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Passos N.149, Junho 2013

ATUALIDADE - Família

Quanto custa um filho?

por Miriã Alcântara

Recentemente, uma minuciosa pesquisa de mercado do Instituto Nacional de Vendas e Trade Marketing (Invent) mostrou que a criação de um filho da classe media desde o nascimento até o término da faculdade fica em torno de R$ 900 mil. Feitas as contas esse custo pode ser determinante para a opção pela paternidade? Publicamos o artigo da professora Miriã Alcântara, psicóloga da Universidade Católica de Salavador, que falou sobre o tema para o jornal A Tarde

Filhos são mesmo muito caros, mas não no sentido econômico. Quem deseja tê-los não deve apenas avaliar custos e benefícios como se faz em um investimento de longo prazo. Aliás, esse método imposto pelo mercado no contexto da sociedade globalizada, esvazia o sentido da relação pais e filhos, enfatizando o aspecto negativo da responsabilidade e da doação de si pelo bem do outro. Essa é a operação introduz a lógica da troca de equivalentes ao vínculo entre pais e filhos, uma lógica estranha às relações humanas, especialmente quando se trata de pessoas que vivem uma relação de profunda assimetria em que uma das partes necessita de proteção e cuidado e jamais poderá dar em troca o que recebeu da geração que a prece- de. Para nossa sorte, nossos antepassados não tinham meios para efetuar operações desse tipo, senão muitos de nós não teríamos sido sequer concebidos. Uma das consequências de um raciocínio assim tão restrito no campo das relações de intimidade é a individualização que minimiza o valor dos vínculos fragilizando as relações interpessoais e familiares.

O valor que está em jogo no caso de um filho não é o econômico decorrente dos crescentes gastos com educação, saúde, lazer, etc., mas é a relação com uma pessoa cuja existência tem um significado em si, capaz de realizar uma profunda mudança na vida dos pais. A relação entre pais e filhos é um grande patrimônio dificilmente avaliado pela matemática financeira. E ainda seria muito parcial considerar os filhos importantes por ser uma companhia na melhor idade. Esse olhar opera uma redução grotesca do ser humano a uma mercadoria (ou a um outro ser) passível de controle ou regulação em face de certo resultado. A experiência de quem tem filhos mostra que seu valor coincide com a própria existência dos pais, o que fica evidente quando se pensa no investimento emocional feito durante a expectativa de gerá-lo, especialmente no contexto de uma relação de amor recíproco. Faz parte da natureza do amor, o gesto de doar-se ao outro, afinal o que há de mais belo na vida a dois é o fato de estar diante do mistério profundo que é o outro e se permitir deixar-se interrogar pela origem dele. “Tudo se transforma em um acontecimento, no âmbito de um grande amor”, afirma Romano Guardini, principalmente a perspectiva de gerar um filho é um verdadeiro desejo a projetar-se enquanto mãe ou de um homem a vislumbrar-se como pai. Fruto da conveniência, do desejo ou do acaso, um filho inaugura para os pais uma nova condição, a da responsabilidade, a da comunicação de si mesmo e de um patrimônio cultural (e, portanto, a dimensão educativa da parentalidade), aproximando a todos os que se encontram em seu entorno e fortalecendo os vínculos de solidariedade e colaboração.

É um equívoco metodológico estimar o inestimável. O modo de tratar o valor de um filho é equivocado, pois a realidade revela que ter um filho vai muito além do aspecto econômico ou material. Ser amado e reconheci- do pelo filho como mãe/pai e poder oferecer o que ele mais necessita sob a forma de carinho, conforto e proteção proporcionam um vínculo feito de lealdade, confiança e afeição. No conjunto de expectativas que surgem dessa relação, os custos ficam em último plano quando se consideram os ganhos advindos do amor, da amizade, do afeto, da satisfação de estar diante de alguém que sempre introduz uma novidade. No entanto, convém sinalizar que as famílias que possuem filhos são as que mais consomem e por isso deveriam ser mais valorizadas e e beneficiadas pelo mercado. Apesar de uma balança tão desigual, quem deseja ter filhos não deve parar na avaliação econômica, pois o que está em jogo é a possibilidade de realizar o mais profundo desejo de amar e de ser amado, contribuindo para a formação de personalidades fortes, capazes
de assumir posições decisivas para uma sociedade mais humana
e democrática.


 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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