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Passos N.150, Julho 2013

RUBRICAS

As cartas

COMO O PRIMEIRO ENCONTRO
Caro padre Carrón, este ano eu também participei dos Exercícios da Fraternidade. Encontrei o Movimento já há muitos anos. Ainda não tinha 16 anos quando, em um banco da praça Istria, em Milão, junto com alguns colegas da mesma idade, olhando o céu de verão, nos perguntávamos qual era o sentido da vida, quem teria criado o mundo, e o porquê da existência de tudo o que nos circundava. O intelectual do grupo do qual, depois, soubemos que infelizmente alguns membros seguiram um mau caminho, afirmava com segurança que o homem descende do macaco, mas era impossível não perguntar: “E quem criou o macaco?”. E ia por aí. Poucas semanas depois, aceitei o convite de minha irmã (do Movimento) para “mergulhar” (se dizia assim) na comunidade. Foi num domingo à tarde que, junto com um outro grupo de jovens, fomos de micro-ônibus a uma paróquia da periferia de Milão para brincar com as crianças. Na noite daquele mesmo dia, meu coração explodia de alegria por causa daquela experiência. Uma alegria indescritível que nunca tinha experimentado antes. Depois de alguns meses, fui à casa de padre Angelo Cassani, e disse que tinha ido até lá porque a alegria que tinha experimentado no primeiro encontro tinha desaparecido. Naquele momento, só conseguia ver a dificuldade da vida e de continuar em frente. Em poucas palavras, me sentia parado, bloqueado, e o ímpeto inicial não existia mais. O padre me respondeu: “Esse é o momento em que você está caminhando mais porque sua liberdade é chamada a responder, a dar o próprio ‘sim’ de maneira razoável e responsável”. E, assim, continuei. Era 1968. Muitos estavam saindo do Movimento e eu, que era estudante e trabalhava, além de viver as agitações da época na escola, atravessava também o assim chamado “outono quente”, muito mais complicado e concreto do que aquilo que acontecia na escola. Depois de alguns meses, o responsável pelo grupo da minha comunidade se despediu de mim e disse: “Estou indo embora porque não sinto mais verdadeiras as palavras que disse a você até agora”. Eu era particularmente ligado a ele. Tinha me mostrado os passeios pela montanha, a amizade e a seriedade do empenho também nos estudos. Em mim, depois de um afastamento inicial, ficou evidente aquilo que você disse em Rímini, citando Dom Giussani, que na verificação a minha vida foi marcada pelo encontro com Cristo. Estava mudado e apesar de todo raciocínio superficial, não podia negar que tudo o que tinha vivido era um bem verdadeiro para mim. Era o que me faltava e que tinha desejado tanto. Para mim, começava uma “experiência de libertação”. Agora que completei 60 anos, não pude conter as lágrimas quando você disse, em Rímini: “No início, não foi assim!”. Realmente é verdade. Eu permaneci, não por um raciocínio, não por uma análise política e social que, gaguejando, tentávamos levar ao ambiente político e social daqueles anos, mas fiquei porque a verdade de mim mesmo, chamado pelo nome como Zaqueu, veio ao meu encontro e tornou-se uma experiência. Os Exercícios de Rímini foram o reacontecer daquele primeiro encontro. Tudo se fez novo outra vez e a vida tornou-se esplêndida e interessante novamente.
Claudio

UMA EDUCAÇÃO QUE ABRE A RAZÃO
Gostaria de compartilhar com vocês um momento que tem me marcado nessas últimas semanas. Em 6 de junho defendi minha tese de doutorado, em Sociologia. Estudei os princípios da Doutrina Social da Igreja – Dignidade Humana, Solidariedade, Subsidiariedade e Bem Comum – e como eles podem se manifestar concretamente nos dias de hoje através de obras sociais. Alguns dias antes escrevi um email para vários amigos convidando para a defesa e pedindo orações. Fiz o mesmo no Facebook. Recebi mais de uma centena de respostas! Um pouco antes de começar a defesa, enquanto me preparava para o momento, pensava em como era verdade que eu pertencia a um povo. Eu fui para a defesa comovido, carregando todos aqueles amigos. E eu rezei para que o momento da defesa fosse ocasião de testemunhar Cristo – mais importante que saber responder adequadamente às perguntas, tinha o desejo de mostrar que a doutrina social não era uma ideologia, mas nascia de um Fato que entrou na história e que permanece até hoje. A defesa transcorreu normalmente até a última arguição. Era a vez de uma professora da casa. Ela começou sua fala dizendo: “Lendo o seu trabalho, entendo o momento atual desta faculdade que é dominada por Comunhão e Libertação”. À parte o exagero sem fundamento da colocação, ela demonstrava com isso ter entendido que eu era do Movimento – de fato a minha identidade está ali, nos autores e maneira como argumento – e que ela não tinha gostado nada disso. E, de fato, tentou destruir a minha experiência. Particularmente duas coisas me machucaram durante sua colocação. Primeiro, quando ela acusou meu trabalho de ser enviesado justamente porque eu era de Comunhão e Libertação. Meu trabalho não teria validade científica porque eu era um católico “fundamentalista” e a objetividade científica não combinaria com religião. Segundo, quando ela afirmou que meu trabalho “é tão bonito que dá até para duvidar”, sugerindo com isso que eu havia omitido dados negativos da minha pesquisa a fim de defender os princípios e o estudo de caso que eu relatava. Eu tive a impressão na hora – confirmada por quem assistia –, que o verdadeiro problema não era o trabalho em si, mas a minha experiência de pertencer a Comunhão e Libertação. Respondi as questões mais técnicas que ela tinha colocado, mostrei as tabelas e páginas em que demonstravam, sim, os dados negativos que havia colhido e discutido – eu não omiti nada, está tudo na tese –, mas repito, a questão não era essa. No entanto, nos últimos dez minutos da minha resposta, resolvi defender explicitamente a minha experiência e o fato de ser de Comunhão e Libertação. Disse, em resumo, que a minha fé potencializa a minha razão, e não a obscurece, porque eu sou capaz de enxergar elementos da realidade que sem a fé eu não era capaz de enxergar anteriormente; que fui educado por vários cientistas sérios, muitos dos quais católicos, que me ensinaram que quando fazemos ciência devemos partir da hipótese positiva, porque só assim somos capazes de olhar para todos os fatores em jogo – quando partirmos da hipótese negativa, só enxergamos aquilo que já queremos enxergar e não colhemos muitos outros dados que a realidade nos diz; e que eu usava a minha razão de maneira adequada, porque encarava todos os fatores da realidade, os negativos e positivos, ao contrário da comunidade acadêmica em geral que, diante da beleza de um objeto, introduz rapidamente a dúvida, não se deixando tocar verdadeiramente por ele. Isso foi o que aconteceu. Mas mais do que as respostas que fui capaz de dar, me interessava verificar o que eu aprendi com o que aconteceu. Em primeiro lugar, lembrei muito a experiência dos mártires cristãos. Na hora da morte, eles estavam tranquilos porque eles carregavam a Verdade com eles. Eles iam morrer, mas, serenos, testemunhavam Cristo com sua vida. Por graça, pude experimentar as palavras do Papa Francisco, de 14 de abril, falando justamente dos mártires: “A fé deles se baseava em uma forte experiência pessoal com Cristo morto e ressuscitado, que não tinham medo de nada nem de ninguém, e até mesmo viam as perseguições como um motivo de honra, que lhes permitia seguir os passos de Jesus e assemelhar-se a Ele, testemunhando com a vida (...). Quando uma pessoa conhece verdadeiramente Jesus Cristo e crê Nele, experimenta a Sua presença na vida e a força da Sua Ressurreição, e não pode ficar sem comunicar esta experiência. E, se encontra incompreensões ou adversidades, se comporta como Jesus na Sua Paixão: responde com o amor e com a força da verdade”. Essa coragem veio da consciência de pertencer a um povo. Dei-me conta que sou “filho do Movimento” não apenas porque meus pais já faziam parte de CL quando nasci, mas porque tudo o que eu sei, a maneira que aprendi a olhar a realidade e a julgar as coisas, a usar a inteligência, vem dessa pertença: sou filho de Dom Giussani, sou filho de Carrón, sou filho de cada um de vocês que me educam até hoje! Eu carrego um patrimônio, um valor, um fato que é grandioso e deve ser protegido! É verdade que eu sou um vaso de barro carregando um tesouro muito valioso; é verdade que na maioria das vezes esse vaso se quebra; mas naquele dia o vaso não quebrou e o tesouro que carrego foi protegido e testemunhado. Enquanto os professores decidiam se eu era aprovado ou reprovado, estava absolutamente tranquilo. Poder afirmar explicitamente e sem ambiguidades a sua identidade em um ambiente que por doze anos – entre graduação, mestrado e doutorado – me foi hostil e, por incrível que pareça, à Igreja, traz uma liberdade gigantesca! Como é bom dizer quem você é publicamente, sem medo, sem amarras! Quando saiu o resultado, a aprovação, estava muito mais feliz por essa experiência do que pelo título conquistado em si. Como diz Carrón: “A fé é o reconhecimento de uma presença presente, tão real a ponto de tornar possível a liberdade, a letícia, a alegria”. No dia seguinte foi dia do Sagrado Coração de Jesus. Na hora da adoração agradeci sinceramente o fato daquela professora estar presente. Sua presença foi a ocasião de eu poder me colocar da forma como me coloquei e ter aprendido tanto com esse acontecimento. Estou certo de que muitas outras batalhas virão no mundo acadêmico; mas também eu posso afirmar como São Paulo: combati o bom combate. Era eu que estava na linha de frente, mas carregando, graças a Deus, todo um povo comigo!
Rafael, São Bernardo do Campo (SP)

AO REDOR DAQUELA MESA

Estou há quase dois anos na penitenciária de Pádua, onde sou detento e faço um percurso de espiritualidade junto com um grupo de amigos. Este ano, participei dos Exercícios Espirituais de Comunhão e Libertação, em Rímini. Para mim, foi a primeira vez e devo confessar que foi uma experiência maravilhosa e única. Com certeza, para alguém como eu, foi bonito também pelo fato de ter estado “livre”, e eu poderia ter escolhido ir para casa, para ficar com a minha família. Porém, decidi tentar essa experiência, e eu a faria de novo. No início, não estava muito seguro de mim, temendo não ser adequado ou, mais precisamente, não estar à altura desse grande evento, mas assim que cheguei, logo me senti à vontade como se tivesse chegado na casa da minha família. Estava falando com muitas daquelas pessoas pela primeira vez, mas parecia que eu as conhecia toda a vida. Não sei o que aconteceu, não sei explicar direito, mas aconteceu. Durante esses dias falou-se da vida do cristianismo e sobre muitos temas importantes, como a vergonha dos próprios pecados e a humildade das pessoas, mas uma coisa que me impressionou aconteceu no penúltimo dia. Precisávamos voltar e paramos para comer em algum lugar. Éramos cerca de trinta amigos. A maioria deles, eu tinha conhecido naquele dia, e por acaso, naquele dia era a festa de Primeira Comunhão das crianças e seus familiares. Saltou-me logo aos olhos um particular. Na nossa mesa, feita de detentos, magistrados, professores, advogados, etc, parecíamos realmente uma família, enquanto nas outras mesas onde estavam as famílias de sangue, notei um véu de tristeza e uma maneira de agir e de se mostrar através do luxo, enquanto na nossa mesa, via-se a alegria nos olhos. Na simplicidade, havia uma serenidade e um afeto que me deixou boquiaberto. Isso foi o que eu vivi, mas depois, tive a confirmação dos meus companheiros porque eles também experimentaram a mesma coisa e, naquela mesa, no dia 5 de maio, foi isso que aconteceu. Será que um dia conseguirei explicar tudo isso?
Gianni, Pádua (Itália)

SEIS ANOS, SEIS EMPREGOS

Nos últimos seis anos mudei de emprego seis vezes e os companheiros do meu grupo de Fraternidade sempre estiveram perto de mim. “O objetivo da companhia, de fato, não é resolver os problemas da pessoa ou substituir-se a ela nas escolhas da vida, mas ajudar a enfrentar as circunstâncias com a postura certa”. Precisei mudar de trabalho tanto por circunstâncias externas, como por oportunidades profissionais que apareceram, que melhorariam a situação da minha família, e em todos os casos a companhia sempre me ajudou a manter aberta a pergunta. Perguntei a um amigo num momento de desânimo, quando estava mais uma vez procurando emprego: “O que Deus quer de mim?”. A resposta foi: “Tudo”. Uma provocação para responder até o fundo à própria vocação, mesmo nas situações de trabalho que pareceriam áridas, como aquelas técnico-econômicas, onde é preciso discutir os mínimos detalhes... E com um mínimo de prejuízo. Para mim, é cada vez mais claro que as várias circunstâncias são um caminho “em busca do rosto do homem” que é, antes de mais nada, o meu rosto mudado, no qual transparece o Seu Rosto.
Stefano, Pádua (Itália)

O PARAISO NO MEIO DA SUJEIRA. A inauguração da nossa casa de acolhida foi um dia belíssimo e cheio de uma Presença para todos nós, com amigos vindos da Itália para a ocasião, trazendo-nos o abraço da nossa história e da nossa companhia. Em sua colocação, o Núncio nos dizia que aqui era evidente que a coragem da fé pode fazer nascer o Paraíso a partir da imundície. Lembrei como este lugar, um aterro municipal, tornou-se um pedaço do Paraíso ou, de algum modo, algo muito próximo ao Paraíso, primeiro pela beleza do lugar, depois, porque nasceu da coragem da fé, portanto, de uma Presença que resplende nos rostos de quem vive para construir essa casa. Disse-nos que nos trazia o abraço do Papa Francisco que pede uma Igreja pobre entre os pobres e que esta casa, com todos nós que moramos nela, está em perfeita sintonia com o Santo Padre e, por isso, ele vinha aqui de boa vontade. Agradeceu a todos: os jovens que passaram aqui este ano, os que estavam presentes e os que não estavam ali, mas faziam parte dessa história. Concluiu dizendo que esta é a Igreja. No fim, depois da bênção do local, houve o coquetel ao ar livre e depois... Convidou-se para comer pizza no almoço de terça-feira, uma vez que temos uma chef de Florença, especialista em pizza. Assim, na terça-feira, veio almoçar, junto com seu secretário e com padre Marino, do Movimento de Miami: este foi outro dia em que percebemos a grandeza da Igreja. No sábado seguinte, os amigos italianos iam embora e padre Franco, pároco da igreja Nossa Senhora Peregrina, de Novara, rezou a missa para nós antes de partir: “O ponto não é resistir, mas amar Cristo”. E, daqui, recomeçamos, ou melhor, continuamos, partindo desse abraço da Igreja que nos ensina a amar Cristo.
Irmã Marcella, Porto Príncipe (Haiti)

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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