.

Voltou a vê-lo?
Os meus encontros com ele foram pouquíssimos, cinco. Eram raros e, para mim, eram importantíssimos. Procurava fazer um tesouro de cada palavra, porque Dom Giussani levava a relação com as pessoas a um ponto quase extremo de verdade, intensidade e caridade. Eu me sentia incapaz de colher aquilo que me comunicava, sentia toda a minha inutilidade em relação a esta graça. Agora, me dou conta de que era preciso tempo para entender, e aquelas sementes deixadas em mim dão fruto.

Cita Dom Eugenio Corecco como seu pai espiritual. Como era a relação entre os dois?
Um outro encontro fundamental para mim com Dom Giussani foi no leito de morte de Dom Corecco, a pessoa que tinha me acompanhado desde os anos da universidade. Fui testemunha deste último olhar entre aqueles dois homens que se encontravam no limite do mistério da vida. Dom Corecco estava quase em agonia e Giussani com uma caridade, um afeto e um reconhecimento incrível, abraçava-o e chorava. Vivi naqueles momentos toda a sua intensíssima humanidade.

A relação com Dom Giussani é, portanto posterior à sua vocação...
A minha vocação amadureceu no Movimento e, por isso, o carisma de Dom Giussani acompanhou-me desde o início, sobretudo no aprender a abraçar como carisma também a minha vocação de cisterciense. Agora, vivo a fundo o carisma do mosteiro porque vivi e aprendi em CL o sentido do carisma e da experiência cristã. A sintonia profunda que Giussani explicitava entre o carisma beneditino e o método do Movimento ajudou-me. Descobri no mosteiro gestos e dimensões aos quais tinha sido educado no Movimento: a comunidade, a oração, a educação, a autoridade, a obediência...

Portanto, não vive o suposto problema da dupla pertença?
Como abade geral, devo confrontar-me com os monges e monjas que, vindos de certo carisma, muitas vezes de movimentos, vivem mal este fato, de modo, precisamente, duplo, como se um carisma impedisse de viver o outro. Esta não foi a minha experiência. Eu, em CL, aprendi o respeito pelo carisma pelo qual Deus o chama, vivi uma continuidade, não uma dupla pertença. Se seguimos a Cristo, não pode haver duplicidade.

Giussani, falando de si mesmo,quando apresentou o padre Julián Carrón, disse: “Quando perdemos o apego à modalidade com a qual a verdade nos é comunicada (...) então a verdade da coisa começa a emergir claramente”. Então, fazendo suas as palavras de Jesus, brincou com os ouvintes incrédulos: “É bom para vós que eu me vá”. Não lhe parece excessivo?
Volto a ouvir aquela frase, “peço-lhe, ofereça-me”, e penso que aquele “é bom que eu me vá” é a expressão extrema da paternidade. O pai não só transmite a vida, mas a dá pelos seus filhos. Para que o pai não seja apenas uma recordação, mas continue a ser a minha vida, há este mistério pelo qual uma pessoa deve aceitar o dom da vida do pai até o fim. Jesus diz “é bom que me vá” porque ia oferecer-Se completamente para ficar conosco. Eu ainda não entendi aquele “peço-lhe, ofereça-me” até o fundo. Percebo que oferecê-lo quer dizer aceitar que morra por você. É um juízo sobre você. Uma pessoa sabe que continuará a não dar a vida, a não se oferecer, a não querer ir embora para que o outro cresça... E, no entanto, percebe que a verdade é uma outra. Pedro renegou, mas já era impossível não se deixar ferir pelo fato de que Cristo foi para a morte.

Dom Giussani falava da necessidade contínua de um “novo início”. Como é hoje a sua relação com ele e com a realidade que dele nasceu?
O coração do seu carisma é perceber que o encontro com Cristo é vão se não se torna seguimento educado, educação do humano. Mas o seguimento que não volta a partir continuamente do encontro é vazio. Dom Giussani chama a minha atenção para o sentido de Cristo presente sem o qual nada tem sentido – São Bento diria “não preferir nada a Cristo” – e ao fato que este reconhecimento comportar um percurso para o qual a Igreja lhe oferece um âmbito. Do contrário, tudo se resume a moralismo e formalismo.

Pode dizer numa palavra “a” doação de Dom Giussani à Igreja?
Repito, educação. Se o fato cristão não é educado por uma comunidade, uma fraternidade, uma companhia e continuamente chamado à fé, a reconhecer Cristo presente, tudo se torna não só frágil, de tal modo que não resiste aos ataques ou às tendências do tempo, mas vão. O carisma de Dom Giussani chama a Igreja a ser ela mesma, mãe e mestra que não só nos dá Cristo, mas que nos educa a segui-Lo num percurso para a plenitude da nossa humanidade.

Uma vez, disse: “Que de mim se possa dizer o que está no túmulo do Padre Kentenich, o fundador de Schoenstatt: Dilexit ecclesiam”...
Agora que me encontro numa posição mais exposta e mais vizinha à Igreja como hierarquia, dou-me conta de que o amor à Igreja de Dom Giussani é uma grande virtude. Porque não é imediato – quando uma pessoa tem de se confrontar com a pobreza humana, a mesquinhez e a traição do seu amor pelo homem – o respeito pela liberdade e o crescimento das pessoas, a misericórdia. Amar a Igreja apesar de tudo é um dom, é a santidade.

Apesar de tudo?
Apesar dos excessos dos homens de Igreja para com o poder. Amar a Igreja não quer dizer chamá-la a ser coerente, mas a ser humildemente abandonada ao desígnio de Cristo.

Dom Giussani, em pleno ‘68, teve a coragem de dizer que a obediência é ainda uma virtude e ao mesmo tempo confiar-se totalmente à liberdade de quem o seguia. Uma contradição?
Não, porque chamou a atenção da obediência como educação, como caminho para a sua plenitude e, por isso, como aquilo que exalta a sua liberdade, que lhe é dada para isto. Autoridade não é quem lhe diz o que você deve fazer, mas quem lhe ajuda num caminho. Quem concebe a obediência como o adaptar-se a uma forma não respeita a liberdade, trata as pessoas como crianças na praia que fazem construções com a areia, depois que tira a forma basta um sopro de vento para destruí-las. Sem educação, não é possível “dar forma”.


AS MISSAS NO MUNDO
No oitavo aniversário de morte de Dom Luigi Giussani (22 de fevereiro de 2005), o Cardeal Angelo Scola realizou uma missa solene na Catedral de Milão no dia 12 de fevereiro. Em Roma, a missa foi celebrada no dia 8 de fevereiro por Dom Massimo Camisasaca, Bispo de Reggio Emilia-Guastalla. Outras celebrações estão sendo realizadas ao redor do mundo.
Para informações sobre as datas, horário e locais das missas, acesse o site internacional de CL: www.clonline.org.


 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

Volta ao início da página