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Passos N.152, Outubro 2013

ASSEMBLEIA / La Thuile

Vistes o amor da minha alma?

por Paola Bergamini

“Como se faz para viver?”. E “o que nós estamos fazendo no mundo?”. A Assembleia Internacional reuniu em La Thuile 450 responsáveis do Movimento, de 74 países. Cinco dias que foram a “experiência” daquilo que responde a essas perguntas: uma Presença. A única capaz de iluminar a vida. Assim como aconteceu com Maria Madalena

"Vistes o amor da minha alma?". A passagem do Cântico dos Cânticos, que Carrón leu no final da primeira noite em La Thuile, me deixou sem fôlego. Está na liturgia da festa de Maria Madalena. Não esperava por isso. Releio o título desta Assembleia Internacional de Responsáveis de fim de agosto: "Como se faz para viver?".
Com uma pergunta dessas não há pensamento, ou opinião que nos sustente. O que pode sustentar é só a experiência que é feita dentro das circunstâncias da vida. Certamente podemos procurar a resposta em um reconhecimento externo, na própria capacidade, mas desse modo a vida se torna esquizofrênica. Talvez de manhã esteja tudo bem, mas qualquer coisa imprevista é suficiente para acabar com o dia. Ou então, o acontecimento de Cristo, irrompendo, dá unidade e o cêntuplo. Uma novidade que ilumina a vida inteira. Até agora, tudo faz sentido, consigo acompanhar. Mas, depois, vem aquela frase – "Vistes o amor da minha alma?" – e intuo que o ponto está ali, naquele "ver", buscar "o amor da minha alma". Todos os dias, em todos os momentos deixar-se surpreender. A ponto de não poder manter para si mesmo e querer comunicar a todos. É a verificação da fé. No final, Carrón pergunta: "O que estamos fazendo no mundo? Que experiência fizemos nos últimos meses?". O desafio é lançado para a assembleia do dia seguinte.
Quando voltei para o hotel, conheci Noha, uma egípcia de Alexandria. "Encontrei o Movimento há cinco anos e estou feliz porque me ajuda a ver o que está por trás das coisas". Está preocupada com a situação no seu país. Ela me diz com simplicidade: "Reze por mim." A única coisa que podemos fazer. A única útil.

O braço levantado. Manhã de domingo. Depois das Laudes, ressoam as notas da canção inglesa Give-me Jesus (Dê-me Jesus): "Você pode ter o mundo inteiro, mas dê-me Jesus". Carrón repete a pergunta: "Onde encontramos uma resposta para a urgência da vida? O já sabido não responde". A vida está em outro lugar. As mãos se levantam. Pessoas querendo testemunhar, fazer perguntas sobre coisas que estão acontecendo, dentro das dificuldades, dos eventos bonitos e até das incompreensões.
Às vezes, levantamos o braço para nos defender, para não sermos esmagados pela realidade. O que nos salva do medo? O fato de que antes fomos desejados e amados. Estamos juntos e nos ajudamos nesse caminho. Levamos isso para os que nos encontram. Não as nossas obras, o nosso fazer, mas o reconhecimento de uma Presença, que muda a nossa vida. Um empresário, quando se apaixona, será que leva a namorada para conhecer a sua empresa? O exemplo de Carrón não deixa dúvidas.
Às vezes, há o sofrimento, ou pior, o escândalo por uma posição pública não compartilhada, por causa dos erros cometidos. Mas "estas são migalhas". se não conseguimos levantar os olhos para ver qual é a novidade que Jesus trouxe ao mundo "A verdade não é um consenso ou um acordo, mas uma evidência". Seguir a experiência é desconfortável, corre-se sempre o risco de querer possuí-la, de querer defini-la. Mas a realidade vai além das nossas iniciativas e dos nossos projetos.
Como aconteceu no caso do Meeting de Rímini. Basta ler os artigos publicados na imprensa italiana durante a semana de eventos. É outro assunto que Carrón coloca e por isso são distribuídas cópias de alguns destes artigos. O encontro para falar sobre isso será depois do jantar: alguns amigos falarão sobre o impacto inesperado que o Meeting teve sobre os palestrantes convidados para falar sobre diversos temas. Desde o Primeiro-ministro da Itália até o cientista mundialmente reconhecido. E também aqueles que, simplesmente como voluntários, regaram as plantas ou limparam as mesas. Nenhuma ideologia teria mudado suas vidas desse modo.
Na hora do almoço, Mauro, um italiano que se mudou para a Bélgica, me diz: "A exposição sobre a Eucaristia que realizamos foi realmente uma surpresa para todos nós. Mas você precisa pedir para Paul lhe contar o que aconteceu com ele nos últimos meses, durante sua viagem à Índia quando foi recebido como ‘presidente’ de Comunhão e Libertação!". Paul, sentado à minha direita, sorri. Anos atrás, através de alguns universitários italianos que estudavam em Bruxelas, ele conheceu o Movimento. "Era o que eu sempre tinha buscado e desejado". Nunca mais se afastou. Hoje, com quase 60 anos e seis filhos, tem o olhar de uma criança. "Depois, no bar, tomamos um café e lhe conto a história. Iaia também virá, assim, pode traduzir quando as palavras em italiano não me vierem". Todos os anos, na Assembleia Internacional, acontece o mesmo milagre: o testemunho simples da vida abraçada por Cristo. É uma paixão que se torna carne. Acho que essa é a beleza do meu trabalho e gostaria de ter sempre um gravador nas mãos para não esquecer nada. E a história de Paul deve ser publicada em breve.
A tarde é dedicada a um diálogo sobre o livro O poder dos sem poder, de Vaclav Havel (ainda sem tradução para o português). Marta Cartabia, que é juíza do Tribunal Constitucional da República Italiana, descreve toda a atualidade deste livro. Porque o poder não é algo que diz respeito apenas à esfera política ou econômica, mas investe a pessoa quando o eu se contenta com as migalhas. Mas há sempre a possibilidade de que alguma coisa nos desperte. Como aconteceu com o quitandeiro descrito por Havel. O teólogo ortodoxo Aleksandr Filonenko tinha dez anos quando o livro foi publicado. A então União Soviética vivia sob o regime descrito pelo escritor tcheco. No entanto, viu exemplos de liberdade no "estilo quitandeiro".
À noite, sentada na poltrona, decidi que queria 10 minutos de descanso absolutamente solitário. “Então você está aqui?”. Eu me volto. É meu amigo Guido, dos Memores, que mora em Los Angeles há vinte anos. Trocamos um longo abraço. Só nos vemos nessa ocasião e sempre me surpreendo ao vê-lo tão feliz com a sua vida. Reflexo da amizade com Jesus. Ele me conta um pouco sobre sua comunidade nos EUA e ali no salão do hotel é bonito observar pessoas de nacionalidades diferentes, culturas e lugares tão distantes, tentando se comunicar em diferentes línguas para contar a beleza que vivem pelo seguimento do carisma de Dom Giussani.

A humanidade que vibra. Segunda-feira foi um dia que ninguém esperava daquele jeito. Carrón releu a passagem do Cântico dos Cânticos que fala de quando Maria Madalena foi ao túmulo buscar "o amor da minha alma", chora ao ver o túmulo vazio, e nem reconhece Jesus. Até que Ele a chama pelo nome: "Maria!", e naquele momento ela o reconhece. Sua busca encontrou descanso. Sua humanidade vibra ao som do seu nome. Como aconteceu com Zaqueu, com Mateus, com cada um de nós. É Deus que se inclina, nos chama e preenche o coração. Basta dizer, como ela: "Mestre!", "Aqui estou". É uma presença que entra na história, na história de cada um. É a resposta à pergunta "como se faz para viver?".
Olho em volta: alguns fecham o caderno sem anotações a fim de não perder a intensidade desse momento. Carrón continua. Chamados pelo nome no encontro com o Movimento descobrimos a nossa identidade, que é nos identificarmos com Cristo. Somos novas criaturas, originais e esta experiência viva de Cristo traz à luz um gosto para a vida e o florescimento da alegria. É o que um amigo me disse: cristãos são pessoas como todas as outras, mas um pouco mais felizes. Carrón nos acompanha em um caminho vertiginoso, porém totalmente humano. A nossa novidade é que carregamos em nós, no relacionamento mútuo, portanto na nossa unidade, essa Presença, agora. E quando isso acontece enche a vida de alegria, e é a única possibilidade de geração. "A alegria é como a flor do cacto que, na planta cheia de espinhos, gera uma coisa bela".

O isqueiro aceso. Penso em Madalena, a prostituta; em Mateus, o cobrador de impostos; em Zaqueu, o publicano. Cristo nos toma como somos.
Após o almoço, há a apresentação da biografia de Dom Giussani que depois de cinco ano de trabalho finalmente está sendo publicada em italiano. Mas apresentação não é a palavra certa. O autor Alberto Savorana, Carlo Wolfsgruber e Javier Padres falam daquele homem para quem Cristo era tudo. Aquele amigo que acendeu o isqueiro no quarto escuro de suas vidas, "devolvendo-me a mim mesmo". Sem falar de uma lembrança nostálgica, nos ajudaram a conhecê-lo. E quando Savorana leu uma das últimas cartas: "Nós nos levantamos pela manhã, para ir à missa, para sermos cuidados, para ir trabalhar, para os filhos... nos levantamos por causa de uma explosão em nós mesmos do fato de Cristo", para mim, parecia que ele estava sentado ao meu lado.
Michael e Paul, jovens holandeses que viram Dom Giussani apenas em vídeo, têm a mesma impressão, a mesma comoção, sem qualquer nota sentimental.
Terça-feira de manhã, céu claro, mas a previsão é de chuva. Mesmo assim, saímos para um passeio. No alto da montanha, durante a missa padre Michele fala da paciência de Santa Mônica, de quem é a festa, que pedia incessantemente a Deus pela conversão do filho: Santo Agostinho. Após o almoço, cantos de montanha. Perto de mim, Jaqueline, de Camarões – leio no crachá pendurado no pescoço – sussurrando as palavras, estende o papel com as letras das músicas para Marta, a solista italiana de voz esplêndida. Esse gesto tão simples parece-me como um ato de caridade fraterna. A chuva chega quando estamos descendo.
À tarde, nos reunimos para a assembleia. Como testemunhar essa novidade de vida nova? Carrón adverte: é preciso "penetrar e limpar" a palavra "presença". O testemunho é comer, beber, viver, morrer de uma forma diferente. O cristianismo é um acontecimento que faz você se surpreender fazendo as coisas habituais de uma maneira nova. Por isso, mesmo estando distantes geograficamente, estamos próximos.
Última noite: assistimos ao vídeo do discurso do Papa aos bispos da Conferência Episcopal da América Latina durante a Jornada Mundial da Juventude. Papa Francisco lê o discurso escrito, mas muitas vezes acrescenta exemplos simples para se explicar melhor. Com aquele ímpeto que nos últimos meses temos visto e ouvido e que nos fez senti-lo cada vez mais próximo. Adverte sobre a tentação que enfraquece o testemunho: reduzir o acontecimento de Cristo a esquemas, projetos, mesmo que sejam bons.

O opróbrio da vida. “Como seria uma manhã sem poder encontrá-lo? Choraríamos, como Maria Madalena”. Carrón começa assim a síntese desses cinco dias de grande intensidade, nos quais cada um experimentou o que significa responder à pergunta: “Como se faz para viver?”. O opróbrio da vida – a solidão, a tristeza, as circunstâncias difíceis – é amenizado pela presença de Cristo que, amando-nos, faz novas todas as coisas. Através da ligação com a Igreja e dos sacramentos Ele se faz contemporâneo a nós. Isso nos torna novas criaturas. Isso nos dá novos olhos para olhar. Até o nosso rosto brilha, a tal ponto que os outros percebem. Esta é a nossa utilidade no mundo: uma presença na realidade que perturba o ambiente. É o testemunho luminoso e alegre da fé que ilumina a vida de quem o acolhe. A escuridão só pode ser derrotada pela luz. Por menos do que isso não se vive, apenas se sobrevive.
No final, os avisos e a paródia encenada. Depois, no pátio, as despedidas. Um ônibus sai diretamente para o aeroporto de Milão. As pessoas precisam voltar logo para seus países. As férias acabaram e é preciso retomar o trabalho. Mas, antes, desejam abraçar a esposa ou o marido, olhar os filhos, fazer com que participem da beleza que viveram. “Não sou mais a mesma”, afirma Rosângela, pronta para voltar ao Rio de Janeiro.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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