Dos vales de Trento, na Itália, aos confins do mundo, passando pela amizade com Dom Giussani e o chamado a não “viver senão o cristianismo na sua simplicidade”. Padre PAOLO SOTTOPIETRA, conta-nos o que significa suceder ao fundador, Massimo Camisasca, e tornar-se um irmão entre irmãos, que pede obediência, mas sabe ser uma companhia. “É Cristo que faz. Quero responder com todo o meu ser ao seu chamado”
Nasceu há 45 anos em Stenico, um município de mil habitantes na província de Trento, Norte da Itália. Mas hoje o seu horizonte é o mundo. O mundo entendido como terra de missão e da nova evangelização. O padre Paolo Sottopietra foi eleito no último dia 1º de fevereiro Superior geral dos Missionários de São Carlos Borromeu. Sucede a Dom Massimo Camisasca, hoje Bispo de Reggio Emilia e Guastalla. Será ele a tomar conta da formação dos seminaristas e das casas que a Fraternidade abriu na Itália e no mundo. Dos bairros romanos à Sibéria, das periferias de Madrid a Taiwan, do Paraguai às universidades dos Estados Unidos. Ocupam-se de paróquias, obras de caridade, dão cursos de teologia. Qual o carisma dele? O de Dom Giussani. Dele falou Bento XVI quando os recebeu em audiência privada no dia 6 de fevereiro: “Conheci a sua fé, a sua alegria, a sua força e a riqueza das suas ideias, a criatividade da fé”. Encontramos padre Paolo em Taipé, durante uma das suas primeiras visitas como Superior geral.
Padre Paolo, que sentimentos enchem o seu coração?
Antes de tudo, surpresa. Ainda que estivesse preparado, em muitos aspectos, para aquilo que está a acontecer, para mim continua a não ser uma coisa óbvia e interpela-me profundamente. Estou vivendo isto como um chamado de Deus. Depois, uma grande letícia. Durante meses, nestes últimos tempos, tentamos olhar para aquilo que Deus estava fazendo, para entender o que queria nos mostrar. Agora que confirmou a sua vontade, quero responder com todo o meu eu.
Mas nunca pensa: por que logo eu?
É visível que quer servir-se de mim. Quem guia é chamado a dar uma direção ao caminho de toda a comunidade. Eu quero fazê-lo, usando o que sou, os dons que me foram dados. Isto me faz sentir antes de tudo, muito amado. É daí que vêm a letícia e o maravilhamento. E mais profundamente, sinto que esta é a estrada na qual Cristo me convida a segui-Lo, para me converter. As duas coisas coincidem: Deus chama cada um a uma tarefa para salvá-lo, isto é, para realizá-lo através daquilo que lhe confia.
É claro para o senhor o seu lugar no mundo?
Vivemos como uma surpresa e com uma interrogação sobre como Deus estava agindo o fato de Dom Massimo ter sido nomeado Bispo. Agora que as novas decisões foram tomadas, sinto a companhia dos meus irmãos. Começo com a consciência muito forte de que sou um deles, que certamente como superior pede obediência, mas que antes de tudo quer viver com eles aquilo que pede a todos. E senti entre nós nestas semanas explicitamente muita estima, muita amizade e também muita liberdade de dizer o que se pensa. Tudo isto me confortou.
Bento XVI anunciou ao mundo a sua decisão de se retirar poucos dias depois da audiência que concedeu a vocês no final da Assembleia que o elegeu. O ocorrido com a Fraternidade e com o Papa, tocaram-se de alguma forma.
O encontro com o Papa foi um momento muito especial, totalmente imprevisível. Chagamos a audiência geral de manhã, na Sala Nervi. No final acompanharam-nos até uma salinha que tinham preparado no primeiro andar, com 20 cadeiras: 18 para nós, mais outras duas cadeiras, uma para o Padre Julián Carrón, uma para o Camisasca, todas diante do Papa. Enquanto o esperávamos, disseram-me: “Vai chegar muito cansado, temos que ser muito breves”. Assim, porém, percebi que tinha a oportunidade de cumprimentá-lo. Procurei dizer-lhe a gratidão que tinha dentro. O Papa exprimia uma grande alegria com todo o seu ser, sobretudo com os seus olhos, muito luminosos. As palavras que nos dirigiu permanecerão como um dom para todo o movimento. Sobretudo as coisas que disse sobre Dom Giussani, recordando a criatividade da sua fé e a força das suas ideias, e depois as frases que dedicou ao trabalho de formação dos sacerdotes desenvolvido por Dom Massimo, como exemplo de cuidado pelas vocações.
E o seu encontro pessoal?
Disse-me: “Tem uma grande responsabilidade. O Senhor o ajudará”. Eu respondi-lhe que desejava aprender com ele a letícia com a qual levava o peso da Igreja. Pensei muito neste breve diálogo, depois do anúncio da sua retirada. E confirmo o que lhe disse. O seu gesto exprime uma liberdade na qual também eu quero crescer, a liberdade de quem obedece ao Espírito. Também me perguntou se ainda tinha contatos com a Universidade de Eichstätt, onde estudei o seu pensamento teológico, depois do seminário. Uma atenção que me fascinou.
Porque é um estudioso do pensamento de Ratzinger.
Foi uma boa sugestão que recebi de Javier Prades. Depois da graduação procurava um autor que me comunicasse uma visão sintética da teologia. Parti para um doutoramento na recém-nascida Universidade Católica de Eichstätt, na Baviera, cujo reitor era o professor Nikolaus Lobkowicz. O trabalho da tese permitiu-me estudar aprofundadamente a obra do então Prefeito da Fé. Já nos últimos anos em que Ratzinger era Cardeal, pude participar nos encontros dos seus ex-alunos. Nos últimos anos, o Papa convidou-nos todos os verões para Castelgandolfo para três dias de trabalho.
A delicadeza da pessoa, portanto, mas também a força do pensamento.
Naqueles anos Ratzinger ensinou-me a pensar. Um método rigoroso e livre de fazer teologia, nunca abstrato. Lendo os seus artigos, dei-me conta de que para Ratzinger nenhuma pergunta era inútil, nem sequer as que eram mal colocadas, cheias de raiva ou ideológicas. Com ele aprendi a ouvir. Em todas as posições existe um vestígio de verdade. Outra coisa: para ele o primeiro passo para encontrar uma solução é olhar para a história da Igreja. Em Ratzinger, a ligação à tradição é a força da inovação. O seu pensamento está totalmente distante de um pensamento dedutivo, “dogmático”, é um pensamento profundamente ligado à vida da Igreja.
Para além do voto colegial, Camisasca foi o homem decisivo para a sua eleição.
Dom Massimo foi a pessoa com quem compartilhei tudo. Já nos anos do seminário me envolveu, juntamente com outros, num constante trabalho de juízo sobre a Fraternidade. Esta é uma característica sua: sabe arriscar nos companheiros de viagem muito mais novos do que ele. Nestes anos cuidou de cada um de nós pessoalmente. Ofereceu-nos uma amizade, corrigiu-nos e guiou-nos. Entre nós não há nenhum que o conheça de longe. Mas através da sua amizade ligou-nos à objetividade de uma reflexão, ao ensinamento com que descreveu o nosso rosto, o ideal ao qual queremos aderir para sempre. Em terceiro lugar enviou-nos para vinte países do mundo, lançando-nos numa obra de evangelização extraordinária, ao serviço da missão da Igreja. Em todos estes aspectos foi para nós um verdadeiro pai.
E sobre Dom Giussani o que pode nos dizer?
A Fraternidade de São Carlos não existiria sem ele. Dom Massimo é seu filho, o carisma da nossa Fraternidade é o seu. Nele reconhecemos a nossa origem e queremos continuar a alimentar-nos do seu pensamento. Dom Massimo diz sempre: “Eu vivi com vocês o que Dom Giussani viveu comigo”. Deste modo fez um trabalho importante: mostrar concretamente que aquele carisma é adequado também para formação de jovens para o sacerdócio. Tive a sorte de conhecer Dom Giussani durante os anos em que estudei na Universidade Católica de Milão. Naquele encontro, tinha 19 anos, descobri que as palavras da tradição que me tinham sido confiadas pela minha família estavam vivas. Eram verdadeiras. Quando o ouvia falar e, sobretudo, responder às nossas perguntas tinha sempre a impressão de estar diante de um Dom Bosco, de um São Felipe Néri. Pensava: estou fazendo a mesma experiência dos jovens que ouviam aqueles santos. Havia alguma coisa nele que me punha diretamente em contato com a grande tradição da Igreja, de modo implícito e muito natural. Isso me entusiasmou. Em anos mais recentes, participei com ele no Conselho de Presidência de CL, vi a sua capacidade de juízo sobre a vida do movimento, observei como encarava os problemas das pessoas. Acompanhou toda a minha formação.
Quando penso na minha pequena experiência pessoal, a São Carlos foi importante pela proximidade, pela atenção de muitos padres aos meus filhos, à minha família, a mim mesmo. Pessoas que me fizeram companhia, indicando-me o Senhor. É caso para se dizer: está tudo aqui?
Nós somos chamados a viver com as pessoas que nos são confiadas aquilo que procuramos humildemente viver nas nossas casas. Não queremos viver senão o cristianismo na sua simplicidade: uma comunhão fundada sobre o desejo de seguir Cristo. E é isto que propomos às pessoas. Enquanto respondo as estas perguntas estou em Taipé. Aqui temos uma paróquia muito pequena, uma comunidade de cerca de oitenta pessoas. Nestes dias respirei um clima de família. Este pátio entre os prédios é um lugar onde as pessoas se encontram para chorar e para rir, para festejar os momentos felizes da própria vida, para serem educadas. E aqui encontram padres de quem podem ser amigas. Relações familiares, cuidado de cada uma das pessoas: penso que isto é o futuro da missão da Igreja. Lugares em que as pessoas podem experimentar um afeto que se torna veículo de fé, de juízo sobre a sua vida, e chegar à certeza de que a vida é salva.
Do ponto de vista da história sociológica da Igreja, podemos dizer que através de muitos dos vossos padres, a velha alternativa entre movimentos e paróquias caiu de forma natural.
A atenção à pessoa, na qual fomos educados, faz cair muitos esquemas. Para nós a paróquia é sempre uma ajuda. Por quê? Porque um princípio de enraizamento territorial é essencial para o homem, mesmo para o homem de hoje, tão só e tão emaranhado em ambientes virtuais, onde as relações são muitas vezes igualmente virtuais, ilusórias. É importante que existam lugares reais no próprio bairro, aonde uma família possa chegar a pé ou através de meios de transportes públicos.
O que nos diz do ramo feminino da Fraternidade? Em Roma começamos a nos familiarizar com a presença delas.
As irmãs são dezoito. São muito alegres e estão amadurecendo depressa. Acabaram de abrir uma casa em Nairóbi e começaram a acompanhar Dom Massimo em Reggio Emilia. Para nós são um apelo permanente àquilo que o Papa Bento XVI indicou no seu último Angelus: o primado da oração que salva a nossa paixão pelo homem da doença do ativismo. Sinto a sua presença como um grande dom para a Fraternidade e estou convencido de que o caminho comum que nos espera ainda nos ensinará muitas coisas, irá nos mostrar com maior profundidade o rosto que Deus pensou para nós.
NO MUNDO
A Fraternidade dos Missionários de São Carlos Borromeu foi fundada pelo padre Massimo Camisasca em 1985 e em 1999 recebeu o reconhecimento pontifício. Hoje, fazem parte dela 118 sacerdotes e 40 seminaristas. Os membros vivem em casas formadas por três ou mais sacerdotes. Estão presentes na Itália, Espanha, Portugal, Áustria, Grã-Bretanha, Alemanha, Hungria, República Checa, Rússia, Taiwan, Quênia, Estados Unidos, Paraguai, Chile, Brasil, México. Em 2007 nasceram também as Missionárias de São Carlos Borromeu, o ramo feminino, do qual o padre Paolo Sottopietra é Superior geral desde a fundação.
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón