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Passos N.162, Setembro 2014

RUBRICAS

Cartas

PERDI O EMPREGO, MAS ACHEI O QUE DÁ ESPERANÇA
Trabalhei durante 23 anos em empresas multinacionais. No entanto, há dois anos, fiquei sem emprego, e o mundo, para mim, mudou. Estava acostumado a comer nos melhores restaurantes, a dormir nos melhores hotéis, tinha um carro grande, bonito e esportivo. O juízo a meu respeito era ditado somente e apenas pela minha capacidade de alcançar as metas de faturamento. Não usava mais o transporte público, mas somente meu carrão ou táxis. Como me tornara triste! Tinha me esquecido de quanto eu amava pegar o trem onde encontrava todos os amigos, com os quais, depois, ia à Universidade. Agora, quando conhecia uma pessoa nova, a primeira coisa que fazia, instintivamente, era um retrato tentando descobrir qual era a sua renda. Quando fiquei sem emprego, entrei em crise, estava convencido de que não seria mais capaz de realizar qualquer trabalho, sentia-me completamente incapaz de fazer qualquer coisa, me perturbava até ir ao banco pagar uma conta. Entrei em depressão, precisei tomar remédios, achava-me inadequado e incapaz de sustentar meus três filhos; o fato de não ter um emprego tinha eliminado praticamente toda a confiança em mim mesmo. Sem trabalho, também muitas pessoas desapareceram. Entrei em contato com Alberto, da Rete Manager, que me apresentou a Giovanni e, depois, a Massimo. Estava quase no fundo do poço, e esses amigos me deram a maior ajuda que se pode oferecer: telefonar-me e me perguntar “Como você está?”, fazer-me companhia. Lembro com grande apreço quando Massimo me convidou para ir comer uma pizza. Para mim, naquele momento, foi mais importante essa simples companhia do que me oferecer um trabalho. O período que vivi me ajudou a rever minha rede de amizades. Em todo o caso, tive sorte, muitas pessoas me ajudaram, como Nicola. Lembro-me de um dia, quando lhe disse: perdi um emprego ótimo! Ele me respondeu, com muita tranquilidade: eu perdi um filho. Mas, naquele momento, eu estava tão focado naquele emprego perdido que não conseguia pensar em outra coisa. Pode parecer loucura, mas eu quase agradeço por tudo o que passei. Apesar de todos os benefícios econômicos que tinha, no último ano, antes de ficar sem emprego, todas as manhãs, eu dizia: “Que porcaria!”. Tinha me tornado totalmente árido, me interessava apenas pelo status, pelo dinheiro e pelas vantagens, mas tinha chegado ao meu limite. Agora, faço um trabalho no qual ganho menos de um terço do que ganhava antes, mas estou contente. Voltei a dar o peso justo ao dinheiro, voltei a apreciar as coisas simples, que são realmente as mais bonitas. Não sei se as coisas continuarão assim, porque tenho um contrato temporário, mas quero aproveitar da melhor maneira este período e, depois, esperemos que o melhor aconteça. É isso: voltei a valorizar realmente a esperança.
Angelo, Milão (Itália)

QUANDO O MARIDO VIAJA DE FÉRIAS
Caríssimo padre Julián, meu marido Pietro participou das férias com você e um grupo de responsáveis de CL, em Cervinia, enquanto eu fiquei em casa, no oitavo mês de gravidez, com nossos três filhos. Antes de ele viajar, eu estava um pouco preocupada e também com um pouco de inveja. Pensava: “Será que ele deve mesmo ir?”. Então, na primeira noite, ele me ligou e falou da provocação diante da qual ele foi colocado: vê-Lo em ação durante as férias. Nasceu em mim também o desejo de levar a sério essa provocação. Meu cotidiano não tinha mudado: a casa, a gravidez, as crianças... No entanto, tudo adquiriu um sabor diferente. Havia eu, com todo o meu desejo de ser feliz e de descobrir quem pode realizar tal desejo. Assim, descobri a plenitude que se experimenta quando buscamos o Seu Rosto no cotidiano. Quando Pietro voltou para casa, descobri o que as mulheres dos apóstolos devem ter experimentado: ver meu marido com um olhar tão radiante me fazia desejar poder sempre ver novamente aquilo que tinha visto naqueles dias, porque aquele olhar é a ajuda maior que posso pedir para mim.
Lucia

O SILÊNCIO DOS DETENTOS
Há um ano, eu e um grupo de amigos criamos a Cooperativa Social 153, sem fins lucrativos, para gerenciar uma empresa agrícola dentro da prisão de Perugia, que dá trabalho aos detentos. Plantamos hortaliças em estufa e no campo: frutas, azeitonas e, além disso, começamos a criar galinha caipira para abate. Há um mês, decidimos propor a toda a população da prisão um concerto do coro da comunidade. O motivo era o de oferecer algo bonito aos mais de 400 detentos, também com o objetivo de dizer a eles quem somos e de qual experiência nascemos, visto que começamos um diálogo com alguns a partir da leitura de Passos. No dia seguinte ao concerto, fui à prisão porque tinha alguns encontros e, assim que entrei, fui literalmente “atacado”. Tanto os assistentes sociais quanto os guardas, mas também o pessoal do administrativo, me disseram que os detentos estavam inacreditavelmente entusiasmados com o concerto. A responsável pelo “setor de recuperação” me disse que, em cinquenta anos, nunca tinha se emocionado com um concerto na prisão e que nunca tinha visto um silêncio como aquele entre os detentos. Contaram-me que eles foram ao êxtase, sobretudo durante as canções napolitanas, para as quais pediram bis muitas vezes, e querem que o coro volte para se encontrar com eles. Essa circunstância me ensina duas coisas. A primeira é que as coisas acontecem, quer dizer, ocorre um Acontecimento onde há um homem ferido. A ferida é a nossa força, o desejo, o desejo escancarado para a vida é o nosso maior aliado. Para o homem ferido e consciente de ter errado e, portanto, com o coração em busca de uma esperança para recomeçar, reconhecer a marca da Beleza é fácil. A segunda é que todo o mundo deseja ver a Beleza, a Ressurreição, portanto, a nós é pedido gritar isso ao mundo.
Michelangelo

A PARTIR DE UMA PERGUNTA, UM ENCONTRO IMPREVISTO
Num certo domingo, estava participando da missa na Paróquia Nossa Senhora da Glória, no Largo do Machado, e durante os avisos finais o padre falou rapidamente da Revista Passos e disse que na saída da Igreja teria um grupo vendendo alguns exemplares. Eu estava vivendo, nesta época, uma fase difícil, em que não conseguia encontrar paz no meu dia-a-dia. Apenas quando ia à Igreja me sentia aliviada e quando vi a revista pensei que ali poderiam existir palavras ou algo que pudesse me ajudar e orientar. Então, procurei as pessoas que estavam participando da venda, comprei um exemplar e perguntei a eles se faziam parte de alguma comunidade católica, pois estava a procura de um grupo de oração. Na verdade, eu já tinha entendido que minha vida só teria sentido se estivesse próxima a Deus, sem Ele existia um vazio e uma enorme falta de paz, e estava procurando como estreitar esta relação. A partir desse contato com o grupo que estava vendendo a Revista fui chamada para participar da Escola de Comunidade e conheci o Movimento Comunhão e Libertação. No primeiro dia em que estive na Escola de Comunidade me identifiquei muito com as palavras que foram ditas lá e fui muito bem recebida por todos. Tive vontade de retornar na semana seguinte, logo fui me envolvendo com as atividades do Movimento, como a caritativa no Morro dos Cabritos, e me animei em ir para Angra participar das férias que estavam sendo propostas. Esses dias que passei em Angra foram marcantes para mim. Anteriormente estava em busca de um grupo de oração e lá nas férias tive a consciência de que ganhei muito mais que isso! Conheci um movimento católico, no qual percebi que as pessoas se relacionam como se estivessem numa família. Fui muito bem acolhida por esta família, tive contato com muitas pessoas de fé, ouvi testemunhos e pude aproveitar diversas atividades. Estou muito feliz com esse presente de Deus! Aproveito também para parabenizar a todos que contribuíram de alguma forma na organização das férias.
Letícia, Rio de Janeiro (RJ)

UMA COMPANHEIRA DECAMINHO, DO SUDÃO
Tudo começou quando um amigo da família nos levou um CD de Marcelo Cesena, pianista brasileiro que mora em Los Angeles e que reencontrou o Movimento alguns anos atrás. Quando ouvi a sua música, descobri que a beleza que percebia era porque ela era capaz de descrever a minha experiência, me descrevia. Quando soube que ele faria alguns concertos na Itália, fui ouvi-lo e levei todos os meus amigos e, ali, descobri que, para ele, a música era uma ocasião para descobrir mais quem era e o que era importante para ele. Desejava que também pudesse ser assim para mim e para todos os meus amigos. Então, nasceu em mim o desejo de que todos pudessem encontrar aquilo que tinha me tocado; assim, decidimos fazer um concerto com o Marcelo. Imediatamente ele disse sim e, como naqueles dias tínhamos ficado comovidos com o testemunho de Meriam Ibrahim, pensamos em dedicar o concerto a ela. Meriam é a mulher do Sudão acusada de adultério e apostasia por ser cristã e que, chamada pelos juízes a renegar sua fé, respondeu que nunca faria isso, apesar da condenação à pena de morte por enforcamento e da entrega da custódia dos filhos a uma família muçulmana. O concerto foi bonito, havia muita gente, e eu entendi a natureza da nossa amizade: “a inveja” e a gratidão por um modo mais bonito de viver, de saborear a vida e uma lealdade e irredutibilidade no seguir aquilo que corresponde ao que o coração verdadeiramente deseja. Encontrei, de fato, pessoas que me fizeram redescobrir aquilo que já tinha diante dos olhos: o estudo, por exemplo. Essa era uma coisa insustentável, no entanto, agora, não é que não seja difícil, mas descobri nele uma beleza, assim como a música, da qual eu já gostava, mas que agora tornou-se uma ocasião de descoberta e de crescimento. Todos aqueles que me ajudaram a preparar o evento (do serviço de ordem a quem vendia os CDs, do meu amigo Marco, que apresentou comigo o concerto, aos adultos que nos ajudaram) não são todos meus amigos e nem por todos tenho simpatia, mas os sinto mais do que amigos: companheiros de caminho. No dia seguinte, descobrimos que exatamente enquanto acontecia o nosso concerto, tinha nascido Maya, a segunda filha de Meriam. Escrevemos a uma Associação que estava acompanhando o processo, e eles nos responderam dizendo que poderiam levar a ela uma carta nossa. Aqui está a carta que escrevemos: “Caríssima Meriam Ibrahim, somos um grupo de jovens colegiais de Comunhão e Libertação, um movimento católico de educação à fé para jovens das escolas de ensino médio. O seu testemunho nos tocou muito e provocou em nós a pergunta: ‘Quem é Jesus para nós? Temos um tesouro ao qual o nosso coração é apegado, que nos torna livres de qualquer tipo de poder?’. Por isso, organizamos um concerto de piano com Marcelo Cesena, pianista brasileiro de fama internacional, em Monza, nossa cidade, e o dedicamos a você que, com a sua fé, nos testemunhou que só Jesus pode tornar feliz e livre o coração do homem. Aquilo que você fez, o seu sacrifício, moveu o coração de outros homens, moveu o nosso coração. Por isso, nós a temos como amiga, porque nos repropôs que o nosso coração é irredutível e busca a Deus. Nunca lhe esqueceremos, rezamos por você e por toda a sua família. Esperamos que você possa voltar para casa, para junto de seu marido e de seus filhos. Um abraço”.
Giuseppe, Monza (Itália)

A ALEGRIA DO EVANGELHO NUM FIM DE SEMANA
Solidariedade, partilha, gratuidade, são palavras que têm um grande impacto e que confortam o coração. Muitas vezes não sabemos bem como agir ou o que dizer para viver assim, e é nesses momentos que Deus nos interpela e nos faz agir e dizer aquilo que não nos sentíamos capazes. Foi o que vivi me envolvendo na primeira Coleta de Alimentos de Angola. Os voluntários eram poucos, os meios escassos e a experiência quase nula. Em contrapartida a vontade era muita, a motivação imensa. Recolhemos, transportamos e armazenamos mais de dez toneladas de alimentos oferecidos com muita generosidade em dez supermercados. Os voluntários foram incansáveis na sua dedicação, e trabalharam todo o fim de semana sempre com alegria. Foi um tempo rico de emoções, de surpresas e de conhecimento. A Alegria do Evangelho, do encontro com os outros e com Jesus, encheu o coração de todos aqueles que se juntaram para dar um pouco mais a quem muito falta, tornando-nos mais irmãos.
Manuela, Luanda (Angola)

“QUE PRESENTE A VIDA DE GIUSSANI”
No fim de setembro de 2013, uma querida amiga presenteou nossa comunidade com o livro Vita di don Giussani. A leitura da obra, feita durante as refeições, segundo um costume monástico, durou cerca de sete meses e foi tão envolvente que não seria possível resumir todas as coisas que despertou na comunidade. Esta carta dá apenas um rápido panorama sobre os temas mais estimulantes. A figura de Dom Giussani emerge e conquista espessura a partir dos fatos, dos testemunhos, dos documentos, citados com rigor e sobriedade, e eloquentes por si sós. Faz lembrar uma daquelas potentes, hieráticas figuras que ornam as fachadas das antigas catedrais e que são iluminadas, ocultadas e mostradas pela alternância da luz que as atinge segundo a hora do dia e o passar das estações, oferecendo sempre, ao olhar maravilhado, novas belezas. Por causa dessas belezas, surge espontaneamente o desejo de louvar a Deus.Em um período histórico atormentado por ideologias, este padre, deslumbrado pelo Verbo Encarnado, O indica e O propõe provocativamente com a força vigorosa de quem se deixa guiar pelo Espírito. Nós, filhas de São Francisco de Sales, o grande santo que Paulo VI define como “Joia de Savoia” e expoente de um verdadeiro e próprio humanismo Cristocêntrico, nos sentimos próximas e partícipes da longa batalha de Dom Giussani para tornar o homem pós-moderno consciente da própria liberdade, racionalidade e dignidade que, definitivamente, têm sua fonte, causa e fim em Cristo, Verbo da vida. No Tratado do Amor de Deus, São Francisco de Sales afirmava que “Deus é o Deus do coração humano”, e que há uma nativa e indestrutível conveniência entre a indigência do homem e a liberal abundância de Deus, entre a necessidade humana de receber o bem, e o Bem divino que quer se expandir e se comunicar. Conceitos que Dom Giussani exprimia com o termo mendicância. E ainda: as significativas pinceladas com as quais é descrita a sabedoria espiritual unida à paterna ternura com a qual Dom Giussani segue e instrui suas filhas e suas co-irmãs Trapistas de Vitorchiano, Valserena e até do Brasil, parece-nos reproduzir a postura do nosso Santo Fundador em relação às primeiras Visitandinas. No fim de sua vida, Dom Giussani afirma “ter sempre obedecido”. A nossa comunidade é capaz de compreender bem esse período de sua vida por ter vivido uma experiência paralela. A venerada madre Maria Amata Fazio, guia e mestre da comunidade durante cinquenta anos, desde 1996, depois de um derrame, fez da sua cadeira de rodas uma cátedra de espiritualidade. Completamente abandonada à vontade de Deus, conquista a luminosidade dos traços e da transparência do olhar que é típica dos místicos quando se aproximam da realização de seu anseio. No dia 22 de fevereiro, na ala de terapia intensiva em que se encontrava, recebeu a notícia de uma irmã: “Dom Giussani morreu”. A pronta resposta, foi: “Feliz dele!”, seguida de uma exortação: “Reze a Dom Giussani, reze a ele, e verá que lhe concederá graças”. Vinte e quatro horas depois, ela também estava na Casa do Pai.
As irmãs do Mosteiro da Visitação, Palermo (Itália)


 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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