Vai para os conteúdos

Passos N.167, Março 2015

EDUCAÇÃO

Buscando o “quem” das coisas: a escola e o educador

por Cecília Canalle Fornazieri

Volta às aulas. Muitas vezes, um dilema: mantemos nossos filhos na mesma escola, ou vamos em busca de outra? A experiência de uma mulher desejosa de que a escola seja o “vislumbrar a inteligência sedutora do universo”

Toda vez que o ano escolar vai acabando, inicia-se uma crise: manter ou não os filhos na escola em que estão? Isto porque, na escolha da escola, colocamos esperanças quase infinitas. Eu, por exemplo, sempre espero que a escola dos meus filhos conte para eles, a cada conteúdo, como o mundo é genial e inteligente e, portanto, como conhecê-lo. Além de ser bom, é uma correspondência não só com o que sei que desejo hoje, mas uma correspondência com o que ainda nem imagino que exista. Isso tudo em um diálogo que preciso aprender a decifrar.
Quase todos os anos, minhas expectativas são frustradas, e isso exige e me dá a oportunidade de buscar alguma alternativa encontrando gente interessante que nos fale sobre temas indecifráveis para que possamos ouvi-los e, quem sabe, sermos despertados de um certo torpor muito bem descrito, aliás, no filme Boyhood (Da infância à juventude, direção Richard Linklater, 2014).
De qualquer forma, o melhor é que essa possibilidade de vislumbrar a inteligência sedutora do universo é renovada a cada manhã, logo quando o despertador nos chama e um novo convite para a vida se refaz. E onde podemos encontrar esse olhar para a vida? Vejo duas possibilidades.

A escola com hipótese de sentido Os antigos filósofos perguntavam a seus discípulos quando iam começar um caminho educativo: Estás convencido de que a realidade do mundo é algo divino e, por isso mesmo, digno de veneração, algo que é sempre mais do que simples matéria-prima para atividade humana? (Pieper, J. O que é filosofar? O que é acadêmico?, São Paulo: EPU, 1981). Ou seja, encontrar uma escola cuja hipótese de sentido não somente seja clara, mas – o mais importante – que tal hipótese seja continuamente desafiada na sua consistên cia, que seja uma hipótese oferecida para ser verificada por cada criança e por cada jovem que embarca naquele espaço educativo.
Que escolas costumam fazer isso? Bem, as escolas católicas costumam se propor a isso, e esse é um de seus grandes valores, independentemente, da classificação no ENEM que também tem que entrar no jogo; contudo, mais como uma consequência de um estudo realizado com desejo do que como um índice da eficiência educativa da escola.
Certa vez, jornalistas inquiriram o grande educador Dom Lourenço de Almeida Prado, antigo diretor do Colégio São Bento do Rio de Janeiro por que, na ocasião, 100% de seus alunos ingressavam diretamente em universidade públicas, ao que ele respondeu: “Possivelmente, porque não damos atenção a esses exames. O que fazemos é que os ajudamos a ler os livros clássicos, a entrar profundamente nos mistérios da física, da química como algo que vale a pena para eles porque, vale mesmo a pena estudar, é um espetáculo o que se descobre”.
E isso por quê? Porque antropologicamente o homem, antes de mais nada, se estrutura como homo quaerens, e não somente como homo sapiens; isto é, um homem que deseja e, portanto, procura e pede o tempo todo! (Steiner, G. Gramáticas da criação, 2003). É por conta desse desejo permanente do homem que se torna razoável, adequado e, portanto, produtivo que a escola seja um caminho para a verificação dos versos de Adélia Prado: Havia uma ordem no mundo, / De onde vinha? (Poesia Reunida, p.314).
Porque todo homem deseja descobrir o quem das coisas, como escrevia Guimarães Rosa. A escola católica, bem como outras escolas confessionais, propõe uma hipótese de resposta a ser verificada, propõe um caminho, um verum facere. E isto para quê? Para conhecer e, conhecendo, verificar o que corresponde a seus desejos originais, sua experiência mais elementar de bom, belo, verdadeiro, justo... E, verificando o que lhe corresponde ou não, poder dar juízos, tomar decisões; ou seja, crescer, amadurecer, considerando a si mesmo e a realidade que o toca.
A escola católica é um lugar privilegiado para que essas coisas aconteçam. E, de fato, acontecem e aconteceram. Pudemos conhecer inúmeras escolas excepcionais ao longo de séculos ao redor de todo o mundo. Mas, em tempos tão laicos, onde foram parar tais escolas? Creio que elas se localizam hoje, mais em alguns tantos professores, do que em grandes instituições, e essa é a segunda possibilidade de se encontrar um olhar que perscrute a realidade além de sua aparência.

A peça-chave: o encontro com os educadores São os educadores que portam a hipótese de sentido, que fazem o percurso com seus alunos, que os fazem olhar para a realidade e dialogam com ela verificando seu sistema implacável de resistências (Marías, J. Tratado sobre a convivência: concórdia sem acordo, São Paulo: Martins Fontes, 2003), aprendendo a amar mais a realidade do que a imagem que fazemos dela! (Giussani, L. O senso religioso, Brasília: Universa, 2009). Isso não é pouco e é lição para toda a vida...
Um educador assim é uma autoridade – auctoritas, em latim – aquele que faz o outro crescer. É no encontro com ele que se aprende o mundo sem termos problemas de memória; e, no encontro com ele, quem sabe, eles..., o conhecimento deixe de ser uma lista de informações extenuante e interminável e passe a ser memorável. São lições cuja permanência tem uma ligação direta com o verdadeiro.
O que muitas vezes os colégios e, nós, pais, não percebemos é que sempre está em jogo a pergunta sobre o sentido, seja qual for o conteúdo a ser trabalhado. É sempre o confronto entre a posição de Sartre, na qual a vida é tão sem sentido que gera a náusea, e a posição de Romano Guardini que reconhece a Presença de sentido em todos os espaços da realidade.
“Nós ,em>éramos todos um amontoado de existentes acabrunhados, não tínhamos a mínima razão para existir. Todo existente nasce sem razão, se prolonga por fraqueza e morre por acaso. (...) Quando se compreende isso, o estômago começa a dar voltas: é a Náusea! É absurdo que tenhamos nascido, é absurdo que morramos” (Sartre, J. P. A Náusea, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986).
“Ora é do Verbo em Deus que provêm todas as coisas, e por isso estão todas elas marcadas por um caráter verbal. Não são meras realidades ou significações privadas de sentido num espaço mudo” (Guardini, R. O Mundo e a Pessoa. São Paulo: Duas Cidades, 1963).
O bom de tudo isso é que é muito saboroso percorrer esse embate com os alunos, filhos porque é para nós mesmos. Essa pergunta é retomada a cada manhã: é a náusea ou é uma Presença por companhia?
A escola é o lugar privilegiado do encontro entre realidade e a consciência do homem.
A grande contribuição da educação e, portanto, da escola católica é ser companhia nesse embate, sem medo de ir até o fim de cada tema porque é justamente lá que se pode tocar com mais clareza o sentido.
A escola católica – composta por pessoas que também se fazem essas perguntas – acredita que conhecendo a genialidade dos fenômenos físico-químicos, a maravilha das línguas, as lutas e desejos humanos – nossos alunos acabarão por se perguntar pelo autor, pelos porquês de si e do mundo. E, nessa hora, pela graça de Deus, suplicamos para que a resposta esteja bem a sua frente, encarnada nas pessoas que o rodeiam na escola, no encontro com seus mestres e amigos. Esses jovens vendo como os adultos se relacionam com a realidade e como essas pessoas reconhecem seu Criador, podem mais facilmente fazer seu próprio caminho de verificação.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

Volta ao início da página