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Passos N.161, Agosto 2014

VIDA DE CL/ América Latina

A primeira vez de Cuba

por Horacio Morel

Os Exercícios da Fraternidade na ilha caribenha. Em uma sociedade exausta, cruzam-se as vidas de Conrado, Orlenes, Alejandro, Nora... A educação ateia e a arrogância do poder não eliminaram a necessidade de sentido. E em um encontro acontece “a coisa mais simples do mundo”: o abraço cristão

Matanzas, ilha de Cuba. Sexta-feira, 16 de maio de 2014. Se a vida e o destino dos homens se jogam no tempo e no espaço, existem lugares e datas que adquirem um valor transcendente. Estamos aqui porque aceitamos um simples convite: “Venham comigo a Cuba”. A certeza que se baseia em trinta anos de caminho no Movimento e o pressentimento de estar diante de um fato histórico, mas, antes de tudo, a nossa sempre urgente necessidade cotidiana de rever Cristo nos fatos, trouxeram a mim e minha mulher, Claudia, até aqui, respondendo ao convite de Juliàn de la Morena, responsável de CL na América Latina.
São os primeiros Exercícios da Fraternidade que acontecem nesta ilha caribenha governada pelo castrismo da revolução de 1959, laboratório do coletivismo comunista, berço e fonte de inspiração para centenas de movimentos revolucionários espalhados pelo mundo.
O “monólogo” do Regime. A vida em Cuba não é fácil. Falta de tudo, o que existe é muito caro e muito acima das possibilidades econômicas das famílias, sobretudo daquelas que tentam viver procurando trabalhar honestamente. Um profissional ganha cerca de 30 dólares por mês, não mais. Desde o assim chamado “período especial”, quando foi interditada qualquer tipo de ajuda a Cuba como consequência da queda do império soviético, é frequente que por longos períodos se tornem escassos os bens de primeira necessidade. Carlos conta, por exemplo, que nos anos 90 foi obrigado a tomar banho durante meses somente com água porque não se encontrava sabonete.
O Estado continua a controlar tudo. A maior parte das pessoas não tem internet porque a conexão é cara e lenta e até os sites internacionais são bloqueados. Há uma fortíssima vontade política de isolar a população, numa época em que viver em uma ilha não constitui mais um obstáculo nem geográfico nem cultural. “Belo trabalho, Fidel”, proclama a pintura na Praça da Revolución no muro debaixo da imagem de Camilo Cienfuegos. A realidade desmente isso. A sociedade cubana – como tantas outras – está exausta, pobre de verdadeiros ideais comuns e, neste ponto, não acredita mais nos slogans revolucionários e no “monólogo” do Regime.
Aproximando-se da cidade (a 100 km da capital e com pouco mais de 150 mil habitantes), se avista da estrada uma enorme baía que foi palco de uma batalha sangrenta entre espanhóis e a população local (da qual deriva o seu nome, Matanzas), o porto e as baixas construções características da pequena cidade do interior. A igreja de São Pedro, de um lado, e a Catedral de São Carlo Borromeu, recentemente restaurada, do outro, destacam-se pela imponência e beleza entre as várias construções. Na Paróquia “A Milagrosa”, fomos acolhidos para os Exercícios no final de semana.
Novos rostos e novos nomes ocupam espaço em nossa memória à medida que trocamos as primeiras saudações. Os habitantes de Matanzas andam de um lado para outro atentos a todos os detalhes, oferecendo acolhida a quem chega de Havana, da distante Guantanamo e a nós, que chegamos da Argentina com Patrizia.
A invocação ao Espírito Santo abre os Exercícios e, depois dos cantos, Julián começa a Introdução. Nos dias sucessivos, fará o mesmo percurso de Carrón, o olhar fixo sobre cada uma daquelas pouco mais de vinte pessoas que o acompanham atentamente. A expressão dos seus olhos, a paixão com a qual procura a palavra exata que exprima com clareza o conceito que quer comunicar me fazem entender que o seu pensamento dominante não é “quantos são”, mas “quem são”. Carras, da última fila, toma nota. Faz anotações como se fosse a primeira vez, como se não estivesse no Movimento há quase quarenta anos e como se não tivesse passado toda a vida fazendo essa história crescer, visitando meio mundo. À noite, testemunhará ainda uma vez que a vida, a fé e a amizade devem ser festejadas. Por isso não esqueceu de levar consigo queijo, jamón serrano e vinho para a festa.
Chega o momento da Assembleia, com testemunhos e perguntas. Alejandro conta o seu percurso de fé, que começou quando conheceu uma família católica que o impressionou e o fez descobrir um modo novo de viver, diferente da sua formação ateia e, mais tarde, o encontro com Conrado, que lhe falou sobre Giussani e sobre CL. “O olhar de Cristo chega até nós através de pessoas reais”, diz Alejandro, sublinhando também o valor das circunstâncias cotidianas aparentemente insignificantes: foi um atraso no trabalho – “que gostaria de ter evitado” – que o obrigou a ficar durante mais um tempo em um lugar e ouvir a conversa entre o Bispo e Conrado, através do qual, depois, se interessaria pelo Movimento.

Os anarquistas. Fala da agitação e do estresse antes da chegada de Carras e Julián, e da preocupação com os preparativos. “Depois, foi a coisa mais fácil do mundo: um abraço. É muito simples. Trata-se de obedecer aos Olhos de céu que me olham”. É a simplicidade do abraço cristão.
Conrado faz a primeira pergunta: “Como posso transmitir aos meus alunos da universidade o olhar de Cristo, que encontrei?”. Carras lhe responde que “a coisa mais difícil é ter um olhar cheio de amor pelo destino do outro; para isso, para que sigam você, não é preciso ter uma pretensão no relacionamento com eles, mas uma gratidão”. E fala sobre quando se encontrou com Dom Giussani e seus amigos anarquistas espanhóis: não renunciaram a anunciar Cristo e a Igreja a eles, enfrentando o problema humano, embora sabendo que aquilo pudesse significar ficarem sozinhos. “É algo que nos liberta dos resultados e das preocupações inúteis”, explica.
Orlenes, Nora, Yudailer e Deyanira contam suas histórias e experiências. Algumas são realmente duras. Muitos têm como origem comum a educação ateia recebida do regime comunista
e as exigências profundas do coração que emergem nas circunstâncias urgentes da vida e às quais a ideologia não consegue responder. O poder, em sua arrogância, pode decretar que Deus não existe, mas não pode arrancar de nós a necessidade do significado da vida, o desejo profundo de felicidade, de amor, de beleza e de liberdade.
“Eu procurava uma certeza”, diz Alejandro, “especialmente diante das circunstâncias adversas. Quando conheci Giussani, entendi que a fé é razoável porque responde às exigências fundamentais do coração. Surpreendeu-me não somente a experiência de uma fé razoável, mas também a liberdade e a letícia que vivo, que são frutos da fé”.
Na síntese, padre Julián afirmou com firmeza que “nós estivemos juntos para colocar um pouco de combustível no automóvel e continuar em frente até que reaconteça entre nós a presença de Cristo. A Igreja renasce quando a pessoa se sente olhada pelo Mistério apaixonado pelo homem. Continuemos juntos, para não perder este olhar do Mistério cheio de amor por nós”.
O Retiro termina, mas todos têm certeza de que se trata de um verdadeiro início, de um ponto de partida. Quem o diz é Jordania, uma sobrevivente da pequena comunidade do Movimento que existia em Havana; quem o escreve alguns dias depois, é Manuel, um homem com uma longa experiência na Pastoral Social Cubana que, depois dos Exercícios, começou a frequentar a Escola de Comunidade em Matanzas e a ler com paixão os textos de Giussani.
Os braços que nos acolheram, agora se despedem de nós. São a marca registrada da nossa amizade; coisa que teríamos perdido se tivéssemos negado o convite. Alejandro tem razão: obedecer é muito simples.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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