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Passos N.171, Julho 2015

MAGISTÉRIO

O olhar amoroso do Pai

por Papa Francisco


Encontro do Santo Padre com algumas crianças doentes e seus familiares. Capela da Domus Sanctae Marthae. Sexta-feira, 29 de maio de 2015

Boa tarde a todos. Comecemos com uma oração ao Senhor [recitação do Pai-Nosso]. Quando, na catequese, nos ensinaram sobre a Santíssima Trindade, disseram- -nos que era um mistério: sim, há o Pai, o Filho, o Espírito Santo, mas que não se podia compreender tudo isso. É verdade, temos provas de que é verdade, mas compreendê-lo é outra coisa. Temos provas. Também aqui, se olharmos para Jesus, para a Eucaristia, naquele pedaço de pão está Jesus, é verdade. Mas como? Não compreendemos como pode ser... mas é verdade, é Ele. É um mistério, digamos. E assim, se fizermos outras perguntas da catequese, não se podem explicar profundamente, mas temos provas.
Há também uma pergunta cuja explicação não se aprende nas catequeses. “Por que sofrem as crianças?”. É uma pergunta que eu faço muitas vezes também, como muitos de vocês e muitas pessoas: “Por que sofrem as crianças?”. E não há explicações. Também isso é um mistério. Olho para Deus e pergunto: “Mas por quê?”. E olhando para a Cruz: “Por que está ali o teu filho? Por quê?”. É o mistério da Cruz.
Muitas vezes penso em Nossa Senhora, quando lhe restituíram o corpo morto do seu Filho, todo ferido, cuspido, ensanguentado, sujo. E o que fez Nossa Senhora? “Levai-o embora?”. Não, abraçou-o, acariciou-o. Também Nossa Senhora não entendia. Porque ela, naquele momento, recordou o que o Anjo tinha dito a ela: “Ele será Rei, será grande, será profeta...”; e dentro de si, certamente, com aquele corpo tão ferido entre os braços, com tanto sofrimento antes de morrer, certamente dentro de si, teve vontade de dizer ao Anjo: “Mentiroso! Eu fui enganada”. Também ela não tinha respostas.
Quando as crianças crescem, chegam a certa idade e compreendem bem como é o mundo, mais ou menos por volta dos dois anos. E começam a fazer perguntas: “Pai, por quê? Mãe, por quê? Por quê?”. E quando o pai ou a mãe começam a explicar, elas não ouvem. Têm outro “por quê?”. “E por que isto?”. Mas não querem ouvir a explicação. Com este “por quê?” chamam sobre si a atenção do pai ou da mãe. Nós podemos perguntar ao Senhor: “Mas Senhor, por quê? Por que sofrem as crianças? Por que esta criança?”. O Senhor não nos dirá palavras, mas sentiremos o seu o olhar sobre nós e isso nos dará força.

Não tenham medo de perguntar, até de desafiar o Senhor. “Por quê?”. Talvez nunca tenhamos explicação alguma, mas o seu olhar de Pai lhes dará força para ir em frente. E lhes dará também aquela sensação estranha da qual falou este irmão na sua dupla experiência: um sentimento diverso, um sentimento estranho [o Papa refere-se ao testemunho que o pai de uma criança doente tinha acabado de apresentar]. E talvez esse sentimento de ternura pelo seu filho doente seja a explicação, porque é o olhar do Pai. Não tenham medo de perguntar a Deus: “Por quê?”, desafiá-lo: “Por quê?”, estejam sempre com o coração aberto para receber o seu olhar de Pai. A única explicação que poderá dar a vocês será: “Meu Filho também sofreu”. Mas aquela é a explicação. O mais importante é o olhar. E a nossa força está ali: no olhar amoroso do Pai.
“Mas o senhor que é Bispo – pode fazer a pergunta – estudou tanta teologia, não tem mais nada a nos dizer?”. Não. A Trindade, a Eucaristia, a graça de Deus, o sofrimento das crianças são um mistério. E só podemos entrar no mistério se o Pai olhar para nós com amor. Verdadeiramente eu não sei o que lhe dizer porque sinto muita admiração pela sua fortaleza, pela sua coragem. Você disse que o aconselharam o aborto. Disse: “Não, que nasça, tem direito a viver”. Nunca, nunca se resolve um problema eliminando uma pessoa. Nunca. Este é o regulamento dos mafiosos: “Há um problema, eliminemos este...”. Nunca.
Eu os acompanho tal como sou, como sinto. E, sinceramente, a minha não é uma compaixão momentânea, não. Acompanho-os com o coração neste caminho, que é feito de coragem, que é um caminho de cruz, e também um percurso que me faz bem, o exemplo de vocês me faz bem. E agradeço-os por serem tão corajosos. Muitas vezes, na minha vida, fui covarde, e o exemplo de vocês fez-me bem, faz-me bem. Por que sofrem as crianças? É um mistério. É preciso chamar Deus como a criança chama o seu pai e diz: “Por quê? Por quê?”, atrair o olhar de Deus, a única coisa que nos dirá é: “Olha para o meu Filho, também Ele”.

O fato de que num mundo no qual é normal viver a cultura do descartável, o que não está bem se descarta, vocês vivem essa situação assim, permito-me dizê-lo – mas não pretendo fazer um elogio, não, digo-o de coração – isto é heroicidade. Vocês são os pequenos heróis da vida. Eu senti muitas vezes a grande preocupação de pais e mães como vocês e estou certo de que é a de vocês: que [o meu filho] não fique sozinho na vida, que [a minha filha] não fique sozinha na vida. Talvez seja a única ocasião na qual os pais pedem ao Senhor que chame primeiro o filho, para que não fique sozinho na vida. E isto é amor.
Agradeço o exemplo de vocês. Não sei mais o que dizer, realmente, porque essas coisas me comovem tanto. Também não tenho respostas. “Mas você é Papa, deve saber tudo!”. Não, sobre essas coisas não há respostas, há só o olhar do Pai. E depois, o que faço? Rezo por vocês, por essas crianças, por aquele sentimento de alegria, de dor, tudo misturado, do qual o nosso irmão falou. E o Senhor sabe confortar esta dor de maneira especial. Que Ele dê a consolação justa a cada um de vocês, aquela da qual precisam. Obrigado pela visita, muito obrigado!
O padre Joannis [Mons. Gaid, um dos dois secretários particulares do Papa, que acompanhou o grupo], que é um pouco especial, vocês os conheceram, deu-me uma sugestão, que lhes contasse uma história. Talvez lhes ajude a olhar para o Senhor. Havia uma criança que brincava. O pai olhava para ela da janela do terceiro andar e a criança queria empurrar uma pedra grande, mas não podia, era muito pesada. Depois a criança, inteligente, foi buscar um instrumento de ferro para deslocá-la, mas não conseguia, chamou os seus amigos e queria arrastá-la com eles, mas não podiam porque era uma pedra pesada. E eles queriam arrastá-la para brincar ali naquele lugar e no fim o pai, que olhava da janela, desceu, e com muita força e com um utensílio de ferro deslocou a pedra. E a criança reprovou o pai: “Mas pai, você viu que eu não conseguia?” – “Sim” – “E por que não veio antes?” – “Porque não me chamou”. Não se esqueçam disto: chamem o Senhor. Ele saberá como vir, quando vir, e essa será a consolação de vocês. Rezai também por mim. Obrigado. Rezemos a Nossa Senhora: “Ave-Maria... ”.

 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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