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Passos N.151, Agosto 2013

MOVIMENTO / Serra Leoa

Giuseppe Berton. Padre Bepi, “um protagonista da história”

por Paolo Perego

Quem era padre Bepi? “Não um missionário que veio a Serra Leoa para fazer o bem. Era meu pai...”. Ernest Sesay, o descreve assim, chorando. Padre Giuseppe Berton, xaveriano, morreu no dia 25 de junho em Parma, na Itália. Tinha 81 anos. Fazia tempo que estava doente, a ponto de no último período ter tido de deixar a “sua” África para se tratar. Uma missão que começou no início da década de 1960. E que nunca foi interrompida. Um livro não seria suficiente para contar tudo o que semeou entre Freetown e Bumbuna em cinquenta anos. Começando por sua obra em favor das ex-crianças soldado, na ex-colônia britânica devastada por dez anos de guerra, que acabou só em 2002: sem eletricidade, sem escolas, com a fome e as favelas crescendo em volta da capital. Primeiro criou um Comitê para a proteção dos jovens, depois, o Family Homes Movement, um grupo de famílias que acolhem órfãos e crianças abandonadas ou compradas do exército dos rebeldes. Mais de 2.500, em todos esses anos.
Em janeiro de 1999, foi mantido refém pelos rebeldes por vinte dias, junto com alguns confraternos e com religiosas. Contava que só não se abalavam se vendo diante da morte porque rezavam continuamente o salmo 90: “Antes que se formassem as montanhas, e a terra e o universo, desde toda a eternidade, vós sois Deus...”. Para não falar da infinidade de pequenas escolas, barracas usadas como salas, que abriu em todo o país porque, dizia, “pode-se fazer de tudo, mas se a população não sabe ler nem escrever, o resto desmorona”. E ainda, o centro de acolhida de Lakka, Saint Michel, um velho hotel construído com a ajuda da Avsi e de CL. E, por fim, a nova Holy Family Primary School, inaugurada em Freetown em 2004, ao lado de uma colina, à qual foi incorporada a High School, em 2009. Tudo graças a uma amizade que aconteceu quase por acaso. Por causa de uma coisa “jogada ali”, que padre Bepi, com seu caráter decidido, não deixou morrer.

O grande filho. Foi assim que Ernest, no dia 3 de janeiro de 2002, com pouco mais de 25 anos, desembarcou no aeroporto de Malpensa, em Milão: a terra estava coberta de neve e ele com calças de sarja, sem saber uma palavra de italiano, levando apenas sua história e sua mulher grávida com quem tinha se casado no dia anterior. Era um dos jovens de padre Bepi, dos primeiros anos, quando Berton trabalhava em Bumbuna, a 200 km de Freetown. Tudo começou no verão de 2001. Berton foi convidado para o Meeting de Rímini. A guerra está próxima do fim e, Serra Leoa, arrasada. É preciso reconstruir o país, mas sobretudo reconstruir um povo desesperado que deixou o campo e se instalou nas favelas de Freetown. “Queria que alguns dos meus jovens pudessem ir passar um tempo com vocês”, pede Berton a Franco Nembrini, diretor da escola La Traccia de Calcinante, perto de Bergamo. “Esqueci que tinha lhe dito sim. Esperava que pensássemos em alguma maneira... Porém, Ernest chegou quase sem aviso prévio”.
Berton era assim, pragmático. Ele foi um dos primeiros a falar na ONU sobre a tragédia das crianças soldado, tanto que Kofi Annan quis marcar uma visita ao seu centro. “Berton queria três coisas para Ernest. Que aprendesse italiano, que visse a experiência de uma escola católica e que conhecesse o Movimento Comunhão e Libertação”, lembra Nembrini: “Bepi conhecera Dom Giussani alguns anos antes, através de uma família do Movimento que adotou um de seus jovens. Eles tiveram uma grande amizade. Berton sempre o citava. Dom Giussani, por sua vez, ficou fascinado com sua liberdade e com sua paixão por Cristo. E pelo fato de isso ter gerado e estar gerando um povo novo”. O próprio Giussani disse isso a Ernest, quando o encontrou pela primeira vez, abraçando-o e chamando-o de “grande filho” do missionário cuja obra era uma graça “para toda a África”. Padre Julián Carrón também lembrou esse fato, com uma mensagem a Ernest depois da morte do sacerdote: “Nós o conhecemos graças a Dom Giussani, que se comovia com a paixão que ele tinha por Cristo e que fez com que se tornasse missionário, sempre interessado pelo destino de cada um dos homens que encontrava”.

Dez dias belíssimos. “Ernest ficou conosco um ano, em Calcinate”, lembra ainda Nembrini. “Foi acolhido por uma família de camponeses. Quando foi embora, eu e minha família o acompanhamos a Freetown, descobrindo finalmente a grandeza daquilo que tinha crescido ao redor de padre Bepi”. Dez dias belíssimos em um lugar terrível. “Nasceu uma tal amizade entre ele e Ernest que no ano seguinte, e nos outros, passei as férias de Natal, com toda a família, junto com eles”. Dessa amizade e da colaboração com a Avsi nascerá uma nova escola, a Holly Family, com mais de 1.500 estudantes, mantida em parte pelas adoções à distância das famílias italianas da escola Traccia.
“Era um homem que tinha certeza daquilo que carregava”, diz ainda Nembrini. Como quando, apesar dos conselhos de um bispo, não retirou os crucifixos das escolas para evitar se indispor com os muçulmanos: “Sou missionário, e a educação não pode excluir o resto”, respondeu Berton. Para sublinhar que, anos depois, as pessoas entenderam muito bem a sua escolha e a tinham aceitado.
Foi com um pai assim que Ernest cresceu. Com alguém que lhe deu a possibilidade de se tornar realmente uma grande pessoa. Como ele mesmo disse, assim que voltou para Serra Leoa, respondendo a quem lhe perguntava por que tinha voltado mesmo podendo ficar na Itália: “Quando cheguei na Itália, eu era um menino e voltei a Serra Leoa como um homem. Sempre disse a padre Berton que o nosso movimento, o das casas para famílias, ainda precisava dar mais um passo, mas não entendia do que se tratava. Na Itália, encontrando CL, vi o que nos faltava: a consciência de que Jesus é a felicidade da vida, que o Movimento é o caminho para essa familiaridade com Jesus. Depois de ter feito essa descoberta não podia deixar de voltar: sou o único que viu, e só através de mim os meus amigos poderiam encontrar aquilo que eu encontrei”.
“Era meu pai”, repete Ernest, hoje. É possível reconhecer Berton nele. Assim como reconhecemos uma árvore por seus frutos. Carrón também escreveu: “Sua história mostra o alcance da fé na vida de um homem. Um homem que pode se tornar um protagonista da história – ele, que contribuiu para mudar Serra Leoa com suas obras familiares e educativas – se, na simplicidade do seu coração, deixa-se agarrar e guiar por Cristo, como diz Papa Francisco. Padre Berton nos testemunhou que não há circunstância ou situação, nem mesmo a guerra, que possa impedir de viver constantemente assim”.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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