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Passos N.160, Julho 2014

RUBRICAS

Cartas

POR AQUELA ESTRADA QUE LEVA AOS EXERCÍCIOS
O convite para participar dos Exercícios da Fraternidade fez surgir em mim muitas perguntas, entre as quais: “O que será que vou ouvir que já não tenha ouvido nos anos passados?”. Quando eu disse à minha mãe que eu faria uma viagem para ir aos Exercícios, ela me perguntou: “Qual estrada você vai pegar?”. Eu respondi: “Aquela que passa pelo Wukari”. Ela não conseguiu nem falar. É a mesma estrada onde homens desconhecidos assassinaram um parente meu, apenas uma semana antes. Mas ouvir Carrón naqueles três dias despertou o meu coração e a minha mente e me fez voltar à origem, da qual eu vivia separado, todo dia com medo, pensando que nunca me acontece nada de bom. Os poucos dias passados junto aos nossos amigos vindos de diversas partes da Nigéria dominaram toda a minha humanidade, dando-me de volta as razões pelas quais eu deveria ficar apegado ao essencial. Só o olhar d’Ele pode iluminar.Uma das coisas que jamais poderei esquecer desses Exercícios é o fato de que todos nós vivemos dificuldades que não foram poupadas nem a Jesus, nem a Dom Giussani. É como o olhar amoroso de uma mãe. Escutar de novo as palavras de Carrón me levou a retomar o caminho da vida, em vez de ficar à espera de um milagre. Reacendeu o desejo de caminhar, porque a viagem é que nos faz crescer na experiência. A companhia de Cristo nos foi prometida do início ao fim, e isso fez diminuir os meus medos. Ao passo que quando fico me lamentando ou preocupado, é porque me afastei do essencial.
Bitrus, Jalingo (Nigéria)

“FOI OLHADO, ENTÃO VIU”
Caros amigos, gostaria de partilhar com vocês algumas experiências. Depois de ter quebrado o pé, no ano passado, este ano Ele vem me dando outras lições. Desta vez tive uma lesão no joelho e precisei usar as muletas novamente. E de novo tenho que aprender a ter paciência e, deixando minha pretensão de autossuficiência, ter a humildade de pedir, esperar e aceitar ajuda. Mesmo assim, consegui ir aos Exercícios Espirituais, como no ano passado. As pessoas me ajudaram muito em ambas as ocasiões (principalmente minha mulher). Se o retiro do ano passado foi muito importante para o amadurecimento da minha fé (especialmente porque as dificuldades foram muitas), se ele foi importante para entender o que é o seguimento (e também o que não é), este ano estou tendo que aprender o que é o essencial. E a própria realidade me provoca a isso, mas, tendo sido este um chamado de atenção do Papa Francisco e do padre Carrón, fiquei mais atento. A realidade que vejo é o problema da minha doença, uma dificuldade de relacionamento no trabalho, o fato de estar há quase 10 anos sem promoção, o fato de além de cuidar de minha mulher e filhos, ter que ajudar a cuidar de minha sogra com Alzheimer e de meus pais, o que vem gerando dificuldades financeiras. A realidade da Copa do mundo está em evidência na mídia, mas os fatos que citei são a realidade que me cutuca todos os dias, e que me “quebra as pernas”. Meu grupo de Escola de Comunidade é realmente um grande apoio e depois dos Exercícios, um amigo do grupo sempre ficava relembrando o que foi colocado lá sobre os “Olhos de céu”. Depois, outro amigo con tou uma experiência de estar diante de alguém bem chato, e ali, diante desta pessoa, internamente ele pedia: “Senhor Jesus, me ajude a reconhecê- Lo nessa pessoa. Eu sei que o Senhor também está presente nela”. Esse testemunho me impressionou muito. Tendo retornado ao trabalho depois do afastamento de dois meses por doença, desta vez usando uma bengala, estou me readaptando ao trabalho. Reencontrei os colegas de escritório, assim como o colega com o qual temos dificuldades recíprocas há longo tempo. Outro dia, estando no refeitório da empresa, com minha bandeja de comida em uma mão e a bengala na outra, fui lentamente em direção às mesas para escolher um lugar para sentar. Avistei a mesa onde estavam alguns amigos. Nela também estava este colega. Na cadeira diante dele não tinha ninguém. Eu poderia ter escolhido uma outra cadeira, mas tendo me lembrado do testemunho de meu amigo de Escola de Comunidade, tomei uma decisão: vou sentar exatamente diante dele com quem tenho muita dificuldade. Assim fiz. Inicialmente as conversas eram partilhadas por todos, normalmente com o assunto de futebol e Copa do mundo. Mas aos poucos, com toda a dificuldade, olhei para ele e (internamente) rezei para que Cristo me ajudasse a enxergá-lo de outra forma. Quando me dei conta eu estava conversando somente com ele, e não era sobre futebol, mas sobre as nossas vidas, nossas experiências, por onde já passamos, os problemas de saúde, etc. Aos poucos, passei a ficar preocupado com alguns problemas que ele tinha e a forma com a qual ele estava cuidando deles. Passei a lhe dar alguns conselhos, realmente no sentido de tentar ajudá-lo. Meu olhar para com ele havia se transformado e eu me dei conta disso no final do almoço, quando ao nos levantarmos, ele pegou a minha bandeja. Naquela tarde, refletindo sobre o ocorrido, pude entender que meu colega mudou o olhar dele para comigo porque eu mudei meu olhar para com ele e ele percebeu isso, mesmo que não tenha entendido o porquê. Muitas vezes não conseguimos enxergar o essencial (Cristo) na realidade e nas pessoas, mas se pedirmos, Cristo muda o nosso olhar para tudo e para todos. Entendi isso graças a companhia das pessoas que me testemunham isso: meu acanhado grupinho de Escola de Comunidade. Acanhado no número de pessoas, algumas muito humildes, mas que me testemunham Cristo em seus rostos, especialmente quando olham para mim. E ainda mais quando me contam suas experiências. Eles me ajudam a ver e pedir os “olhos de céu” para mim também.
Vicente, Belo Horizonte (MG)

A ÚLTIMA RESISTÊNCIA
Caro padre Carrón, durante os Exercícios, na manhã de sábado, a palestra penetrou no meu coração como uma flecha. Todas as minhas perguntas mais profundas vieram à tona. Eu me dei conta da minha incapacidade de dizer um sim total a Deus. Depois falei com meu marido e com alguns amigos que me abraçaram e me disseram que essa minha tristeza é o lugar onde Deus pode agir, e é uma graça sentir essa tristeza e também oferecer a Deus essa minha última resistência. Afinal, é a única coisa que posso fazer. Voltei para casa agradecida e contente. Abracei os meus filhos de um modo diferente, plena de afeição, mas não por uma decisão minha, mas por gratidão e alegria.
Rada, Viena (Áustria)

COMPROMISSO DE TRABALHO
OS RESULTADOS MAIS BELOS? AQUELES NÃO PROGRAMADOS

Fui a uma conferência de trabalho na França. Fiquei impressionada pela conversa com um professor alemão (partimos do pôster onde estava descrita a minha pesquisa, mas depois conversamos por mais de meia hora). A certa altura, falando-me dele próprio, da sua história, me dizia que agora também se tornou melhor, as coisas correm bem, mas que o aspecto verdadeiramente fascinante do seu trabalho não é esse. Contou que os resultados mais belos são aqueles obtidos quase por sorte, sem programá-los, fazendo uma tentativa sem ter a mínima ideia do que seria obtido. “São os mais belos porque de outro modo já temos uma ideia e mesmo sem querer se força um pouco os resultados. Ao invés, quando não sabemos onde colocamos as mãos, a gente quer realmente compreender, não tem nada e está na expectativa de tudo”, dizia ele, e descrevia tardes inteiras na escrivaninha, cercado por três mil folhas. Fiquei muito marcada por encontrar num desconhecido aquela paixão pelo Mistério, pelo totalmente Outro. Nada corresponde melhor!Quem és Tu que vibras na humanidade de um desconhecido, num lugar aparentemente tão estranho, e voltas a me surpreender?
Benedetta, Perugia (Itália)

CUIDANDO DE VIDAS PRECIOSAS
Caros amigos, há alguns dias voltei de Nova York, onde fiz um breve estágio com a médica neonatologista Elvira Parravicini, cujo trabalho conheci por meio de uma reportagem de Passos, de julho de 2012. Sou estudante de medicina, de Ribeirão Preto, e recebi a reportagem de uma amiga querida, participante do Movimento. Há dois anos li esta reportagem sobre o trabalho de Dra. Elvira, em um grande hospital universitário de Nova York. Há alguns meses, entrei em contato com a médica, pedindo-lhe que me recebesse para um estágio. E fui aceito. Dra. Elvira é uma das responsáveis por uma unidade de terapia intensiva neonatal, onde são atendidos bebês com problemas de saúde graves, como prematuridade extrema, malformações renais ou cardíacas, síndromes genéticas. Há anos ela desenvolve um trabalho inédito, chamado “comfort care”. Este é um programa de cuidados paliativos para recém-nascidos terminais. Isto é, quando um bebê está gravemente doente e não existem mais recursos a serem buscados na medicina intensiva, todos os esforços são voltados para dar conforto à criança e permitir que ela fique o mais próximo possível de sua família. Na prática, existe um momento em que se sabe que cirurgias e intubações não aumentam o tempo de vida de um bebê doente, mas causam sofrimento. Essas ações são trocadas pelos braços dos pais, o encontro com os irmãos. Há lugar para coisas simples e felizes da vida, como um álbum de família. Pelo tempo que for possível, que pode ser dias, ou horas. Os cuidados médicos são voltados para melhorar a respiração, diminuir a dor e quaisquer necessidades de cada criança. Se o bebê precisar ficar internado, o hospital oferece um espaço com mais privacidade à família, para que todos se sintam mais confortáveis. Felizmente, apenas alguns poucos casos chegam a esta situação-limite. Apesar da frustração de não poder ajudar algumas crianças a ter uma vida longa, Dra. Elvira me conta que vale a pena: “Quase todos os pais me disseram algo como ‘você nos ajudou a sermos pai e mãe’”. Em um ambiente com forte incentivo para o aborto, ela conquistou a confiança de colegas médicos, que passaram a encaminhar a ela famílias que enfrentam a dura situação de gerar um bebê doente. E muitas famílias se permitiram gerar, receber e cuidar de seus filhos, graças ao apoio dado pela equipe. Além de uma especialista reconhecida, Dra. Elvira é sempre gentil e bem humorada com seus alunos e sua equipe no hospital. Fui convidado por ela para ir às reuniões do Movimento, em Nova York. Na Escola de Comunidade, ela também é tratada com um respeito especial. E permanece amável, capaz de se surpreender com as palavras dos colegas, e se antecipa a servir cada prato, nos jantares que acontecem após as reuniões. Tem a leveza de quem segue sua vocação.
Lucas, Ribeirão Preto (SP)

UM PONTO DE PARTIDA.
No final de março aconteceu uma tragédia em Manaus que matou 16 pessoas. Não conhecia nenhuma das vítimas daquele acidente, mas foi algo que chocou toda a cidade, pois foram pessoas que estavam voltando para casa e, de repente, acontece essa tragédia. Durante a semana, no curso de inglês, meus colegas se perguntavam sobre como eles poderiam sair de casa sem ter uma certeza de que iriam voltar e, no fim de semana, uma colega não quis sair de casa porque era tarde e tinha medo de não voltar para casa. Olho para a situação e vejo que assim como eles têm medo, eu também tenho medo. Mas o que me faz levantar da cama e ir enfrentar a vida é Cristo. A Escola de Comunidade me ensina o método para seguir esse Cristo. Ensinou-me a rezar e pedir sem medo, então sempre acordo e peço para que Deus me dê força para levantar e enfrentar a vida sempre partindo daquele olhar de Cristo por mim.
Luis Henrique, Manaus (AM)

MEMÓRIA
“OBEDECER AO MISTÉRIO NOS FAZ CRESCER”

Dia 5 de junho faleceu o padre Alberto Bertaccini. Missionário no Paraguai, depois no Equador e de novo em Assunção. A vida toda na obediência à missão da Igreja e do Movimento.

Tive a graça de conhecer o padre Alberto durante os anos que esteve no Equador (de 2008 a 2012) e de reencontrá-lo três semanas antes de sua morte, para uma visita aqui no Equador por ocasião dos Exercícios da Fraternidade. Estivemos juntos durante alguns dias como amigos, contando um ao outro quanto de essencial havíamos vivido nesses meses em que não tínhamos nos visto nem falado. Nesses dias, oramos, lemos e fizemos um passeio ao Cotopaxi, o vulcão que ele tanto amava. Em suma, ficamos juntos diante do Mistério. Estava mudado e falou-nos de si mesmo e recordava uma das últimas conversas que teve com o padre Julián Carrón: “Obedecer ao Mistério é a única coisa que precisamos fazer e que nos faz crescer”. E dizia isso um homem, sacerdote, de 60 anos, pleno de dores e sofrimentos, mas com grande desejo de caminhar, seguir, aprender, amar, ajudar e responder sem hesitação às circunstâncias que o Mistério o estava fazendo viver, mesmo no sacrifício. Tanto é que, vendo-o assim e vendo o bem que era para a minha pessoa estar com ele e o bem que ele era para muitas pessoas ao meu redor, e que, justamente naqueles dias tornara-se mais evidente aos meus olhos, comecei a desejar muito que um dia ele retornasse ao Equador. Mas o Senhor teve outros planos e, desde ontem de manhã, quando soube da notícia, sinto Alberto mais presente e companheiro do que antes, companheiro das minhas jornadas, das minhas alegrias e dos meus sacrifícios, justamente como Jesus. Se ele está com Jesus, então está presente como Jesus, como estão presentes misteriosamente aqueles rostos que, embora na distância física, são meus companheiros porque são testemunhas. Mas Alberto, agora, é mais. E Jesus foi o que ele nos deu, desde o início até o último instante. Na sua chegada, permanecendo sem remédios para o diabetes, em poucos dias tiveram que lhe cortar um dedo do pé: um fato que ele sempre recordava, como sinal da oferta total de si que queria viver ao vir para o Equador. Com as pessoas na paróquia, entre as quais Geovanna, uma moça de cadeira de rodas de cuja existência não sabia e, quando entrou para abençoar a sua casa, exortou dizendo: “Eis você, finalmente, eu a estava esperando!”, comovendo até às lágrimas a ela e à sua família, até se tornar um grande amigo, introduzindo na vida deles uma novidade e chegando a construir a rampa fora da igreja, para permitir que Geovanna recebesse a primeira comunhão. Ou com os indigentes, que encontrava pelas ruas, em suas longas caminhadas da paróquia até sua casa, em Guayaquil, tornando-se amigo de alguns deles. E os doentes e os mais necessitados, os últimos, dos quais se tornava logo um amigo, como Jesus. Com os amigos do Movimento, acompanhando-os como um verdadeiro pai, um a um, sem jamais se escandalizar dos pecados e do passado de muitos, mas abraçando a todos. Uma abertura, uma humildade e uma misericórdia infinita. “Ele estava pronto”, é o que desde essa manhã nos dizemos aqui, depois de tê-lo visto “mais” padre Alberto nessa última visita. E eu também, embora na grande dor que sinto, estou segura de que o modo como estivemos diante do Mistério e juntos nesta sua última visita, foi uma antecipação do que será no Céu e pela eternidade: amigos, isto é, juntos.
Stefania, Quito (Equador)

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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