Neste mês acontecem as tradicionais festas juninas. Foram os portugueses que trouxeram para o Brasil-colônia o costume de comemorar três santos de junho: Santo Antônio (dia 13), São João (24) e São Pedro (29). Destacamos aqui a figura de Pedro, um dos primeiros discípulos que Jesus de Nazaré escolheu para fazer-se conhecer no mundo. A partir daquela atração, o início de um fluxo ininterrupto de amizade, que chegou até os nossos dias
Quem era Pedro? Os Evangelhos, os Atos dos Apóstolos, as Cartas de Paulo, as Cartas do próprio Pedro são ricos de detalhes sobre ele, mais do que sobre qualquer outro protagonista. Sabemos muitas coisas a respeito de Pedro: com certeza era um homem fisicamente robusto, pois toda vez que era preciso demonstrar força ele era o primeiro da fila. Tinha um caráter impulsivo, impetuoso, com certeza generoso. Sua idade não era muito diferente da idade de Jesus, era natural de Betsaida, na Galileia, à margem oriental do lago de Tiberíades, filho de uma família de pescadores (o pai se chamava João). Como seu irmão André, Pedro tinha nome de origem grega, sinal de que a região de onde vinha era uma região cosmopolita: “Galileia dos gentios”, assim a definem Isaías e Mateus, e é um dado importante para entender toda a história humana de Simão. Cruzando as quatro fontes evangélicas pode-se reconstruir o encontro de Pedro com Jesus desta forma (esta reconstrução é proposta por Carsten Peter Thiede): Jesus o viu pela primeira vez em Betânia, junto ao rio Jordão. O homem de Nazaré já tinha chamado João e André, discípulos de João Batista. E foi André quem conduzir Pedro até Jesus. Era o período da Páscoa hebraica. O segundo encontro, e decisivo para Pedro, aconteceu em Cafarnaum, uma localidade situada à margem ocidental do lago de Tiberíades. Nesse encontro ele e o irmão já haviam transferido para lá sua atividade de pescadores. Jesus os vê, sobe no barco deles e pede que se afastem um pouco da margem para que a multidão que o seguia pudesse escutá-Lo. Em seguida, terminada a pregação, Jesus lhes pede que façam um gesto que, dada a experiência profissional de pescadores que eles tinham, parecia totalmente irracional: lançar as redes em plena luz do dia, quando, em condições bem mais favoráveis, ou seja, à noite, eles não tinham conseguido pegar um único peixe. Nesse ponto Lucas nos transmite as primeiras palavras do próprio Pedro. E são palavras que revelam seu caráter: primeiro faz um gesto de protesto pelo absurdo do pedido, depois baixa a cabeça e obedece. A pesca milagrosa foi a verdadeira guinada na vida de Pedro. Lucas escreve sinteticamente que ele e os seus companheiros, “reconduzindo os barcos à terra e, deixando tudo, O seguiram”.
Na casa de Pedro. O cenário seguinte é a casa de Pedro em Cafarnaum. Ali ele vivia com a sua família: a sogra, o irmão André e a esposa (de quem os Evangelhos não falam, mas que, segundo Eusébio e Clemente, morreu mártir em Corinto antes da chegada de Pedro a Roma no ano 42). Não era uma casa pequena; provavelmente tinha um único andar, que se tornou a base para Jesus e os seus discípulos: Marcos testemunha que eles dormiam lá. A cura da sogra de Pedro (Lucas, médico, nos conta que ela estava de cama com febre alta) despertou tanta curiosidade que “pela aglomeração que se formou já não havia lugar nem à porta” (Mc 2, 2). Cafarnaum está cheia de vestígios arqueológicos que confirmam a veracidade da narração evangélica. A tradição que reconhece os restos da casa de Pedro é muito antiga (remonta ao ano 381, quando a peregrina Egéria falou de uma igreja que tinha incorporado as paredes da casa do apóstolo); os restos do chão de basalto, por sua vez, confirmam a localização da sinagoga frequentada por Jesus (“E logo ao sair da sinagoga, foi à casa de Simão”, Mc 1, 29). Mas sobretudo foram encontrados os restos dos edifícios da guarnição romana, a guarnição do Centurião de Cafarnaum que tinha pedido a Jesus que curasse o seu servo paralisado. Esse fato foi com certeza crucial para a formação de Pedro. Mostrou-lhe como Jesus tinha uma abertura para com todos, mesmo para com os romanos – inimigos e pagãos – que estavam a uma distância de uns poucos metros da casa de Pedro. E o próprio Pedro se lembraria alguns anos depois, quando, despertando um mal-estar na comunidade de Jerusalém, dirigiu-se à casa do Centurião de Cesaréia Marítima que tinha mandado lhe chamar (“Deus acaba de mostrar-me que a nenhum homem se deve chamar de profano ou impuro. Por isso vim sem hesitar”, At 10, 28).
Libertação milagrosa. O episódio do Centurião e o relacionamento com os gentios liga os dois polos que decidiram a vida de Pedro: de um lado Cafarnaum, onde o pescador deixa tudo e passa a seguir Jesus; de outro lado Roma, onde o ex-pescador permaneceu por tantos anos e onde encontrou o martírio. É um Pedro muito diferente daquele que encontramos nos Atos dos Apóstolos: o olhar que Jesus lhe dirigiu ao cantar do galo no pórtico do Sumo Sacerdote, o fez perceber a potência e a liberdade da misericórdia de Deus. Este que agora encontramos é um Pedro maduro, que sabe administrar as situações, por mais complicadas que sejam, que sabe ser arguto, que descobre em si um dom pouco característico da sua personalidade: a paciência. Duas vezes esteve na prisão, duas vezes foi libertado milagrosamente. Depois da segunda prisão aparece milagrosamente em Jerusalém, na casa da mãe de Marcos, o discípulo fiel que extraiu o seu Evangelho das pregações de Pedro. Lucas conta a surpresa de quem o encontrou na sua frente e depois escreve que Pedro, procurado, foi para um “outro lugar”. Que “outro lugar” era esse? Muito provavelmente já se tratava de Roma, mesmo que nenhuma fonte do Novo Testamento o confirme diretamente. Existem, porém, duas confirmações indiretas. Uma na primeira carta de Pedro, onde o apóstolo diz que escreve da “igreja eleita que está na Babilônia”: e Babilônia, bem como no Apocalipse, era um criptograma que indicava Roma. A outra confirmação indireta está na Carta de Paulo aos Romanos, na qual Saulo justifica a sua ausência de Roma com o fato de não querer “construir sobre os alicerces lançados por outros”. Chegando em 42, dali partiu uma primeira vez por volta do ano 46, para retornar a Jerusalém, onde, com a morte de Herodes Agripa, teria menos a temer.
O relacionamento com Paulo. Em 48 participa ao primeiro Concílio, defendendo, junto com Paulo, a liberdade dos gentios convertidos de não se submeterem à circuncisão. O relacionamento entre os dois não era, de qualquer forma, muito tranquilo, como demonstra o célebre episódio de Antioquia. Pedro, na fortaleza de Paulo, aceita convite para jantar por parte de um grupo de gentios convertidos. Mas, tomando conhecimento da chegada em Jerusalém de emissários de Tiago (que era o paladino dos judeus cristãos), “começou a evitá-los e a manter-se à parte”. Para Paulo era uma postura hipócrita, e é difícil não lhe dar razão. Porém desse episódio conhecemos somente a versão de Paulo, e com certeza Pedro, o mais aberto para com os pagãos, tinha bons motivos para comportar-se assim sem expor a si mesmo e aos neo-convertidos.
Roma ainda o esperava, onde, de casa em casa, se percebia o aumento da comunidade a olho nu. Para lá retornou por volta do ano 57. Se for verdade o que escreveu Clemente – o terceiro Papa, que, por causa do ciúme de alguns, foi capturado e condenado à morte –, com certeza ele conseguiu mais de um inimigo dentro da comunidade. Era por volta do ano 67, o último do reinado de Nero. Pedro foi crucificado, nos Jardins Neronianos, de cabeça para baixo conforme sua vontade explícita, porque se considerava indigno de morrer como o seu mestre. Foi sepultado algumas dezenas de metros mais adiante, onde hoje surge o altar da Confissão da Basílica de São Pedro.
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