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Passos N.152, Outubro 2013

SOCIEDADE / Síria

De onde virá o auxílio?

por Luca Fiore

O que será da Síria e do seu povo? Hoje, os sírios olham para o céu e não sabem o que pensar. De quem serão as próximas bombas a cair? Dos americanos? Do exército sírio? Dos rebeldes? Da Al Qaeda? No momento desta entrevista, realizava-se a Assembleia Geral da ONU, em Nova York, e a guerra civil no país era um dos temas principais. A situação precipitou-se depois da publicação das imagens das vítimas (verdadeiras) das armas químicas utilizadas (talvez) pelo exército de Assad. Imagens tremendas, que chocaram quem quer que tenha tido coragem de olhar para elas. Armas químicas ou não, como acabar com o horror? Seguiram-se dias de frenesim diplomático entre Washington e Damasco, Moscou, Pequim, Londres, Paris… O dramático apelo do Papa Francisco no Angelus do dia 1º de setembro e a carta de Vladimir Putin, presidente da ronda do G20: “Guerra nunca mais”. Entretanto, o medo não fez senão aumentar nas cidades sírias. Quem o confirma é o padre Nawaras Sammour, diretor do Serviço Jesuíta aos Refugiados, um sírio de Alepo que vive em Damasco e trabalha entre o Líbano, a Jordânia e a Turquia. Foi um dos convidados do Meeting de Rímini deste ano, onde testemunhou a tragédia dentro da tragédia: a do seu povo e a dos seus irmãos cristãos.

Como vivem os sírios a eminência de um ataque americano?
Temos medo, porque não sabemos quais serão as consequências. De resto, a vida continua como antes do anúncio do ataque. As pessoas trabalham, andam pelas ruas… Falo de quem quis ficar, obviamente.

Para o presidente Barack Obama, as razões do ataque são humanitárias.
Não percebo. A violência traz mais violência, sempre. Haverá uma escalada. A opção militar não é a solução, não pode ser a solução. O Papa Francisco disse-o melhor do que eu e de forma compreensível para quem deseje a paz.

Quais são os seus sentimentos e os seus pensamentos a respeito da guerra civil?
Os sentimentos confundem-se com os pensamentos e vice-versa. A situação é muito grave e ninguém é capaz de falar dela de forma objetiva. Ninguém é capaz de dar um passo atrás e ter uma visão do conjunto. Todos estamos envolvidos de alguma maneira, e há uma enorme falta de informações. Ou melhor: há muitíssimas informações, mas provêm da propaganda de ambos os lados. Ninguém está certo do que está acontecendo. Esta é a maior dificuldade, porque quando somos capazes de compreender qual é o problema, também somos capazes de enfrentá-lo. A outra coisa certa é que todo o povo sofre. O sofrimento é geral. Estou falando dos sírios normais, não dos extremistas de ambas as facções. Todos sofrem e não se pode ter uma visão maniqueísta dos acontecimentos: bons e maus. É uma bagunça. Ninguém sabe como será o futuro. Os sírios perderam o sorriso.

Quantos são os refugiados sírios?
Segundo as Nações Unidas, haverá entre 3,4 a 4 milhões de migrantes dentro da Síria e cerca de 2 milhões de refugiados nos países vizinhos. É quase 30% da população síria. Mas a estes números juntam-se o daqueles que são atingidos pela guerra e vivem abaixo da linha de pobreza: entre 2,5 e 3 milhões. Quanto aos mortos, não há estatísticas precisas. A ONU fala de 110 mil vítimas, mas podem ser 150 mil. Sem falar dos que desapareceram: prisioneiros, raptados ou simplesmente desaparecidos.

O que fazem para ajudar os refugiados e os migrantes?
Ajudamos cerca de 17 mil famílias na Síria: em Damasco, Homs, Aleppo e no litoral. Destas, 80% são muçulmanas. Temos cozinhas que servem refeições quentes a 17 mil pessoas em Aleppo e a outras 5 mil pessoas na região rural de Damasco. Distribuímos colchões, cobertores, roupa. Damos assistência a cerca de 12 mil doentes. Outra frente do nosso trabalho são as atividades psicossociais, sobretudo com as crianças que sofrem as atrocidades da guerra.

Em relação aos cristãos, passou a existir uma autêntica perseguição.
Ninguém tem o monopólio do sofrimento, todos os sírios sofrem por causa do aumento do fundamentalismo islâmico. Os cristãos estão preocupados com todo o povo sírio. Para dizer a verdade, não são alvos diretos. Só o são nas zonas dominadas pelos grupos radicais. É verdade que são o aro frágil da sociedade e sofrem as atrocidades que todos sofrem, mas neles o impacto é maior porque se encontram distribuídos pelo país e são uma minoria em qualquer lugar. A questão é que os cristãos que fogem da Síria mostram aos outros cristãos que há motivos para fugir. Isto corre o risco de se tornar um círculo vicioso.

A Síria está irreconhecível em relação ao que era dois anos atrás.
Pode tornar-se como a Coreia do Norte ou a Somália. Não tenho nada contra estes dois povos, estou falando do modelo de Estado. De acordo com os extremistas de ambas as partes, o objetivo é aniquilar o adversário. O regime quer o controle total de todo o território sírio, mas nunca o conseguirá. Do outro lado, o objetivo é impor uma visão da sociedade exclusiva e extremista. Mas é impensável que assim seja. Ambos os projetos só são realizáveis em zonas circunscritas da Síria, não em todo o território.

Como é que se pode sair disto?
Se não se convencerem de que, aconteça o que acontecer, todos sairão perdendo, a violência continuará ainda por muito tempo e não conseguiremos nos sentar ao redor de uma mesa para dialogar e decidirmos juntos o futuro do nosso país.

A violência piorou nos últimos seis meses? Por quê?
Pela mesma razão que referi primeiro, sobre o ataque americano: a violência produz violência. Também isto é um círculo vicioso. Quando eu perco filhos, pais, familiares de forma violenta, a minha reação será ainda mais violenta e matarei crianças, pais e familiares dos meus adversários.

Os cristãos sentem a proximidade da Igreja universal ou sentem-se abandonados ao seu destino?
Não, pelo contrário: sentimo-nos muito apoiados. Apoiados pela oração, pelos vários apelos, pela oração do Santo Padre… Também as outras igrejas rezam por nós. E sentimos as orações como sendo não só para os cristãos, mas para todo o povo sírio. Ao mesmo tempo, temos todo o apoio das organizações internacionais católicas como a Cáritas internacional. A ajuda chega para os cristãos, mas também para os outros sírios.

De que forma a comunidade cristã mudou nestes meses de guerra?
Diria que agora estamos mais unidos como povo de Deus. Entre as diversas comunidades e as diversas igrejas. Somos capazes de trabalhar juntos, entre católicos e ortodoxos, católicos de diferentes ritos e ortodoxos de diferentes ritos. Entre clero e leigos. Entre as várias paróquias, as várias dioceses. Tentamos ajudar o povo de Deus juntos. Os membros da nossa equipe pertencem a diferentes comunidades cristãs, mas também há muçulmanos. Este é o lado bom da crise que estamos vivendo.

Quando reza pelo seu país, o que pede?
É muito simples. Digo a Jesus: estamos cansados, pedimos a paz. Quando penso na situação de uma forma pragmática, digo-me que não há nada a fazer. Mas quando olho para a situação com os olhos da fé, digo-me: há muito a fazer. Ele está conosco, de outra maneira não conseguiríamos continuar.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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