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Passos N.146, Março 2013

NETWORK SOCIAL - Vida digital

A fé nos tempos do Twitter

por Marco Bardazzi

Amizade. Seguir. Salvar. O que significam estas palavras no mundo da Web? O Padre Antonio Spadaro, diretor da Civiltà Cattolica, especialista nas novas mídias, explica-nos como a Web está mudando a nossa vida. E por que é que a rede não é virtual

“A pergunta a fazer quando falamos da rede é qual será o seu papel no projeto de Deus para a humanidade”. Uma conversa com o Padre Antonio Spadaro sobre como a nossa vida está mudando na era do Facebook, do Twittere do Google+, não corre o risco de cair na banalidade. O motivo torna-se evidente depois de cinco minutos de o ouvirmos falar: o que conta é fruto da verificação de uma longa experiência no mundo digital. Um trabalho de missionário paciente enviado para explorar as fronteiras da Web que, tal como os seus predecessores jesuítas das Reduções, bem cedo se deu conta de que os desejos e as expectativas do coração do homem são os mesmas ainda que mudem as latitudes. Ou os endereços na internet.
“A rede é um lugar de experiência, não de alienação”, explica: “É certo, pode vir a tornar-se um. Mas é aqui que está todo o desafio educativo, em superar o dualismo digital que, por um lado, quer a Web como lugar anônimo ou, por outro, em vez disso uma suposta vida ‘real’ onde sou verdadeiramente eu mesmo. É preciso recuperar a rede como lugar da experiência real, com a mesma ética, submetida às mesmas regras da vida comum”.
O dualismo vida real – vida digital foi superado pelo Padre Spadaro através dos fatos. Como diretor da Civiltà Cattolica, conduz uma revista austera e prestigiada que, desde 1850, é a voz oficial dos jesuítas no mundo. Mas as raízes “de papel” e tradicionais convivem sem trauma com o blog cyberteologia.it, com os seus estudos sobre o fenômeno Apple, as incursões com o respectivo avatar na Second Life, a intensa atividade no Twitter e as análises sobre as redes sociais.
Em tudo isto transparece a milenar inteligência da Igreja. Falamos de Web e vida digital num dia de sol frio, sentados numa esplanada em frente à Catedral de Milão. Na mesa à nossa frente temos o título escolhido por Bento XVI para a Jornada Mundial das Comunicações Sociais de 2013: Redes sociais: portas de verdade e de fé; novos espaços de evangelização. Um encontro que o Papa, desta vez preparou falando ao mundo também através do seu perfil no Twitter, @Pontifex, que gerou discussão em todos os jornais do planeta, mesmo antes de ter aparecido o primeiro “tweet” papal, no mês de dezembro passado. E, contudo, não é um corte, mas continuidade, entre as esplêndidas agulhas da Catedral e os movimentos “sociais” do Santo Padre. Ambos são um testemunho da capacidade da Igreja de estar no mundo e falar a linguagem dele com os instrumentos da época.

CONTRA O ESQUECIMENTO. A palavra-chave, na mensagem do Papa, é “espaços”. “Bento XVI ao falar das networks sociais não as define como ‘meios de evangelização’, mas usa um conceito de ambiente”, explica Spadaro: “O espaço não é uma caixa vazia, não é um recipiente onde se metem as coisas velhas. A rede já não é considerada como um arquivo de materiais, mas como um lugar, onde a mensagem já não é transmitida, mas partilhada. A lógica do sharing substitui de forma radical a do broadcasting. É um passo fundamental: a Igreja e o Magistério aproveitaram muito esta dimensão da web como rede social. Tal como o Papa já disse nas suas duas últimas mensagens, a rede não é um instrumento para usar e, por conseguinte, nem sequer um instrumento de evangelização. Porque simplesmente não se pode considerar um instrumento, mas um tecido conectivo, um ambiente”.
E aqui o desafio torna-se interessante, porque o risco muitas vezes lamentado nestes anos é de que, na internet, percam valor palavras como “amizade” ou “seguir”, que são, não por acaso, os termos que caracterizam a vida de quem usa respectivamente o Facebook e o Twitter. “Diante da network social, a Igreja, que é chamada a estar onde está o homem, não tem a tarefa de julgar um fenômeno em geral, mas de acompanhar uma humanidade que indubitavelmente vai naquela direção. Deve preservar o significado dos termos que têm um valor antropológica muito forte, e perceber como se declinam positivamente no ambiente digital. Por conseguinte, não se trata de dizer que este âmbito é falso no que se refere ao real, mas de preservar também o contexto digital de valor antropológico das palavras”.
“Tomemos o termo ‘salvar’”, insiste o director da Civiltà Cattolica, tomando uma palavra que todos nós usamos cada vez mais não no sentido teológico, mas para indicar o gesto de pôr em segurança um arquivo em que estamos trabalhando. “Significa ‘preservar do esquecimento’. É claro que o conceito cristão parece paradoxalmente o contrário: no momento em que você é salvo, o seu pecado foi perdoado. Por conseguinte, esquecido. Na verdade, não é assim, porque na visão cristã o perdão não é o esquecimento, não é apagar, é a reconstituição das relações fundamentais”.
A rede como experiência implica, por conseguinte, uma educação necessária. O Padre Spadaro recebe de boa vontade o convite para aprofundar palavras queridas ao ensino de Dom Giussani e leva-nos mais longe, com o olhar voltado para a praça diante da Catedral, que fervilha com a vida de todos os dias. “A experiência é uma abertura de campo e de olhar. Sendo assim, também na rede não é preciso pensar em nos movermos explorando um instrumento de evangelização, mas viver evangelicamente. A lógica fundamental é a do testemunho, de outro modo acabaremos na ideologia dos perfis Facebook com pequenos ícones bobos e frases do Evangelho. Em vez disso, também o Facebook pode ser um ambiente onde podemos viver a fé testemunhando uma experiência comum, na qual a mensagem evangélica transparece de modo simples no que você faz. As relações nas redes sociais podem ser mais ou menos falsas, como em qualquer outro lugar, tudo depende de como as vivemos. Com o Facebook, por exemplo, eu me mantenho em contato com ex-alunos, com pessoas a quem batizei os filhos ou celebrei os casamentos, com amigos dos Estados Unidos da América e continuo a partilhar momentos das suas vidas”.

EDUCAR PARA OLHAR. Alargando o campo do círculo de amigos para um cenário mais amplo, esta capacidade crescente que temos para partilhar o que fazemos está nos modificando inegavelmente em muitas frentes. Por exemplo, na política e naquela que, com ou sem razão, se nos apresenta como uma versão 2.0 hoje em voga: a anti-política. “Potencializando a capacidade de participação das pessoas, a rede leva a viver também a coisa pública de modo mais participativo”, continua Spadaro: “O fenômeno da chamada anti-política, na verdade, é a expressão de uma necessidade de participar mais na política. Torna-se ‘anti’ quando esta última não consegue dotar-se dos instrumentos que respondem a esta exigência. É desejo de viver a política de modo diferente. Se criamos uma dinâmica que permite filtrar as exigências e escutá-las, nessa altura, o potencial de dar voz às pessoas é enorme e pode voltar a pôr no centro o bem comum, em vez dos interesses particulares”.
E aqui voltamos à exigência que Spadaro define como “educação para olhar e capacidade de selecionar os conteúdos”, que permite ter os critérios para discernir a credibilidade e a autoridade no meio do ruído de fundo que torna perversa a rede. Como desenvolver estes dotes? “Tudo nasce de uma relação. Tal como sempre na vida. Uma coisa é seguir passivamente, outra é criar relações que nos permitem desenvolver os critérios de juízo. Mas os instrumentos para perceber se uma pessoa ou uma fonte é confiável estão ligados a uma relação. É como se perguntássemos: como fazemos para verificar se uma amizade é confiável? Nós a vivemos e percebemos no tempo.”
A paixão do Padre Spadaro pelas inovações que assinalam esta fase histórica da grande aventura humana, não deve ser diferente daquela que surgiu quando, séculos atrás, na Igreja, alguém fez a pergunta sobre o uso que se poderia dar à impressão com caracteres móveis depois de ter visto a Bíblia de Gutenberg. Totalmente o oposto do estereótipo que quer a Igreja anêmica e hostil aos passos adiante do progresso científico. “A tecnologia é uma expressão da espiritualidade do homem. Há um aspecto desta questão que a Igreja tem absorvido plenamente, refletindo sobre acontecimentos tais como a explosão da primeira bomba atômica: o homem pode destruir-se, mas precisamente a sua capacidade de mal faz-nos perceber que a tecnologia é um lugar espiritual. Se não fosse possível o mal, não seria espiritual.”
O teorema vale também para a internet. E deveria estar presente na mente, sempre que se tenta, por exemplo, atribuir ao Facebook ou ao YouTube alguma “culpa” devido à descoberta de traições ou crimes amadurecidos na rede. A possibilidade do mal faz destes âmbitos “sociais” lugares espirituais. Por conseguinte, muito humanos.


O “CYBERTEÓLOGO”
O Padre Antonio Spadaro, de 46 anos, jesuíta, é o diretor da revista Civiltà Cattolica. É consultor do Pontifício Conselho para a Cultura e da Comunicação Social. É blogger e autor de reconhecimento internacional, especializado em temas tecnológicos e na análise dos fenômenos do mundo digital. O seu blog Cyberteologia.it é dedicado ao aprofundamento da “inteligência da fé nos tempos da rede”. No mês de dezembro passado, por ocasião do início do perfil oficial do Twitter de Bento XVI, fez um ebook dedicado ao network social, Twitter Theology.


 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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