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Passos N.150, Julho 2013

O TESTEMUNHO

A cruz de hoje que nos faz ajoelhar

por John Waters

O relato de uma vida, da experiência “extrema” de liberdade até a descoberta de ser uma criatura nova. “Aprendi que o desejo da Grandeza de Deus não era um conceito abstrato, mas um fato”. As palavras de John Waters diante do Papa no dia 18 de maio na Praça de São Pedro

Meus amigos, vivemos em um tempo de mentira. No passado, o homem lutava pela perfeição, sabendo que ela não era alcançável neste mundo. Guiado por uma fé certa no Criador amoroso, do qual era dependente, o homem tendia a alcançar as estrelas, sem se iludir de poder tocá-las, mas entendendo que o próprio ato de tender a alcançá-las lhe permitia ser plenamente si mesmo. Hoje, o homem luta pela onipotência, acreditando que ela possa ser alcançada. Por isso, o homem se sente oprimido pela solidão, porque tudo depende apenas do próprio esforço pessoal.
A desilusão que nasce disso aflige a todos nós. Invade nossas mentes e muda nosso modo de pensar e de sentir. E às vezes temos a impressão – a despeito de nós mesmos – que não devemos precisar de Deus. Quero salientar: não que não precisamos d’Ele, mas que não devemos precisar d’Ele.

O homem construiu o próprio mundo dentro daquele, misterioso, que foi doado por Aquele que faz todas as coisas. E este mundo feito pela mão do homem tem características estranhas, normalmente contraditórias. Faz-nos sentir mais seguros, embora menos confiantes; mais inteligentes embora mais próximos do desespero. Dá-nos uma sensação de onipotência, embora nunca tenhamos nos sentido tão impotentes. Essa é a história da minha vida, uma vida vivida dentro da falsa realidade que o homem construiu para sentir-se seguro. Quando criança, caminhei com Cristo nas ruas da minha cidade. Falávamos, andando, sobre tudo aquilo que existia e sobre tudo o que parecia possível. Não havia necessidade de “acreditar”. Eu conhecia Cristo, e não há necessidade de “acreditar” nas coisas que se conhece. Ele estava sempre comigo – companheiro, irmão, pai, protetor...
Na minha adolescência, descobri a realidade feita pelo homem e a sua versão de liberdade, tão diferente da liberdade que experimentei quando criança. De alguma maneira, eu intuía que essa nova liberdade parecia excluir a possibilidade de continuar a caminhar com Cristo – era preciso fazer uma escolha. Embora não fosse aquilo que eu desejava, percebia que para ir em frente no mundo moderno precisaria me afastar d’Ele. E assim fiz – com tristeza, com vergonha, mas também com muitos álibis e autojustificativas.
Assim, lancei-me nessa grande viagem de liberdade. Durante certo período, pareceu-me evidente que tinha feito a escolha certa. Sentia-me realmente livre. Mas, pouco a pouco, parecia que essas novas liberdades não me satisfaziam. Em alguns casos, percebia que causavam grande sofrimento. E em um caso em particular – minha experiência com o álcool – essas supostas liberdades me deixaram de joelhos. Por sorte me deixaram de joelhos, em todos os sentidos.

Talvez fosse necessário que eu fizesse uma experiência “extrema” de liberdade para poder perceber os erros que tinha cometido. Através da intervenção de companheiros de desventura, pessoas que como eu fugiram por causa da mesma incompreensão sobre a liberdade – que já tinham descoberto alguma coisa da verdadeira natureza da liberdade – redescobri que eu era uma criatura. Esses novos amigos me mostraram que eu dependia de algo infinitamente maior do que qualquer coisa que eu pudesse encontrar no mundo feito pelo homem. Aprendi com esses amigos que eu tinha um desejo infinito dessa Grandeza infinita.
A natureza do homem é uma contínua pergunta. Você e eu somos feitos de desejo. Não somos feitos para nos contentar com uma satisfação tímida e fraca. Somos parte do Mistério que faz cada coisa possível! Este é o motivo pelo qual Jesus veio entre nós: para nos mostrar tudo o que a vida humana pode ser.
Aprendi tudo isso com esses amigos que encontrei, e que me ajudaram a carregar o peso desta cruz atual, uma cruz feita de escravidão e recuperação. E junto, aprendi que o desejo da Grandeza de Deus não era um conceito abstrato, mas um fato que estava no centro da minha estrutura e da minha natureza. Voltando ao ponto de partida, indaguei sobre mim e sobre meu lugar no mundo, e descobri que aqueles dias de inocência, quando caminhava com Cristo pelas ruas da minha cidade, bem, aqueles foram os momentos da minha vida em que o meu ser esteve mais profundamente em harmonia com a minha natureza e a minha estrutura.
Foi uma descoberta maravilhosa. Em muitos aspectos, um escândalo. Mas foi, também, uma libertação. Depois de uma viagem dolorosa, ainda podia dizer a palavra “Cristo” como algo verdadeiro para mim. Ainda podia me aproximar daquela figura que pacientemente me esperava, não por um desejo de reconciliação sentimental ou cheio de remorso, mas porque aprendi que naquela Pessoa, naquele relacionamento, estava o fundamento da verdade de mim.
Naqueles dias, aprendi que não fui feito para ficar sozinho. Ou melhor, que não fui feito para acreditar que estou sozinho – porque não importa o que eu diga, Ele está conosco do mesmo jeito.

Falo da minha experiência de realidade. Conto fatos, coisas que aconteceram e continuam acontecendo. Falo, portanto, de um contexto experimentável. Estes fatos são verdadeiros para a minha vida como o fato de que hoje é sábado. O mundo feito pelo homem com suas aspirações é de muitas maneiras, positivo. Dentro dele, somos mais seguros e mais confortáveis do que podemos ser em outro lugar. Mas o mundo feito pelo homem esconde de nós a misteriosa natureza da realidade, inclusive a realidade que está dentro de nós e que nos define. Essa realidade interior é plenamente acessível somente através do encontro com essa Pessoa que chamamos Cristo. Conhecer Cristo não implica virarmos as costas para a curiosidade, para o progresso, para o iluminismo, para a liberdade. Ao contrário, implica olhar mais profundamente dentro da realidade para ver sua verdadeira natureza.

São João escreve que, preanunciando Pentecostes, Jesus disse: “Naquele dia conhecereis que eu estou em meu Pai, e vós em mim e eu em vós” (Jo 14,20). Hoje, consigo ver essas palavras como uma descrição literal da minha realidade. Não sou apenas essa pessoa que tem o nome de John. Eu também sou um Outro – Aquele que me faz, e com o qual existe um relacionamento que eu negligencio, por minha conta e risco.
Conhecer Cristo é conhecer a mim mesmo, entender como sou feito, e me tornar livre neste conhecimento – porque não poderia me tornar livre de nenhum outro modo.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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