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Passos N.149, Junho 2013

PAPA FRANCISCO - Ano da Fé

Não podemos ficar tranquilos: ide para fora, saí!

As palavras do Papa no encontro com os movimentos eclesiais (18-19 de maio de 2013)

É uma alegria para mim vos encontrar! Juntamo-nos, todos nós, nesta Praça [de São Pedro] para rezar, estar unidos e esperar o dom do Espírito Santo. Eu já conhecia as vossas perguntas e pensei nelas; não se trata, portanto, de uma improvisação! A verdade, acima de tudo! Tenho-as aqui, escritas.

A primeira – “na sua vida, como pôde alcançar a certeza a respeito da fé; e que estrada nos indica para podermos, cada um de nós, vencer a fragilidade da fé?” – é uma pergunta de história, pois se refere à minha história, à história da minha vida.

Tive a graça de crescer numa família onde se vivia a fé de forma simples e concreta; mas foi sobretudo a minha avó, mãe do meu pai, que marcou o meu caminho de fé. Era uma mulher que nos explicava, falava de Jesus, ensinava o Catecismo. Lembro-me sempre que, na Sexta-Feira Santa, ela nos levava à noite à procissão de velas; no final desta procissão, passava o “Cristo jacente”, e a avó fazia-nos – a nós crianças – ajoelhar e dizia-nos: “Olhai! Morreu, mas amanhã ressuscita”. Recebi o primeiro anúncio cristão precisamente desta mulher, da minha avó! Tudo isto é muito belo! O primeiro anúncio em casa, com a família! Isto me faz pensar no carinho que põem tantas mães e tantas avós na transmissão da fé. São elas que transmitem a fé. O mesmo acontecia nos primeiros tempos, porque São Paulo diz a Timóteo: “Recordo a fé da tua mãe e da tua avó” (cf. 2 Tm 1, 5). Oh vós todas, mães e avós que estais aqui, pensai nisto! A transmissão da fé… É que Deus coloca ao nosso lado pessoas que nos ajudam no nosso caminho de fé. Não encontramos a fé no indefinido, não! Mas há sempre uma pessoa que proclama, que nos diz quem é Jesus, nos transmite a fé, nos dá o primeiro anúncio. E assim foi a primeira experiência de fé que tive.

Para mim, porém, há um dia muito importante: 21 de setembro de 1953 (tinha quase 17 anos); celebrava-se o “Dia do Estudante”, sendo, para nós [na Argentina], o início da Primavera, ao passo que, para vós [na Itália], é o início do Outono. Antes de ir para a festa, passei pela paróquia que habitualmente frequentava: encontrei um padre, que não conhecia, e senti necessidade de me confessar. Esta foi para mim uma experiência de encontro: achei que alguém me esperava. Eu não sei o que aconteceu, não me lembro; não sei sequer por que motivo estava lá aquele padre que eu não conhecia, não sei porque senti aquela vontade de me confessar, mas a verdade é que alguém estava à minha espera. Esperava-me há muito tempo. Depois da confissão, senti que algo tinha mudado; eu não era o mesmo. Tinha ouvido como que uma voz, um chamado: fiquei convencido de que devia tornar-me sacerdote. Na fé, é importante esta experiência. Dizemos que devemos procurar Deus, ir ter com Ele para pedir perdão… Mas, quando chegamos, Ele já está à nossa espera, Ele chega primeiro! Em espanhol, temos uma palavra que explica bem isto: “O Senhor sempre nos primerea“, é o primeiro, está à nossa espera! E esta é uma graça mesmo grande: encontrar alguém que te espera. Você vai pecador, e Ele está à sua espera para lhe perdoar. Esta é a experiência que os Profetas de Israel descreviam ao dizer que o Senhor é como a flor da amendoeira, a primeira flor da Primavera (cf. Jr 1, 11-12). Antes da chegada das outras flores, aparece ela: é ela que espera. O Senhor espera por nós. E, quando O procuramos, deparamos com esta realidade: é Ele que está à nossa espera, para nos acolher, para nos dar o seu amor. E isto infunde no teu coração uma maravilha tal que nem acreditas, e assim vai crescendo a fé… no encontro com uma pessoa, no encontro com o Senhor. Alguém poderá dizer: “Não, eu prefiro estudar a fé nos livros”. É importante estudá-la, mas olhai que isso não basta! O mais importante é o encontro com Jesus, o encontro com Ele; é isso que lhe dá a fé, porque é precisamente Ele quem a dá a você.

Na pergunta, também falaram da fragilidade da fé: Como se pode vencê-la? O maior inimigo que tem a fragilidade é o medo. Curioso, não é!? Mas eu digo-vos: Não tenhais medo! Somos frágeis – bem o sabemos –, mas o Senhor é forte! Se tu caminhas com Ele, não há problema. Uma criança – hoje vi tantas! – é fragilíssima, mas, estando com o pai, com a mãe, sente-se segura! Com o Senhor, estamos seguros. A fé cresce com o Senhor, precisamente a partir da mão do Senhor; isto nos faz crescer e nos torna fortes. Às vezes, porém, pensamos que podemos nos arranjar sozinhos; mas não! Pensemos no que aconteceu a Pedro: “Senhor, eu nunca te negarei” (cf. Mt 26, 33-35), mas, quando o galo cantou, já ele O tinha negado três vezes! (cf. vv. 69-75). Pensemos bem nisto: quando temos excessiva confiança em nós mesmos, somos mais frágeis; sim, mais frágeis. Sempre com o Senhor! E quando digo com o Senhor, pretendo dizer com a Eucaristia, com a Bíblia, com a oração..., mas também em família, também com a mãe, também com ela, porque é quem nos leva ao Senhor; é a mãe, é aquela que sabe tudo. Por conseguinte, rezar também a Nossa Senhora e pedir-lhe que, como mãe, me faça forte. Isto é o que penso sobre a fragilidade; pelo menos, é a minha experiência. Uma coisa que me faz forte todos os dias é rezar o Terço a Nossa Senhora. Sinto uma força tão grande, porque vou falar com ela e me sinto forte.

Passemos à segunda pergunta: “Penso que todos nós aqui presentes sentimos fortemente este desafio – o desfio da evangelização – que está no centro das nossas experiências. Por isso, gostaria de lhe pedir, Santo Padre, que me ajudasse, a mim e a todos nós, a compreender o modo como viver este desafio no nosso tempo. Em sua opinião, qual é a coisa mais importante para a qual todos nós – movimentos, associações e comunidades – devemos olhar para realizar esta tarefa a que somos chamados? Como podemos hoje comunicar, de maneira eficaz, a fé?”

Só vou dizer três palavras. A primeira: Jesus. Qual é a coisa mais importante? Jesus. Se pretendemos avançar com mais organização, com outras coisas – coisas certamente boas –, mas sem Jesus, não avançamos, não dá resultado. O mais importante é Jesus. Deixe-me fazer aqui uma pequena advertência a vocês, mas fraternalmente, aqui entre nós. Todos vocês gritaram na Praça: “Francisco, Francisco, Papa Francisco”. E Jesus, onde estava? Eu gostaria que vocês tivessem gritado: “Jesus, Jesus é o Senhor, e está verdadeiramente no meio de nós”. Daqui para diante, não digam “Francisco”, mas “Jesus”!

A segunda palavra é: oração. Olhar o rosto de Deus, mas sobretudo – e isto está ligado com o que disse antes – sentir-se olhado. O Senhor nos olha: é o primeiro que olha. A minha experiência é aquilo que sinto diante do Sacrário quando vou rezar, à noite, diante do Senhor. Às vezes cochilo um pouco, é verdade! O cansaço do dia faz adormecer. Mas Ele me compreende. E sinto grande consolação, ao pensar que Ele me olha. Nós pensamos que devemos orar, falar, falar, falar... Não! Deixe-se olhar pelo Senhor. Quando Ele olha para nós, nos dá força e nos ajuda a testemunhá-lo. A pergunta era sobre o testemunho da fé, não era? Pois bem; primeiro “Jesus”, depois “oração”: sentimos que Deus nos leva pela mão. Sublinho a importância disto: deixar-se guiar por Ele. Isto é mais importante do que qualquer um dos nossos cálculos. Somos verdadeiros evangelizadores, quando nos deixamos guiar por Ele. Pensemos neste caso de Pedro: talvez ele estivesse fazendo a sesta, quando teve uma visão – a visão da toalha com todos os animais – e ouviu Jesus que lhe dizia alguma coisa, mas ele não entendia. Naquele momento, chegaram alguns não-judeus chamando-o para ir a certa casa; ele foi e viu como o Espírito Santo estava lá. Pedro deixou-se guiar por Jesus para chegar àquela primeira evangelização dos gentios, que não eram judeus; uma coisa então impensável (cf. At 10, 9-48). E o mesmo se deu em toda a história… toda a história! Deixar-se guiar por Jesus. O líder é precisamente Ele; o nosso líder é Jesus.

E terceira: testemunho. Jesus, oração – a oração, este deixar-se guiar por Ele – e depois testemunho. Mas há mais alguma coisa que gostaria de dizer. Este deixar-se guiar por Jesus é abandonar-se às surpresas de Jesus. Pode-se pensar que devemos programar detalhadamente a evangelização, pensando nas estratégias, fazendo planos. Mas isto são instrumentos, pequenos instrumentos. O importante é Jesus e deixar-se guiar por Ele. Então podemos fazer as estratégias, mas isso é secundário.

Finalmente, o testemunho: a comunicação da fé pode-se fazer unicamente através do testemunho; e este é o amor. Não com as nossas ideias, mas com o Evangelho vivido na própria existência, que o Espírito Santo faz viver no nosso íntimo. É como uma sinergia entre nós e o Espírito Santo; e isto leva ao testemunho. Quem faz avançar a Igreja são os Santos, porque são precisamente eles que dão este testemunho. Como disseram João Paulo II e também Bento XVI, o mundo de hoje tem muita necessidade de testemunhas; precisa mais de testemunhas que de mestres. Devemos falar menos, mas falar com a vida toda: a coerência de vida. Precisamente, a coerência de vida! Uma coerência de vida que seja viver o cristianismo como um encontro com Jesus que me leva aos outros, e não como um fato social. Socialmente aparecemos assim: somos cristãos, cristãos fechados em nós mesmos. Isto não! O testemunho!

A terceira pergunta: “Deixe-me perguntar-lhe, Santo Padre: Como podemos, eu e todos nós, viver uma Igreja pobre e para os pobres? Como o doente é uma interpelação à nossa fé? Que contribuição nós todos, enquanto movimentos e associações laicais, podemos dar de forma concreta e eficaz à Igreja e à sociedade para enfrentar esta crise que toca a ética pública” – isto é importante! – “o modelo de desenvolvimento, a política, em suma, um novo modo de ser homens e mulheres?”.

Recomeço do testemunho... Antes de mais nada, viver o Evangelho é a principal contribuição que podemos dar. A Igreja não é um movimento político, nem uma estrutura bem organizada. Não é isso! Não somos uma ONG, e quando a Igreja se torna uma ONG perde o sal, não tem sabor, não passa de uma organização vazia. Neste ponto sejam espertos, porque o diabo nos engana; há o perigo do eficientismo. Uma coisa é pregar Jesus, outra é a eficácia, ser eficientes. Isto, não; aquele é outro valor. Fundamentalmente, o valor da Igreja é viver o Evangelho e dar testemunho da nossa fé. A Igreja é sal da terra, é luz do mundo; é chamada a tornar presente na sociedade o fermento do Reino de Deus; e o faz, antes de mais nada, por meio do seu testemunho: o testemunho do amor fraterno, da solidariedade, da partilha. Quando se ouve alguns dizerem que a solidariedade não é um valor, mas uma “atitude primitiva” que deve desaparecer... é errado! Está se pensando na eficácia apenas mundana. Quanto aos momentos de crise, como este que estamos vivendo – antes você tinha dito que “estamos num mundo de mentiras” –, este momento, fiquemos atentos, não é apenas de crise econômica; não é uma crise cultural. É uma crise do homem: o que está em crise é o homem! E o que pode ser destruído é o homem! Mas o homem é a imagem de Deus! Por isso, é uma crise profunda! Neste tempo de crise, não podemos nos preocupar só com nós mesmos, fecharmo-nos na solidão, no desânimo, numa sensação de impotência face aos problemas. Não se fechem, por favor! Isto é um perigo: fecharmo-nos na paróquia, com os amigos, no movimento, com aqueles que pensam as mesmas coisas que eu... Sabem o que acontece? Quando a Igreja se fecha, adoece, fica doente. Imaginem um quarto fechado durante um ano; quando entrar lá, cheira a mofo e há muitas coisas que não estão bem. Com uma Igreja fechada acontece o mesmo: é uma Igreja doente. A Igreja deve sair de si mesma. Para onde? Para as periferias existenciais, sejam elas quais forem…, mas sair. Jesus nos diz: “Ide pelo mundo inteiro! Ide! Pregai! Dai testemunho do Evangelho!” (cf. Mc 16, 15). Entretanto, o que acontece quando alguém sai de si mesmo? Pode acontecer aquilo a que estão sujeitos quantos saem de casa e vão pela estrada: um acidente. Mas eu lhes digo: Prefiro mil vezes uma Igreja acidentada, que tenha sofrido um acidente, que uma Igreja doente por fechamento! Ide para fora, saí! Pensem também nisto que diz o Apocalipse (é uma coisa linda!): Jesus está à porta e chama, chama para entrar no nosso coração (cf. Ap 3, 20). Este é o sentido do Apocalipse. Mas fazei a vós mesmos esta pergunta: Quantas vezes Jesus está dentro e bate à porta para sair, ir para fora, mas não O deixamos sair, por causa das nossas seguranças, por estarmos muitas vezes fechados em estruturas caducas, que servem apenas para nos tornar escravos, e não filhos de Deus que são livres? Nesta “saída”, é importante ir ao encontro de…; esta palavra, para mim, é muito importante: o encontro com os outros. Por quê? Porque a fé é um encontro com Jesus, e nós devemos fazer o mesmo que Jesus: encontrar os outros. Vivemos numa cultura do desencontro, uma cultura da fragmentação, uma cultura na qual o que não me serve jogo fora, a cultura das escórias. A propósito, convido-vos a pensar – e é parte da crise – nos idosos, que são a sabedoria de um povo, nas crianças... a cultura das escórias. Nós, pelo contrário, devemos ir ao encontro e devemos criar, com a nossa fé, uma “cultura do encontro”, uma cultura da amizade, uma cultura onde encontramos irmãos, onde podemos conversar mesmo com aqueles que pensam diversamente de nós, mesmo com quantos possuem outra crença, que não têm a mesma fé. Todos têm algo em comum conosco: são imagens de Deus, são filhos de Deus. Ir ao encontro de todos, sem negociar a nossa filiação eclesial.

Outro ponto importante são os pobres. Se sairmos de nós mesmos, encontramos a pobreza. Hoje – dizer isso me dói o coração –, encontrar um sem-teto morto de frio não é notícia. Hoje é notícia, talvez, um escândalo. Um escândalo: ah, isso é notícia! Hoje, pensar que muitas crianças não terão que comer não é notícia. Isto é grave; sim, grave! Não podemos ficar tranquilos! “Bem! As coisas são assim”. Não podemos nos tornar cristãos engomados, aqueles cristãos muito educados que falam de coisas teológicas enquanto tomam o chá, tranquilos. Isto não! Devemos nos tornar cristãos corajosos e ir à procura daqueles que são precisamente a carne de Cristo, aqueles que são a carne de Cristo! Quando vou confessar – não aqui; aqui ainda não posso, porque sair para confessar... daqui não se pode sair, mas isso é outro problema – quando, na diocese anterior, ia confessar, vinham as pessoas e eu sempre lhes fazia esta pergunta: “Você dá esmolas?” “Sim, padre!” “Muito bem!” Mas lhe fazia mais duas perguntas: “Diga-me, quando dá esmola, fixa nos olhos aquele ou aquela a quem dá a esmola?” “Bem, não sei, não me dou conta”. Segunda pergunta: “E quando dá esmola, toca a mão da pessoa a quem dá a esmola ou lança-lhe a moeda?” Este é o problema: a carne de Cristo, tocar a carne de Cristo, assumir este sofrimento pelos pobres. A pobreza, para nós cristãos, não é uma categoria sociológica, filosófica ou cultural. Não! É uma categoria teologal. Diria que esta é talvez a primeira categoria, porque aquele Deus, o Filho de Deus, humilhou-se, fez-se pobre para caminhar conosco ao longo da estrada. E esta é a nossa pobreza: a pobreza da carne de Cristo, a pobreza que nos trouxe o Filho de Deus com a sua Encarnação. A Igreja pobre para os pobres começa pelo dirigir-se à carne de Cristo. Se nos fixarmos na carne de Cristo, começamos a compreender alguma coisa, a compreender o que é esta pobreza, a pobreza do Senhor. E isso não é fácil! Mas aos cristãos se apresenta um problema que não lhes faz bem: o espírito do mundo, o espírito mundano, a mundanidade espiritual. Isto faz-nos sentir autônomos, viver o espírito do mundo, e não o de Jesus.

Quanto à pergunta que me fizeram: como se deve viver para enfrentar esta crise que toca a ética pública, o modelo de desenvolvimento, a política? Como esta é uma crise do homem, uma crise que destrói o homem, é uma crise que despoja o homem da ética. Na vida pública, na política, se não houver a ética, uma ética de referimento, tudo é possível e tudo se pode fazer. E, quando lemos os jornais, vemos como a falta de ética na vida pública causa tanto dano à humanidade inteira.

Gostaria de contar-lhes uma história. Já o fiz duas vezes esta semana, mas farei uma terceira com vocês. É a história que narra um midrash bíblico de um rabino do século XII. Ao contar a história da construção da Torre de Babel, diz ele que, para construir a Torre de Babel, era necessário fazer os tijolos. Que significa isto? Ir, amassar o barro, trazer a palha, misturar tudo, e depois… forno. E quando o tijolo estava pronto tinha de ser carregado lá para cima, para a construção da Torre de Babel. Enfim, o tijolo era um tesouro, considerando todo o trabalho que se requeria para fazê-lo. Quando caía um tijolo, era uma tragédia nacional e o trabalhador culpado era punido; era tão precioso um tijolo que, se caísse, era um drama. Mas, se caía um trabalhador, não ocorria nada; era um caso completamente diverso. O mesmo acontece hoje: se os investimentos em bancos caem um pouco, é uma tragédia! O que vamos fazer? Mas, se as pessoas morrem de fome, se não têm o que comer, se não têm saúde, isso não importa! Esta é a nossa crise de hoje! E o testemunho de uma Igreja pobre para os pobres vai contra essa mentalidade.

A quarta pergunta: “Vendo estas situações, parece-me que a minha confissão, o meu testemunho seja tímido e desajeitado. Gostaria de fazer mais, mas o quê? E como ajudar estes nossos irmãos? Como aliviar o seu sofrimento, não tendo possibilidade de fazer nada, ou pelo menos muito pouco, para mudar o seu contexto político e social?”.

Para anunciar o Evangelho, são necessárias duas virtudes: a coragem e a paciência. Eles [os cristãos que sofrem] estão na Igreja da paciência. Eles sofrem e há mais mártires hoje do que nos primeiros séculos da Igreja. Sim, mais mártires! Irmãos e irmãs nossos, que sofrem! Levam a fé até ao martírio. Mas o martírio nunca é uma derrota; o martírio é o grau mais alto do testemunho que devemos dar. Nós estamos a caminho do martírio, de pequenos martírios: ao renunciar a isto, ao fazer aquilo... estamos em caminho. E eles, pobrezinhos, dão a vida, mas a dão – acabamos de ouvir a situação no Paquistão – por amor de Jesus, testemunhando Jesus. Um cristão deve ter sempre esta atitude de mansidão, de humildade; precisamente a atitude que eles têm, confiando em Jesus, confiando-se a Jesus. É preciso notar que, muitas vezes, estes conflitos não têm uma origem religiosa; frequentemente há outras causas de tipo social e político, e infelizmente as filiações religiosas acabam por ser utilizadas como gasolina sobre o fogo. Um cristão sempre deve ser capaz de responder ao mal com o bem, ainda que muitas vezes seja difícil. A estes irmãos e irmãs, procuremos fazer-lhes sentir que estamos profundamente unidos à sua situação, que sabemos que são cristãos “entrados na paciência”. Quando Jesus vai ao encontro da Paixão, entra na paciência. Eles entraram na paciência: façam com que eles saibam disso, mas também façam saber ao Senhor. Deixem que lhes faça uma pergunta: Vocês rezam por estes irmãos e estas irmãs? Rezam por eles, na oração de todos os dias? Eu não vou pedir agora que levantem a mão aqueles que rezam. Não o pedirei... Mas tende-o bem em conta. Na oração de cada dia, digamos a Jesus: “Senhor, olha este irmão, olha esta irmã que sofre tanto, tanto!” Eles fazem a experiência do limite, precisamente do limite entre a vida e a morte. E esta experiência deve nos levar também a promover a liberdade religiosa para todos, para todos! Cada homem, cada mulher deve ser livre na sua própria confissão religiosa, seja ela qual for. Por quê? Porque aquele homem e aquela mulher são filhos de Deus.

E, assim, creio ter respondido de algum modo às vossas perguntas. Peço desculpas se fui longo demais. Muito obrigado! Obrigado a todos vocês! E não esqueçam: não queremos uma Igreja fechada, mas uma Igreja que sai, que vá às periferias da existência. Que o Senhor nos guie nelas! Obrigado!

(Vigília de Pentecostes com os movimentos eclesiais, Praça de São Pedro, sábado 18 de maio de 2013)

SEM O SEU INCENTIVO, SEM A SUA GRAÇA,
NÃO VAMOS PARA FRENTE

Caros irmãos e irmãs,neste dia, contemplamos e revivemos na liturgia a efusão do Espírito Santo realizada por Cristo ressuscitado sobre a sua Igreja; um evento de graça que encheu o Cenáculo de Jerusalém para se estender ao mundo inteiro. Mas o que aconteceu naquele dia tão distante de nós e, ao mesmo tempo, tão perto que alcança o íntimo do nosso coração? São Lucas dá-nos a resposta na passagem dos,Atos dos Apóstolos, que ouvimos (2, 1-11). O evangelista leva-nos a Jerusalém, ao andar superior da casa onde se reuniram os Apóstolos. A primeira coisa que chama a nossa atenção é o estrondo improviso que vem do céu, “comparável ao de forte rajada de vento”, e enche a casa; depois, as “línguas à maneira de fogo” que se iam dividindo e pousavam sobre cada um dos Apóstolos. Estrondo e línguas de fogo são sinais claros e concretos, que tocam os Apóstolos não só externamente, mas também no seu íntimo: na mente e no coração. Em consequência, “todos ficaram cheios do Espírito Santo”, que difunde seu dinamismo irresistível com efeitos surpreendentes:“começaram a falar outras línguas, conforme o Espírito lhes inspirava que se exprimissem”. Abre-se então diante de nós um cenário totalmente inesperado: acorre uma grande multidão e fica muito admirada, porque cada qual ouve os Apóstolos falando na própria língua. É uma coisa nova, experimentada por todos e que nunca tinha acontecido antes: “Nós os ouvimos falar nas nossas línguas”. E de que falam? “Das grandes obras de Deus”. À luz deste texto dos Atos, gostaria de refletir sobre três palavras relacionadas com a ação do Espírito: novidade, harmonia e missão.

1. A novidade causa sempre um pouco de medo, porque nos sentimos mais seguros se temos tudo sob controle, se somos nós a construir, programar, projetar a nossa vida de acordo com os nossos esquemas, as nossas seguranças, os nossos gostos. E isso se verifica também quando se trata de Deus. Muitas vezes o seguimos e acolhemos, mas até certo ponto; sentimos dificuldade em abandonarmos a Ele com plena confiança, deixando que o Espírito Santo seja a alma, o guia da nossa vida, em todas as decisões; temos medo que Deus nos faça seguir novas estradas, nos faça sair do nosso horizonte frequentemente limitado, fechado, egoísta, para nos abrir aos seus horizontes. Mas, em
toda a história da salvação, quando Deus Se revela traz novidade – Deus traz sempre novidade –, transforma e pede para confiar totalmente n’Ele: Noé construiu uma arca, no meio da zombaria dos demais, e salvou-se; Abraão deixa a sua terra, tendo na mão apenas uma promessa; Moisés enfrenta o poder do Faraó e guia o povo para a liberdade; os Apóstolos, antes temerosos e trancados no Cenáculo, saem corajosamente para anunciar o Evangelho. Não se trata de seguir a novidade pela novidade, a busca de coisas novas para vencer o tédio, como ocorre muitas vezes no nosso tempo. A novidade que Deus traz à nossa vida é verdadeiramente o que nos realiza, o que nos dá a verdadeira alegria, a verdadeira serenidade, porque Deus nos ama e quer apenas o nosso bem. Perguntemo-nos hoje a nós mesmos: nós permanecemos abertos às “surpresas de Deus”? Ou nos fechamos, com medo, à novidade do Espírito Santo? Mostramo-nos corajosos para seguir as novas estradas que a novidade de Deus nos oferece, ou nos defendemos fechando-nos em estruturas caducas que perderam a capacidade de acolhimento? Fará bem nos colocarmos estas perguntas durante todo o dia.

2. Segundo pensamento: à primeira vista o Espírito Santo parece criar desordem na Igreja, porque traz a diversidade dos carismas, dos dons. Mas não; sob a sua ação, tudo isso é uma grande riqueza, porque o Espírito Santo é o Espírito de unidade, que não significa uniformidade, mas a recondução do todo à harmonia . Quem faz a harmonia na Igreja é o Espírito Santo. Um dos Padres da
Igreja usa uma expressão de que gosto muito: o Espírito Santo “ipse harmonia est – Ele próprio é a harmonia”. Só Ele pode suscitar a diversidade, a pluralidade, a multiplicidade e, ao mesmo tempo, realizar a unidade. Também aqui, quando somos nós a querer fazer a diversidade fechando-nos nos nossos particularismos, nos nossos exclusivismos, trazemos a divisão; e quando somos nós a querer fazer a unidade segundo os nossos desígnios humanos, acabamos por trazer a uniformidade, a homogeneização. Se, pelo contrário, nos deixamos guiar pelo Espírito, a riqueza, a variedade, a diversidade nunca dão origem ao conflito, porque Ele nos impele a viver a variedade na comunhão da
Igreja. O caminhar juntos na Igreja, guiados pelos Pastores – que para isso têm um carisma e ministério
especial – é sinal da ação do Espírito Santo; uma característica fundamental para cada cristão, cada
comunidade, cada movimento é a eclesialidade. É a Igreja que me traz Cristo e me leva a Cristo; os caminhos paralelos são muito perigosos! Quando alguém se aventura ultrapassando (proagon) a doutrina e a Comunidade eclesial – diz o apóstolo João na sua Segunda Carta – e deixa de permanecer nelas, não está unido ao Deus de Jesus Cristo (cf. 2 Jo 1,9). Por isso perguntemo-nos: Estou aberto à harmonia do Espírito Santo, superando todo o exclusivismo?
Eu me deixo guiar por Ele, vivendo na Igreja e
com a Igreja?

3. O último ponto. Diziam os teólogos antigos: a alma é uma espécie de barca à vela; o Espírito Santo
é o vento que sopra na vela, impelindo-a para frente; os impulsos e incentivos do vento são os dons
do Espírito. Sem o seu incentivo, sem a sua graça, não vamos para frente. O Espírito Santo nos faz entrar
no mistério do Deus vivo e nos salva do perigo de uma Igreja gnóstica e de uma Igreja narcisista, fechada no seu recinto; impele-nos a abrir as portas e sair para anunciar e testemunhar a vida boa do Evangelho,
para comunicar a alegria da fé, do encontro com Cristo. O Espírito Santo é a alma da missão . O ocorrido em Jerusalém há quase dois mil anos, não é um fato distante de nós, mas
um fato que nos alcança e se torna experiência viva em cada um de nós. O Pentecostes do Cenáculo de Jerusalém é o início, um início que se prolonga. O Espírito Santo é o dom por excelência de Cristo ressuscitado aos seus Apóstolos, mas Ele quer que chegue a todos. Como ouvimos no Evangelho, Jesus diz: “Eu apelarei ao Pai e Ele vos dará outro Paráclito para que esteja sempre convosco” (Jo 14, 16). É o Espírito Paráclito, o “Consolador”, que dá a coragem de levar o Evangelho pelas estradas do mundo! O Espírito Santo ergue o nosso olhar para o horizonte e impele-nos para as periferias da existência a fim de anunciar a vida de Jesus Cristo. Perguntemo-nos se
tendemos a fechar-nos em nós mesmos, no nosso grupo, ou se deixamos que o Espírito Santo nos abra à missão. Recordemos hoje estas três palavras: novidade, harmonia, missão.

A liturgia de hoje é uma grande súplica, que a Igreja com Jesus eleva ao Pai, para que renove a efusão do Espírito Santo. Cada um de nós, cada grupo, cada movimento, na harmonia da Igreja, se dirija ao Pai pedindo este dom. Também hoje, como no dia do seu nascimento, a Igreja invoca juntamente com Maria: “Veni Sancte Spiritus… – Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fiéis e acendei neles o fogo do vosso amor”! Amém.

(Homilia na Solenidade de Pentecoste na missa com os movimentos eclesiais, Praça de São Pedro, domingo 19 de maio de 2013)

PUDEMOS EXPERIMENTAR A BELEZA
DA UNIDADE, DE SER UM SÓ

Estimados irmãos e irmãs,
está prestes a concluir-se esta festa da fé, iniciada ontem com a Vigília e culminada hoje de manhã na Eucaristia. Um renovado Pentecostes que transformou a Praça de São Pedro num Cenáculo ao ar livre. Revivemos a experiência da Igreja nascente, concorde na oração com Maria, Mãe de Jesus (cf. At 1,14). Também nós, na variedade dos carismas, pudemos experimentar a beleza da unidade, de ser um só. E isto é obra do Espírito Santo, que cria sempre novamente a unidade na Igreja.

Gostaria de agradecer a todos os Movimentos, Associações, Comunidades e Agregações eclesiais. Vós sois um dom e uma riqueza na Igreja! É isto o que sois! Agradeço de maneira particular a todos vós que viestes de Roma e de muitas regiões do mundo. Transmiti sempre a força do Evangelho! Não tenhais medo! Tende sempre a alegria e a paixão pela comunhão na Igreja! Que o Senhor ressuscitado esteja sempre convosco e Nossa Senhora vos salvaguarde!

Recordemos na oração as populações da região da Emília Romagna,
que no dia 20 de maio do ano passado foram atingidas por um tremor de terra. Rezo também pela Federação italiana das associações de voluntariado em Oncologia.

[Recitação do Regina Caeli]

Irmãos e irmãs, muito obrigado pelo vosso amor à Igreja! Feliz domingo, boa festa e bom almoço!

(Regina Caeli na Solenidade de Pentecoste, Praça de São Pedro, domingo 19 de maio de 2013)

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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