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Passos N.150, Julho 2013

CINEMA

Até o cume, por inveja

por Alessandra Stoppa

Fundou uma produtora para falar “da história de amor entre Deus e os homens”. Depois de ter encontrado (uma única vez) um padre que afirmava: “Para crer em Deus é preciso usar a cabeça”. O diretor JUAN MANUEL COTELO fala do seu trabalho e do que significa seguir a pessoa que nos leva até o cume

“Eles me davam inveja. Como temos inveja de alguém apaixonado”. As pessoas que ele estava entrevistando não tinham acordado de manhã decididas a mudar. Nem ele. “Sem querer, conheci doze convertidos no espaço de um ano. Cheguei a pensar numa perseguição. Eu ia fazer compras e temia que a dona da padaria viesse me contar a sua conversão”.
Conversar com Juan Manuel Cotelo – alto e magro, estilo Jim Carrey – não é algo banal. Ele parece uma criança, obstinado e muito curioso, como se tivesse se tornado adulto de repente: pergunta sempre o porquê, quer entender, ir ao ponto, nos desafia, mesmo apenas escancarando os olhos claros, grandes, a partir de uma palavra. Como se estivesse nos perguntando: você já tinha pensado nisso? É alguém que amplia nossa visão, chegando mesmo a subvertê-la.

O que significa perdoar? Trabalhou durante25 anos como jornalista; hoje, com 47 anos, é diretor de longas-metragens. O tema é um só, e incômodo: Deus. No entanto, a Academia de Cinema da Espanha nomeou-o como seu membro, depois do sucesso de O último cume, que é a história de um padre: exibido em 2010, superou, em número de espectadores Sex and the City e Harry Potter. Até hoje é o documentário mais visto na história do cinema ibérico. E Te puedes pasar a ti (Pode acontecer contigo) recolhe histórias de conversão. Ele esclarece: “Não sou um Disney Channel católico, não me interessa fazer o bem. Mas colocar o homem frente a Deus”. Porque ele próprio se colocou primeiro.
“Não programei a mudança. Aliás, você sai de casa, se apaixona. Acontece. Não é um pensamento, a gente não se apaixona com a cabeça...”. Seu santo preferido, não por acaso, é João Batista. Que foi decapitado. Bate na testa: “É um dos maiores freios que tenho. Eu teria que arrancá-la fora para ir mais depressa”. Ele gosta disso, logo se vê. Fala rápido, pensa rápido, quer ver a coisa clara rapidamente.
Quando encontrava um convertido atrás do outro, submetia-os a prova com todas as dúvidas possíveis, suas e dos amigos não crentes. O que quer dizer perdoar verdadeiramente? Por que você se ajoelha diante de um pedacinho redondo de pão? Como tem certeza de que seu pai está no céu e não sumiu como este pedaço de papel se eu botar fogo nele? “As respostas deles tinham a força da verdade. Inclusive quando diziam: não sei”. Em algumas pessoas captei a verdade: não sabem explicá-la, você não a entende, mas vê que não estão mentindo.

Espetáculo empolgante. “Havia sempre um momento, durante as entrevistas, em que eu pensava: gostaria de ser assim. Eles não ‘acreditavam’ em Deus: confiavam n’Ele. Falavam d’Ele como do relacionamento mais próximo e real, como eu falo de um amigo. Tinham vivido sempre em luta, mas agora podemos vê-los aliviados”. Diz que o homem é como uma árvore que é capaz de decidir: agora chega, não vou me deixar mais atrair para o alto. Mas então começa a se dobrar, com uma tensão interna terrível. “É um grande sofrimento não seguir a Deus”.
A fé ele a recebeu desde criança. Só que se esqueceu dela em um pedaço da vida. Nasceu em Madri, numa família católica, o quinto de nove filhos. Seus pais começaram a rezar por ele antes que viesse ao mundo. “Na nossa casa, a fé era como comer: embora seja um hábito diário, nós nem nos damos conta do que estamos comendo. Só nos últimos anos me dei conta do dom que tinha recebido”. Teve que redescobri-lo. “Nós vivemos imersos numa paisagem linda, mas só a certa altura da vida percebemos: mas como esse sol é luminoso! E o mar, como é lindo, e as árvores... Então a partir daí quer essa beleza cada vez mais”.
A boa inveja fez o resto. Antes de tudo, a inveja que sempre teve da mãe. Ele tinha apenas treze anos quando o pai, na saída da missa, foi morto num atentado terrorista. “Naquele dia, mamãe nos reuniu todos num quarto e disse: ‘Nesta casa não entrará nem o ódio, nem a tristeza. Vosso pai está no Céu e nós continuamos a viver como sempre vivemos, com alegria’. E assim foi, desde então até hoje. Era o ano de 1980 e parece que foi ontem. Não me lembro de ter feito qualquer ato de perdão, nenhum esforço: foi algo natural. Como quando eu chegava em casa angustiado por alguma coisa, e minha mãe me dizia: Se não pode resolvê-la, entregue-a para Ele e durma tranquilo”.
Quando tudo isso estava consolidado, veio a inveja dos convertidos. Mas, antes ainda, a mesma atração oculta, quando se encontrou com o padre Pablo Dominguez, o protagonista de O último cume. Cotelo havia recusado, por dois meses, o convite de um amigo para ir ouvir esse jovem sacerdote, decano da Faculdade Teológica de São Dâmaso. Acabou sendo vencido pelo cansaço. “Nada mais tedioso do que viajar de Valência a Madri para ouvir um padre!”, lamentava-se com a mulher. Ela, profética, respondeu: “Vá, pois amanhã você já terá esquecido tudo”. Era fevereiro de 2009. “Há quatro anos que eu só falo de Pablo”, ri hoje; ele está em Milão para isso: para a primeira de uma série de debates sobre o filme em várias cidades italianas.

O anonimato. No dia daquela conferência em Madri, Cotelo não ficou particularmente tocado. Estava todo envolvido em experimentar a nova câmera. Mas, uns dez dias depois, ouve em um programa de televisão que padre Pablo, aos 42 anos, morreu escalando o Moncayo. “Não tive nenhuma reação especial. Só pensei em mandar a gravação para a família. E fiquei um pouco surpreso que fosse justamente ‘aquele’ padre...”. Cotelo se lembra ainda de uma entrevista de Tom Wolfe, que leu em 1984, por causa de uma frase: “A casualidade é o disfarce que Deus utiliza para manter o anonimato”. No seu caso, Deus se divertiu um bocado.
Desde o dia da morte de Pablo, ele começou a encontrar pessoas que haviam conhecido o padre e que falavam dele: como gastava o tempo, como os olhava, entendia, abraçava, com fidelidade, todos os dias, ou uma só vez, mas para sempre. No funeral, entre três mil pessoas, havia um mendigo que chorava sem parar. “Ele tinha conversado com Pablo duas vezes. Como você pode querer tão bem a uma pessoa com a qual conversou apenas duas vezes?”. Cotelo continuava a ver o quanto aquele padre influenciou a vida de pessoas distantes da Igreja, assim como a de padres, bispos, famílias e amigos. Mas ele as escutava e dizia para si mesmo: “Exageram. Claro, ele morreu, o que você quer que digam? Mas não é verdade. Ninguém pode ser tão bom assim”. Começou, então, a fazer perguntas mais hostis e céticas. “Depois entendi. O problema não estava em Pablo, estava em mim. Se me falam mal de uma pessoa, eu acredito; aliás, penso: fez até pior. Se me falam bem de alguém, não acredito; meço os outros por mim: na realidade, eu não acreditava que poderia também viver assim”. Tal como vivia Pablo. A sua vida falava de Cristo, transbordava. Apaixonava-se pela pessoa que estava diante dele, exatamente como se apaixonava pelo espetáculo empolgante dos picos cobertos de neve.
“Mas se nos fixamos em Pablo, ficamos na superfície”, diz Cotelo. A homenagem do filme não é a ele. “Outro Alguém vivia em Pablo”. Alguém muito vivo hoje. “Um seu colega de classe quis dizer-me o segredo de Pablo: É alguém que aos 12 anos disse a Deus: faça que se realize em mim a Tua vontade. Apertaram-se as mãos e cada um dos dois fez a sua parte”. É simples assim. “Para nós é demais. Por isso não acreditamos”, diz Cotelo. “No entanto, é assim mesmo, só nos cabe aceitar ou recusar que existe Alguém maior do que nós, que não estamos sozinhos. Sobretudo, aceitar e deixar-se amar. Grátis”. Para ele, Pablo foi um “acelerador da fé”. Agora só lhe interessa escutar o que Deus lhe pede: “Bastaria fazer assim”, diz, e fecha os lábios com os dedos. “Esse ouvir, quero aprendê-lo. Não tenho problema de falar com Ele...”. E o faz sempre. No avião, rezou: “Não sei se aqui há alguém em diálogo contigo, alguém que Te conhece. Mas perdoa-o, protege-o, cuida dele. E ajuda-me a amar hoje”. Diz que tudo na jornada é ocasião: “Alguém lhe trata mal? É a possibilidade de amar”.

Um bom padre. Com o passar do tempo, deu-se conta de como fora preciosa aquela conferência, no dia do seu primeiro e último encontro: “Pablo estava lutando contra o fideísmo. Dizia que a razão nos leva a afirmar o mistério, que a inteligência é um instrumento, não a medida da verdade”. E que para crer em Deus “é preciso usar a razão”. “Tudo bem”, esclarece Cotelo, que está feliz por compreender isso: “Eu não sei o que acontece quando tomo a Comunhão, quando me confesso. Não sei. Mas me transforma. Seria irracional dizer que não acontece nada”. De qualquer modo, a coisa realmente inexplicável é outra: “Deus sabe tudo de mim e não se impressiona. Ele me ama assim mesmo”. Como amava Pablo, levando os outros para cima. Para o cume. De onde se vê tudo, não um pedacinho. Assim, ele contemplava a vida e o outro, por inteiro.
Por isso, Cotelo fez um filme sobre um padre que não era eremita, nem missionário ou exorcista, simplesmente um padre: “Porque a fé nós a testemunhamos exatamente como há vinte séculos. Há um só caminho: um apaixonado que não consegue esconder o seu amor”.



INFINITO+UM
Juan Manuel Cotelo (Madri, 1966), casado e pai de três filhas, passou por oito universidades (duas como aluno, seis como professor). Depois, “escolhi minha escola preferida: a própria vida”. Foi jornalista e ator e dirigiu um longa-metragem (Il sudore degli usignoli), antes de criar, em 2009, a produtora Infinito+1. Em 2010, em Madri, exibe O último cume; no espaço de duas semanas, o filme foi projetado em 168 cinemas espanhóis. Daí, sem publicidade nem distribuidoras, chega a 17 países, só com a propaganda boca a boca.
Em www.infinitomasuno.org todas as informações e o blog de Cotelo.

 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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