Vai para os conteúdos

Passos N.160, Julho 2014

MAGISTÉRIO

Igreja mãe

por Papa Francisco

Aos participantes do Congresso Pastoral da Diocese de Roma. Segunda-feira, 16 de junho de 2014

Sinto-me feliz por estar no meio de vós. Sem dúvida, gostaria de dizer que gostei muito que padre Giampiero tenha mencionado a Evangelii nuntiandi. Ainda hoje, é o documento pastoral mais importante do pós-Concílio. Devemos beber sempre dele. Aquela Exortação Apostólica é uma fonte de inspiração. E foi o grande Paulo VI que a escreveu de próprio punho. [...] Para mim, é precisamente o testamento pastoral do grande Paulo VI. E não foi ultrapassada. É uma fonte de bem para a pastoral. Que seja sempre um ponto de referência!
Durante esse ano, visitando algumas paróquias, tive a oportunidade de me encontrar com muitas pessoas, que muitas vezes [...] me manifestaram as suas esperanças, as suas expectativas, junto com suas penas e seus problemas. Inclusive nas numerosas cartas que recebo a cada dia, leio sobre homens e mulheres que se sentem desnorteados, porque a vida é muitas vezes cansativa e não se consegue encontrar o seu sentido e valor. É acelerada demais! Imagino como é frenético o dia de um pai ou de uma mãe que se levantam cedo, acompanham os filhos à escola e depois vão trabalhar, muitas vezes em lugares onde existem tensões e conflitos, também em lugares distantes. [...] Muitas vezes todos nós podemos nos sentir sozinhos assim, sentir um peso que nos esmaga, e então nos perguntamos: mas isso é vida? Brota no nosso coração essa interrogação: como podemos fazer para que os nossos filhos, os nossos jovens, consigam dar um sentido à sua vida? [...]
Quando confesso os recém-casados, que me falam sobre os filhos, sempre pergunto: “Você tem tempo para brincar com os seus filhos?”. E muitas vezes ouço o pai responder: “Mas padre, quando vou trabalhar de manhã, eles ainda dormem, e quando volto à noite, já estão na cama, dormem”. Isso não é vida! É uma cruz difícil, não é humano. [...] Os jovens são órfãos de um caminho seguro para percorrer, de um mestre em quem confiar, de ideais que aqueçam o coração, de esperanças que sustentem o cansaço quotidiano do viver. São órfãos, mas conservam vivo no coração o desejo de tudo isso! Essa é a sociedade dos órfãos. Pensemos nisso, é importante. Órfãos, sem memória de família: porque, por exemplo, os avós foram afastados para casas de repouso, não têm aquela presença, aquela memória de família; órfãos, sem o carinho do hoje, com um afeto apressado demais: o pai está cansado, a mãe está cansada, vão dormir... E eles permanecem órfãos. Órfãos de gratuidade: aquela gratuidade do pai e da mãe que sabem perder tempo para brincar com os filhos. Temos necessidade de sentido de gratuidade: nas famílias, nas paróquias e na sociedade inteira. E quando pensamos que o Senhor revelou-se a nós na gratuidade, ou seja, como Graça, isso é ainda
mais importante. [...]
Jesus nos fez uma grande promessa: “Não vos deixarei órfãos!” (Jo 14, 18), porque Ele é o caminho a percorrer, o Mestre que devemos ouvir, a esperança que não decepciona. Não podemos deixar de sentir arder o nosso coração e dizer a todos, de modo especial aos jovens: “Você não é órfão! Jesus Cristo nos revelou que Deus é Pai e quer te ajudar, porque te ama”. Eis o profundo sentido da iniciação cristã: gerar para a fé quer dizer anunciar que nós não somos órfãos. Porque até a sociedade renega os seus filhos! Por exemplo, [...] pensem no que significa que 75 milhões de jovens na civilização europeia, jovens com menos de 25 anos, não têm um trabalho... Esta civilização deixa-os órfãos. Nós somos um povo que quer fazer crescer os seus filhos com essa certeza de que têm um pai, uma família, uma mãe. A nossa sociedade tecnológica – já o dizia Paulo VI – multiplica ao infinito as ocasiões de prazer, de distração e de curiosidade, mas não é capaz de levar o homem à alegria autêntica. Tantas comodidades, tantas coisas bonitas, mas onde está a alegria? Para amar a vida não temos necessidade de enchê-la de coisas, que depois se tornam ídolos; precisamos de Jesus que olhe para nós. É o seu olhar que nos diz: é bom que você viva, a sua vida não é inútil, porque a você foi confiada uma grande tarefa. Eis no que consiste a verdadeira sabedoria: um olhar novo sobre a vida, que nasce do encontro com Jesus.
O cardeal Vallini falou sobre esse caminho de conversão pastoral missionária. [...] A conversão não é fácil, porque significa transformar a vida, mudar de método, alterar muitas coisas e também transformar a alma. Mas esse caminho de conversão irá nos conferir a identidade de um povo que sabe gerar filhos, não de um povo estéril! Se nós, como Igreja, não soubermos gerar filhos, algo não funciona! O grande desafio da Igreja hoje é tornar-se mãe! Não uma ONG bem organizada, com numerosos planos pastorais. Sem dúvida, precisamos também deles. Contudo, eles não são essenciais, mas uma ajuda para a maternidade da Igreja. Se a Igreja não for mãe, é triste dizer que se torna solteirona, mas é isso que se torna. E assim não é fecunda. Como dizia Paulo VI na Evangelii nuntiandi, a identidade da Igreja é esta: evangelizar, ou seja, fazer filhos. [...] A fecundidade é a graça que hoje nós temos o dever de pedir ao Espírito Santo, para podermos ir em frente na nossa conversão pastoral e missionária. Não se trata, não é questão de ir à procura de prosélitos, não. [...] A Igreja – já nos disse Bento XVI – não cresce por proselitismo, mas por atração, por atração maternal, pela sua oferta de maternidade; cresce por ternura, para a maternidade, para o testemunho que gera cada vez mais filhos. Não devemos falar da Igreja “avó”, mas ela envelheceu um pouco... Temos o dever de rejuvenescê-la! [...] A Igreja torna-se mais jovem quando é capaz de gerar mais filhos. Estar na Igreja significa estar em casa, com a mãe; na casa da mãe. Eis a grandeza da revelação.
O individualismo leva-nos à fuga da vida comunitária, e isso faz envelhecer a Igreja. Vamos visitar uma instituição que já não é mãe; ela oferece-nos uma certa identidade, como a seleção de futebol: “Sou desta seleção, sou torcedor da católica!”. E isso acontece quando se verifica a fuga da vida comunitária, a fuga da família. Devemos recuperar a memória, a memória da Igreja que é povo de Deus. Hoje falta-nos o sentido da história. Temos medo do tempo, [queremos] tudo agora! Vivemos no reino do presente, da situação. Também nas comunicações: luzes, o momento presente, o celular, a mensagem... A linguagem mais abreviada, mais reduzida. Tudo se realiza depressa, porque somos escravos da situação. [...]
No presente pronunciarei uma única palavra: acolhimento. E mais uma, que vocês disseram: ternura. Uma mãe é terna, sabe acariciar. Mas quando nós vemos a pobre gente que vai à paróquia com este problema e com aquele, e não sabe como mover-se nesse ambiente, porque não vão com frequência à paróquia, e encontram uma secretária que repreende, que fecha a porta: “Não, para fazer isso o senhor deve pagar isto, isso e aquilo! E deve fazer isto e isso...”. [...] Também os sacerdotes, os párocos e os vice-párocos têm muito trabalho e compreendo que às vezes se sentem um pouco cansados; mas um pároco que é impaciente demais não age bem! [...]
As pessoas que se aproximam sabem, pela unção do Espírito Santo, que a Igreja conserva o tesouro do olhar de Jesus. Quanto a nós, devemos oferecê-lo a todos. Quando chegam à paróquia, que atitude devemos ter? Temos o dever de acolher sempre todos com um coração generoso, como em família, pedindo ao Senhor que nos torne capazes de participar nas dificuldades e nos problemas que muitas vezes os adolescentes e os jovens encontram na vida.
Devemos ter o Coração de Jesus que, “contemplando a multidão, encheu-se de compaixão por ela, pois estava cansada e abatida, como ovelhas sem pastor” (Mt 9, 36). Contemplando a multidão, encheu-se de compaixão por ela. Gosto de sonhar uma Igreja que viva a compaixão de Jesus. Compaixão é “padecer com”, sentir aquilo que os outros sentem, acompanhar nos sentimentos. É a Igreja Mãe, como uma mãe que afaga seus filhos com compaixão. Uma Igreja que tenha um coração sem confins, mas não só o coração: também o olhar, a docilidade do olhar de Jesus, que frequentemente é muito mais eloquente do que muitas palavras. As pessoas esperam encontrar em nós o olhar de Jesus, por vezes sem o saber; trata-se de um olhar tranquilo e feliz que entra no coração. Mas a paróquia inteira deve ser uma comunidade hospitaleira, não apenas os sacerdotes e os catequistas.
Temos o dever de repensar o nível de acolhimento das nossas paróquias, se os horários das suas atividades favorecem a participação dos jovens, se somos capazes de falar a sua linguagem e de ver inclusive nos demais ambientes (como, por exemplo, no desporto e nas novas tecnologias) outras possibilidades para anunciar o Evangelho. Tornemo-nos audazes na exploração de renovadas modalidades mediante as quais as nossas comunidades se tornem casas com as portas sempre abertas. Contudo, é importante que ao acolhimento se siga uma clara proposta de fé, muitas vezes não explícita, mas com uma certa atitude, com o testemunho: nesta instituição que se chama Igreja, nesta instituição que se denomina paróquia respira-se um ar de fé, porque nela se crê no Senhor Jesus. [...]
Pensemos na Igreja Mãe e digamos à nossa Mãe Igreja aquilo que Isabel disse a Maria, quando se tinha tornado mãe, à espera do filho: “Bem-aventurada és Tu, porque acreditaste!”. Desejamos uma Igreja de fé, que creia que o Senhor é capaz de transformá-la em mãe, de lhe conceder muitos filhos. A nossa Santa Mãe Igreja. Obrigado!

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

Volta ao início da página