AFINAL, O QUE NOS AJUDA A VIVER?
Caro Carrón, recentemente vivi um período em que precisava de tudo: recuperar a saúde (fui operado do coração), ver minha mulher e meus filhos (fiquei um tempo hospitalizado), encontrar um trabalho (no dia em que comuniquei que seria hospitalizado, fui dispensado no ato, com sete filhos e minha mulher desempregada), precisava também da ajuda dos amigos (que nesse período difícil fizeram inclusive minha mudança de casa). No entanto, embora eu precisasse de tudo, descobri que a minha necessidade mais verdadeira não era a solução das várias preocupações, ou a resposta a cada uma das minhas exigências, das minhas dúvidas e incertezas. Quando fui operado pela primeira vez e acordei da anestesia, era como se tivessem me arrancado da minha vida anterior (uma vida igual à de tantos outros) e levado para um lugar novo, mas tendo diante de mim uma enorme subida. Tive que aprender tudo de novo. Reaprender a respirar, como um recém-nascido, mas com a consciência de alguém que tem 48 anos; e também a falar. E ainda buscar um novo emprego, no pior momento desta crise geral, partindo do zero, como se tivesse que deixar de lado toda a experiência feita nos empregos anteriores. No entanto, a grande pergunta que foi ocupando espaço dentro de mim, a necessidade verdadeira que emergiu foi uma só: por quê? O cirurgião que me operou, e que cuidou de mim como um verdadeiro amigo, me disse: “Com a situação tão comprometida que encontrei, você não deveria estar aqui, deveria ter ficado na Rússia” (onde tive o infarto). E, então, por que estou aqui agora? Aquilo que aconteceu comigo e todos aqueles que me acompanharam nas mil necessidades que tive, me deram um presente muito grande, me ajudaram a me questionar: por que uma segunda chance, para fazer o quê? Essa é a minha verdadeira necessidade, e deixando aberta essa ferida percebi que estava olhando para toda a estrada que precisava percorrer, sem me fixar na subida; aliás, me dei conta de que já a estava percorrendo. Mas basta isso para viver? Eu me pergunto isso hoje, porque é verdade que essa tensão desaparece logo. Então, que ajuda podemos nos dar? Respondo com as palavras e a sensibilidade de uma amiga com quem nos encontramos há alguns anos. Minha mulher foi vê-la e ela dizia: “Como foi bela a Escola de Comunidade de quarta-feira”. E minha mulher: “O que é que aconteceu?”. E ela: “Porque ali aconteceu aquilo que eu tinha ouvido na missa de manhã (era o evangelho dos discípulos que pedem a Jesus: Diga-nos se você é o Messias, e ele: Olhem os sinais da realidade, e respondam vocês mesmos). O Movimento, hoje, usa conosco o mesmo método que Jesus usava com os seus. Aliás: Jesus hoje se torna presente com o mesmo método que usava dois mil anos atrás”.
Chino, Milão (Itália)
A BELEZA É A NOSSA PRIMEIRA AMIGA
Durante a JMJ, nem o Papa, nem a situação que vivemos no Rio pouparam ninguém. Os dois primeiros desafios eram não se render à instintividade ou à reatividade. Viver junto com 600 pessoas tomando banho frio às 6h da manhã, usando banheiro químico, olhar para os rostos amarrotados de manhã e não poder visitar a cidade maravilhosa como cada um queria, impunha a mim retomar o significado maior de estar ali, e isso foi maravilhoso. Principalmente porque toda manhã acontecia um encontro com pessoas que nos ajudavam a caminhar. Por isso, respeitar os horários foi uma das possibilidades para ver a beleza que eu e outras pessoas estávamos vivendo. De vez em quando parecia que já havia acontecido tudo, que já tínhamos visto muito, quando, de repente, padre Julián, que estava nos guiando, percebia nossa instintividade e nos acordava com a pergunta: “Onde você viu Cristo hoje?”. Pronto, era como tirar o chão da ilusão em que começávamos a pisar. Tudo se modificava, me surpreendia novamente. Parece que depois dessa pergunta, Julián se deu conta que o mais importante era que prestássemos atenção nas perguntas que o Papa nos fazia. Então, a partir daí, foi uma efervescência de acontecimentos. A realidade parecia se abrir em seus segredos mais íntimos. Tudo, todas as dificuldades, limites, ficavam grãos, eram pó diante do acontecimento que estava à frente dos meus olhos. A realidade se tornou tão saborosa que tomar banho às 6h da manhã era normal. A vontade que eu tinha era a de ler minuciosamente cada palavra que o Papa nos disse. Para a assembleia final entre nós, Julián pediu que escolhêssemos a pergunta feita pelo Papa que mais nos provocou. Tentem imaginar 600 pessoas, com todas as incoerências que somos, caminhando juntas, rezando o terço: um povo. Ao chegar ao local escolhido, no Aterro do Flamengo, sentamos na areia e ficamos, repito, 600 pessoas, em silêncio. Era tão impressionante, que um jovem não pertencente ao nosso grupo, que nos observava, quis falar na assembleia. A pergunta que mais me impressionou foi esta: “O que a Cruz ensina para a vida?”. Ela me permitiu retomar vários anos, desde o meu primeiro encontro com o Movimento, com Cristo. Era fato que às vezes queria estar com alguns amigos adultos ao invés de ficar perto dos amigos colegiais, mas foi com Daniel Rocha, colegial, que tive uma conversa de homem. Falávamos de como nos demos conta do encontro que fizemos. Ele me ajudou a entender mais as perguntas que Julián fazia a todos. Em uma das manhãs acordei às 5h, tenso por causa do frio (até os ossos doíam) e das preocupações: alguns colegiais que não seguiam as propostas dos gestos, a minha filha que não dormia por causa do frio, as contas a pagar. Isso parecia ter um tamanho muito grande. Levantei rezando como sempre faço. Vi na saída do dormitório, Andrea, um amigo que não via há alguns meses. Fui até ele querendo lhe dar um abraço. Ele não deu tempo para isso. Pediu-me ajuda para o carro entrar com os pães. Comecei a ajudar. Tudo rápido. Era sexta-feira. Continuei na cozinha porque precisavam de voluntários. No sábado voltei para lá, apesar de, na minha cabeça, isso não proceder: “Já ajudo, cuido dos colegiais”. Mas Arlindo chega e me convida: “Vamos para a cozinha?”. Só balancei a cabeça positivamente. É quase sempre assim que as coisas verdadeiras entre amigos são ditas. Ali, nesses dois dias, eu entendi o que é a potência de uma presença e que é Cristo que toma a iniciativa e nos tira da mesquinhez de nosso mundinho. Ver Andrea, ir para a cozinha, conversar com Daniel, escutar Julián e encontrar o Papa eram a mesma coisa: o encontro com a Presença que nos arrebata. Foi isso e um pouco mais que a Cruz me ensinou e ensina.
Marcelo Belga, Belo Horizonte (MG)
MEETING/ NÃO PERDER A ESPERANÇA
Caro padre Carrón, este ano, com o Meeting já começado, eu ainda não havia decidido se iria ou não. Aliás, como eu estava dominada por um sentimento de solidão, que em certos períodos do ano se torna mais forte, tinha a tentação de permanecer na escuridão, sem vontade de ir à Rímini. Depois, um amigo a quem eu contei o que estava sentindo, me disse: “Depende de você sair dessa situação, você tem tudo de que precisa para fazê-lo”. Assim, comecei a refletir sobre o que o papa Francisco disse em várias ocasiões, que não devemos deixar que nos roubem a esperança. A minha experiência me diz que, em geral, quem tenta me roubar a esperança não é alguém ou alguma coisa externa, mas sou eu mesma. Então, decidi ir ao Meeting, tentando entender melhor o que é essa esperança e aprender o caminho para não deixar que a roubem de mim. A mensagem do Papa, os encontros dos quais participei, as exposições que visitei e os amigos que encontrei me mostraram que esperança tem a ver com a possibilidade concreta de ser feliz no quotidiano, não importa como ele é. Se fico esperando tempos melhores para ser feliz, corro o risco de sufocar e perco o melhor, que sempre acontece agora. O belo é que não se trata de um esforço para ser otimista a qualquer custo (eu não seria capaz disso), mas do simples reconhecimento de que o encontro com o que me realiza é possível no hoje, mesmo na circunstância mais dramática. Porque Ele está sempre presente e pode ser visto de muitas maneiras; e veio para ficar, não é que desaparece se a circunstância for dura ou se não acontece aquilo que desejo. Mas sozinha eu não conseguiria enfrentar assim todas as circunstâncias da vida: graças a Deus há a Igreja, que com os sacramentos, o magistério do Papa, o carisma do Movimento e a companhia dos amigos me convida a levantar a cabeça, me corrige, me encoraja a recomeçar sempre.
Valeria, Monza-Brianza (Itália)
HUELLAS NO ESCRITÓRIO
Em dezembro do ano passado assumi a responsabilidade pela revista Huellas (Passos em espanhol). Inicialmente eu a entendi como uma questão meramente organizativa, mas aconteceu que, por vários motivos, não pudemos vender os números de abril e maio na igreja de São Luís, onde a vendemos, em geral, com adultos, jovens trabalhadores e universitários. Vendo que os exemplares encalhavam, comecei a oferecê-los às pessoas que entravam no meu escritório. Inicialmente a minha ideia era só vendê-los, mas depois se tornou uma ocasião para propor o caminho que faço no Movimento há quinze anos. Eu falava da importância da revista, fazia comentários sobre alguns artigos e isso me obrigou a lê-la, para poder dizer quais eram os temas de cada número. Uma pessoa, vendo a revista, disse que a estava procurando, e assim comprou não só um exemplar para si, mas outros para suas empregadas, explicando-lhes a importância da revista. Outra pessoa que havia comprado um só exemplar, ao voltar no outro dia e vendo que ali estava à disposição também o número de maio, pediu dinheiro emprestado para poder comprá-lo. Numa outra ocasião, uma senhora tomou a revista e me disse que iria comprá-la para me ajudar nas vendas. Eu lhe disse que não deveria comprá-la para me ajudar, mas para que pudesse ser de ajuda para a sua vida. Durante muito tempo pensei que, no meu trabalho, seria difícil propor a estrada que estou fazendo e que a minha responsabilidade em Huellas era uma coisa pequena. Ao invés, diante da realidade e graças a um diálogo com o padre Leonardo, ficou evidente para mim que o que vivo é tão verdadeiro para a minha vida que me leva a propô-lo aos outros. Entendi que não existem responsabilidades pequenas aos olhos de Cristo. O modo de propô-Lo, que antes era um planejamento ou uma questão estratégica, se tornou algo muito mais simples: partir da minha adesão à realidade e à verdade do caminho que estou percorrendo junto com meus amigos.
Martin, Merida (Venezuela)
A CAMINHO DA DESCOBERTA DELE
Foi a segunda vez que fiz a Peregrinação a Czestochowa, na Polônia. Foi a segunda vez que recebi a graça de vê-Lo entre nós. Na mensagem para os peregrinos, Carrón nos escreveu: “A peregrinação é para pedir a fé”; e mais: “Se você voltar para casa, de Czestochowa, tendo experimentado a fé como uma experiência presente, como o reconhecimento da presença d’Ele, seria o maior dom para continuar a viver”. Eu recebi esse dom. Três coisas me comoveram: 1) O silêncio. Durante a caminhada era o momento mais difícil porque, enquanto a gente conversa com os amigos, enquanto está cantando, todos juntos, enquanto se recitam as Laudes ou o Rosário, enquanto ouve atentamente o trecho da lição do dia, não está concentrado no cansaço. Mas quando era pedido o silêncio, eu sentia um grande cansaço nas pernas. Mas era o momento mais lindo e mais útil da jornada: era o momento privilegiado em que se toma consciência das coisas que nos foram dadas, das coisas que acontecem sem que estejamos preparados ou que tenham sido planejadas por nós. Era o momento em que eu me sentia totalmente necessitada: “O que percebemos como mais necessário, se não a necessidade de uma presença que nos acompanhe ao longo da estrada da vida?” como escreveu padre Carrón. Era o momento de pedir essa presença para si mesmo e de entrega completa. 2) A fraternidade: no folheto de apresentação da peregrinação, que nos foi dado na chegada em Cracóvia, estão elencadas as características de um peregrino; entre elas, uma despertou o nosso sorriso, no primeiro momento: “Estejamos abertos uns aos outros, chamando-nos de irmão, de irmã, e ajudemo-nos mutuamente”. Essa irmandade eu a vivi pessoalmente. In primis com alguns colegas do curso de Engenharia:: nós, responsáveis pela cozinha, diferentemente dos anos anteriores, conseguimos caminhar todas as etapas porque contávamos com a ajuda dos outros, que se preocupavam em descarregar nossas mochilas e montar as nossas barracas, para que nós nos ocupássemos logo em preparar o jantar. Senti que tínhamos à nossa volta irmãos e irmãs, porque na liberdade de responder ao nosso pedido de ajuda disseram sim (nós teríamos que caminhar uma etapa a menos por dia, se tivessem dito não). 3)A humildade. Nas primeiras noites de caminhada, terminado o jantar, todos aplaudiam quando eram citados os nomes dos outros dois responsáveis pela cozinha, pelo êxito do jantar: o meu nome era omitido, e isso me incomodava. Mas logo ficava ainda mais incomodada com essa minha pouca humildade. Falando disso com um dos padres que nos acompanhava, ele me fez notar que é exatamente isso que se dizia este ano na Escola de Comunidade, sobre a dependência do êxito. Teria sido bom se tivessem reconhecido o mérito do esforço que eu havia feito, mas não era por isso que eu o fazia: eu o fazia para a Sua glória. Essa perspectiva mudou completamente a minha atitude: aumentou o meu desejo de que todos ficassem contentes com a comida, que também os oito da secretaria, que recorreram a nós pedindo a marmita do almoço a recebessem antes de ir dormir, e não me importei mais com o aplauso dos outros. E na última noite, a única em que me desliguei um pouco e a única coisa que preparei foi o doce, me aplaudiram. E fiquei comovida. Voltei para casa trazendo nos olhos a imagem negra de Nossa Senhora de Czestochowa, na cabeça as palavras que ouvi e no coração os rostos que encontrei (ou re-encontrei) nesses dias. Pronta para recomeçar (pela segunda vez) a caminhada da minha vida quotidiana, certa da “presença presente” d’Ele.
Serena, Bresso (Itália)
ESCOLA DE COMUNIDADE NO BAR. Caro padre Carrón, há cerca de um ano, durante nossas férias, encontramos Matteo e Angela, que moravam juntos e tinham um filho, e nos tornamos amigos. Durante esse ano, eles se casaram, dizendo que se não tivessem encontrado essa companhia não o teriam feito, não estava no projeto deles. De vez em quando começamos a nos encontrar, ao final do trabalho, num bar onde eles estavam acostumados a ir, para trocar ideias e julgar o que acontecia. Nasceu, assim, uma pequena Escola de Comunidade, não projetada, mas que aconteceu. Isso está gerando outras amizades, com os jovens do bar, tanto que nos convidam para os seus aniversários, embora tenhamos vinte anos a mais do que eles. Eu não sei o que vai acontecer, o que será gerado, mas agora a evidência da presença d’Ele é impressionante e incalculável, e nós, eu, estamos agarrados a essa Presença que sempre gera novidade.
Francesco, Parma (Itália)
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón