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Passos N.147, Abril 2013

DESTAQUE - Papa Francisco

A maravilha de um início

“As pessoas ficam impressionadas com o aparecimento de um homem que ama Jesus Cristo.” É o que está acontecendo. Antes de todas as hipóteses sobre o rosto que a Igreja assumirá com o novo Pontífice. Palavras e gestos, sobretudo, serão observados. Porque eles é que nos mostram o cristianismo tal como é: um acontecimento irredutível. Retomaremos aqui os primeiros dias de JORGE MARIO BERGOGLIO como Papa

Antes de tudo, o que acontece. As palavras e os gestos valem mais do que mil hipóteses sobre o rosto que Igreja assumirá ou que deveria assumir. E que mostram o cristianismo tal como é: um acontecimento surpreendente. Irredutível às nossas interpretações.
Desde a sua eleição, o Papa Francisco já nos mostrou muitos fatos. Gestos, como a inclinação para receber “a vossa oração por mim”, tão logo apareceu na varanda das Bênçãos, ou a visita “como peregrino” à basílica de Santa Maria Maior, trazendo nas mãos um maço de flores para Nossa Senhora, ou os passeios fora dos muros vaticanos, a saudação aos fiéis um por um, ao final da missa em Sant’Ana, o telefonema para os fiéis da “sua” Buenos Aires reunidos na Plaza de Mayo, a renúncia, tão logo foi possível, ao trono e ao anel do pescador.
As palavras são importantes. A começar pelas primeiras, nas quais falou de si simplesmente como “Bispo de Roma”, Igreja que “preside na caridade todas as Igrejas”. Nem todos perceberam, mas nessa citação de Inácio de Antioquia estava o germe de uma novidade que se refere ao ministério mesmo de Pedro. Não foi por acaso que, na missa de entronização, estava presente também Bartolomeu, patriarca de Constantinopla. Isso não acontecia desde o cisma de 1054. Como foi inusual, e de grande valor para a unidade dos cristãos, a oração sobre a tumba de Pedro junto com os Patriarcas das Igrejas orientais, logo antes da própria missa. Ou o Evangelho proclamado em grego.
São muito mais do que meras “quebras do protocolo”, ditadas por seu temperamento. Têm a ver com a sua ideia do Papado. E só descobriremos o seu valor nos próximos meses, ou anos. Como demandará tempo para percebermos qual o alcance que de fato alcançarão muitas outras coisas impressionantes do Papa Bergoglio: a simplicidade absoluta; o uso contínuo de palavras como “custódia” e “ternura”; ou a insistência sobre “Igreja pobre e para os pobres” e sobre um poder que consiste totalmente em servir.
Em muitos casos já se vê a tentativa de aparar certos contragolpes, de trazer tudo para categorias familiares a nós (o sentimento, como “Papa bom”, ou a política, como “Papa revolucionário”), tomando como óbvio o modo como o Pontífice está reconduzindo tudo, sempre, para a origem: Cristo.
Fica evidente que o centro é esse mesmo, que os primeiros gestos de Francisco ecoam os últimos de Bento XVI, com aquelas palavras ditas do mesmo modo por ambos: “A Igreja é de Cristo, não do Papa”.
Entre os fatos mais importantes acontecidos nestes primeiros dias de Pontificado está, sem dúvida, o encontro de Castel Gandolfo entre os “dois irmãos”, como disse o próprio Bergoglio: o abraço entre ele e Ratzinger diante do helicóptero, a comoção com o presente do ícone, a cena inesquecível dos dois homens de branco ajoelhados um ao lado do outro diante da Virgem Maria. Um fato histórico, jamais acontecido antes. Mas um fato que vai muito além de um inédito “rito de passagem”. Havia – e era visível – uma amizade verdadeira entre aqueles homens. Algo de radical, que ultrapassa hábitos e papéis e também o traço comum da humildade, tão evidente em ambos. Há a unidade total que nasce da fé, do reconhecimento de que tudo provém de Cristo, e que com Ele “o coração não envelhece nunca”, como disse o Papa na homilia do Domingo de Ramos.
O modo como o Papa está nos mostrando isso, desobstruindo tudo para remeter a Cristo, será um dos traços marcantes dos próximos anos. Vamos aprendendo a conhecê-lo. Haverá tempo. Mas o modo será sempre o mesmo: observar o que acontece, palavras e gestos, como começamos a fazer nestas páginas.


Vejo que estas três Leituras têm algo em comum: é o movimento. Na primeira Leitura, o movimento no caminho; na segunda Leitura, o movimento na edificação da Igreja; na terceira, no Evangelho, o movimento na confissão. Caminhar, edificar, confessar.
Caminhar. “Vinde, Casa de Jacó! Caminhemos à luz do Senhor” (Is 2, 5). Trata-se da primeira coisa que Deus disse a Abraão: caminha na minha presença e sê irrepreensível. Caminhar: a nossa vida é um caminho e, quando nos detemos, está errado. Caminhar sempre, na presença do Senhor, à luz do Senhor, procurando viver com aquela irrepreensibilidade que Deus pedia a Abraão, na sua promessa.
Edificar. Edificar a Igreja. Fala-se de pedras: as pedras têm consistência; mas pedras vivas, pedras ungidas pelo Espírito Santo. Edificar a Igreja, a Esposa de Cristo, sobre aquela pedra angular que é o próprio Senhor. Aqui temos outro movimento da nossa vida: edificar.
Terceiro, confessar. Podemos caminhar o que quisermos, podemos edificar um monte de coisas, mas se não confessarmos Jesus Cristo, está errado. Tornar-nos-emos uma ONG sócio-caritativa, mas não a Igreja, Esposa do Senhor. Quando não se caminha, ficamos parados. Quando não se edifica sobre as pedras, que acontece? Acontece o mesmo que às crianças na praia quando fazem castelos de areia: tudo se desmorona, não tem consistência. Quando não se confessa Jesus Cristo, faz-me pensar nesta frase de Léon Bloy: “Quem não reza ao Senhor, reza ao diabo”. Quando não confessa Jesus Cristo, confessa o mundanismo do diabo, o mundanismo do demônio.
Caminhar, edificar-construir, confessar. Mas a realidade não é tão fácil, porque às vezes, quando se caminha, constrói ou confessa, sentem-se abalos, há movimentos que não são os movimentos próprios do caminho, mas movimentos que nos puxam para trás.
Este Evangelho continua com uma situação especial. O próprio Pedro que confessou Jesus Cristo com estas palavras: Tu és Cristo, o Filho de Deus vivo, diz-lhe: Eu sigo-Te, mas de Cruz não se fala. Isso não vem a propósito. Sigo-Te com outras possibilidades, sem a Cruz. Quando caminhamos sem a Cruz, edificamos sem a Cruz ou confessamos um Cristo sem Cruz, não somos discípulos do Senhor: somos mundanos, somos bispos, padres, cardeais, papas, mas não discípulos do Senhor.
Eu queria que, depois destes dias de graça, todos nós tivéssemos a coragem, sim a coragem, de caminhar na presença do Senhor, com a Cruz do Senhor; de edificar a Igreja sobre o sangue do Senhor, que é derramado na Cruz; e de confessar como nossa única glória Cristo Crucificado. E assim a Igreja vai para diante.
Faço votos de que, pela intercessão de Maria, nossa Mãe, o Espírito Santo conceda a todos nós esta graça: caminhar, edificar, confessar Jesus Cristo Crucificado. Assim seja.
(Homilia na missa com os Cardeais,
Capela Sistina, 14 de março)





Amados Irmãos Cardeais, este nosso encontro quer ser uma espécie de prolongamento da intensa comunhão eclesial vivida neste período. Animados por um profundo sentido de responsabilidade e sustentados por um grande amor a Cristo e à Igreja, rezamos juntos, partilhando fraternamente os nossos sentimentos, as nossas experiências e reflexões. (...) Alguém me dizia: os Cardeais são os padres do Santo Padre. Aquela comunhão, aquela amizade, aquela proximidade nos fará bem a todos. E este conhecimento e esta abertura mútua nos facilitaram a docilidade à ação do Espírito Santo. Ele, o Paráclito, é o protagonista supremo de cada iniciativa e manifestação de fé. Isto é um fato curioso que me faz pensar! O Paráclito cria todas as diferenças nas Igrejas, parecendo um apóstolo de Babel. Mas, por outro lado, é Ele que cria a unidade destas diferenças, não na “igualação”, mas na harmonia. Lembro-me de um Padre da Igreja que O definia assim: “Ipse harmonia est”. É o Paráclito quem dá a cada um de nós os diversos carismas, e nos une nesta comunidade da Igreja que adora ao Pai, ao Filho e a Ele, ao Espírito Santo. (...)
Estimulados também pela celebração do Ano da Fé, todos juntos, Pastores e fiéis, nos esforçaremos por responder fielmente à missão de sempre: levar Jesus Cristo ao homem e conduzir o homem para que se encontre com Jesus Cristo, Caminho, Verdade e Vida, realmente presente na Igreja e contemporâneo em cada homem. Este encontro leva a nos tornarmos homens novos no mistério da graça, suscitando na alma aquela alegria cristã que constitui o cêntuplo dado por Cristo a quem que O recebe na própria vida.
Como o Papa Bento XVI nos lembrou tantas vezes nos seus ensinamentos e, por fim, com o seu gesto corajoso e humilde, é Cristo que guia a Igreja através do seu Espírito. O Espírito Santo é a alma da Igreja, com a sua força vivificadora e unificante: faz de muitos um só corpo, o Corpo místico de Cristo. Não cedamos jamais ao pessimismo, a esta amargura que o diabo nos oferece cada dia; não cedamos ao pessimismo e ao desânimo: tenhamos a firme certeza de que o Espírito Santo dá à Igreja, com o seu sopro poderoso, a coragem de perseverar e também de procurar novos métodos de evangelização, para levar o Evangelho até aos últimos confins da terra (cf. At 1,8). A verdade cristã é fascinante e persuasiva, porque responde a uma necessidade profunda da existência humana, anunciando de modo convincente que Cristo é o único Salvador do homem todo e de todos os homens. Este anúncio permanece válido hoje como o foi nos primórdios do cristianismo, quando se realizou a primeira grande expansão missionária do Evangelho.
Amados Irmãos, coragem! A metade de nós está em idade avançada: a velhice é – gosto de apresentá-la assim – a sede da sabedoria da vida. Os idosos possuem a sabedoria de ter caminhado na vida, como o velho Simeão, como a idosa Ana no Templo. E justamente aquela sabedoria fez com que eles reconhecessem Jesus. Demos esta sabedoria aos jovens: como o vinho bom, que com os anos torna-se melhor, demos aos jovens a sabedoria da vida. Recordo aquilo que um poeta alemão dizia da velhice: “Es ist ruhig das Alter und fromm”, ou seja, é o tempo da tranquilidade e da oração; e é também o tempo de dar aos jovens esta sabedoria. Agora retornareis às vossas sedes, para continuardes o vosso ministério, enriquecidos pela experiência destes dias, tão cheios de fé e comunhão eclesial. Esta experiência única e incomparável permitiu-nos identificar profundamente toda a beleza da realidade eclesial, que é um reflexo do fulgor de Cristo Ressuscitado: um dia contemplaremos aquela face belíssima de Cristo Ressuscitado!
(Audiência com todos os Cardeais
Sala Clementina, 15 de março)



 
 

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