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Passos N.172, Agosto 2015

Destaque - Papa na América Latina

Evangelizar é a nossa revolução

por José Luis Restán

Francisco cunha frases como relâmpagos que cativam a atenção e marcam o centro de gravidade da sua pregação. Da intensa primeira etapa de sua primeira viagem à América de língua espanhola despontaram nas palavras do Papa a paixão pela família e pela evangelização

A primeira grande homilia dessa viagem, não por acaso, foi dedicada à família, à beleza de sua vocação e missão, porém também às feridas que carrega neste momento da história. O marco foi a cidade de Guayaquil, e Francisco não hesitou em fazer referência à grande assembleia do próximo Sínodo dos Bispos, que procura “amadurecer um verdadeiro discernimento espiritual e encontrar soluções e ajudas concretas para as muitas dificuldades e importantes desafios que a família precisa enfrentar hoje”.
A homilia teve seu ponto de partida na passagem evangélica das bodas de Caná e o Papa quis fixar-se primeiro em Maria, que está atenta às necessidades dos noivos, não se fecha em seu mundo, não comenta nem reclama, e percebe que está acabando o vinho, sinal de alegria, de amor, de abundância. Em quantas famílias falta, hoje, esse vinho! Rupturas matrimoniais, desconexão com os filhos, abandono dos anciãos... Francisco tinha em mente todas essas feridas, das quais vem falando em múltiplos discursos nos últimos meses.
E calibrando a magnitude dos problemas, procurou lembrar que Maria não recorreu ao mordomo que estava em serviço, mas apresentou a dificuldade dos esposos diretamente ao seu Filho. “Ela nos ensina a colocar as nossas famílias nas mãos de Deus”. Não é uma piedosa saída pela tangente, como alguns poderão pensar. Sabemos que Jesus, a pedido de sua Mãe, adiantou “a sua hora” e transformou a água em um vinho muito melhor do que aquele que estava sendo servido até então. “A família hoje necessita desse milagre”, disse o Papa. Isso me fez lembrar das palavras de Jesus aos seus discípulos sobre o casamento: “para vocês é impossível, não para Deus”.

Sem rebaixar o horizonte. Notemos que em nenhum momento o Papa rebaixou o horizonte do casamento e da família frente ao ceticismo e aos arranjos de uns e outros. No entanto, ao mesmo tempo manteve esse olhar pleno de misericórdia para os que se detêm (nos detemos) na caminhada. E foi primorosa a firme certeza com que o Sucessor de Pedro falou às famílias, assegurando- lhes que o melhor dos vinhos, como em Caná, está para ser servido, embora todas as variáveis e estatísticas digam o contrário. É preciso ter paciência e esperança, e fazer como Maria: rezar, agir, abrir o coração...
O segundo momento que marcou a visita ao Equador aconteceu no Parque do Bicentenário, em Quito, lugar de fortes ressonâncias para a história desse país. Francisco abordou ali seu grande tema da Igreja que sai, que busca o homem nas encruzilhadas da sua existência, talvez muito distanciadas da proposta cristã. De novo lembrou que a evangelização não consiste em fazer proselitismo (uma caricatura da evangelização), e sim em “atrair com nosso testemunho os que estão distantes, aproximar-se humildemente daqueles que se sentem afastados de Deus na Igreja... daqueles que estão hesitantes ou indiferentes, para lhes dizer: o Senhor também o chama para ser parte do Seu povo e o faz com grande respeito e amor”.

Identidade e missão. Junto com essa perspectiva da missão como testemunho oferecido à liberdade do outro, destaca outra linha- -força: que a missão da Igreja coincide com sua identidade como povo que caminha, que tem a vocação de incorporar à sua marcha todas as nações da Terra. E quanto mais intensa for a comunhão entre nós – advertiu Francisco, citando São João Paulo II – tanto mais será favorecida a missão. Pôr a Igreja “em estado de missão” reclama, em primeiro lugar, “recriar a comunhão entre nós”. Uma comunhão que não se fundamenta em ter os mesmos gostos, as mesmas inquietações, os mesmos talentos. Se somos irmãos é porque Deus nos criou e nos destinou, por pura iniciativa Sua, a ser filhos seus, porque nos deu o Espírito de seu Filho Jesus, que nos resgatou com seu próprio sangue... Lembremos que a Igreja não é uma ONG.
Essa unidade misteriosa é a salvação que Deus realiza e que a Igreja anuncia alegremente. Por isso, concluiu o Papa, “evangelizar é a nossa revolução”. Comunicar o tesouro da fé é a tarefa da Igreja para a qual fomos chamados, e não há nada que possa mudar o mundo tão profundamente quanto isso. Palavra de Francisco, chamada a desestabilizar os que pretendem ideologizar a fé, tanto os da esquerda quanto os da direita.


Nosso pequeno povo diante do Papa

por Stefania Famlonga

A visita de Francisco ao Equador: a acolhida do povo e a noite anterior à missa no Parque do Bicentenário que passaram juntos, entre o entusiasmo dos mais jovens e a chuva. Com a certeza de ter recebido um grande dom

Desde o início, foi impressionante ver a capacidade desse homem de mover pessoas de todos tipos, raça e religião. Segunda-feira de manhã, em Guayaquil – a outra grande cidade que foi visitada pelo Papa, além de Quito –, em todas as esquinas se fazia preparativos para o grande evento e havia no ar um clima que dizia que algo grande estava para acontecer, muito maior do que um concerto, maior até do que o último golpe de Estado, quando poucas horas antes a cidade estava em alvoroço. Depois, a chegada e os discursos: uma surpreendente capacidade de abarcar tudo, da sociedade à educação, da política ao meio ambiente, à história desse país, da família às relações sociais. E, por último, grandioso, o discurso aos religiosos, sobre a preferência do Senhor por cada um de nós. Muitas são as coisas que nos tocaram dos seus discursos, mas, para mim, a maior delas foi ver com meus próprios olhos que um homem assim existe. Tão humano e, de algum modo, divino ao mesmo tempo. Não era só aquilo que dizia, mas seus gestos, seu modo de acolher e abraçar todos e cada um (na multidão, todos sentiram-se abraçados pelo Papa, mesmo quem, por diversos motivos, não conseguiu vê-lo de perto), a letícia de seu rosto. E, ainda, a sua humildade em sempre pedir para rezarmos por ele e o seu deixar-se questionar e mudar. Como no último dia, quando nos disse que, enquanto pensava e rezava, perguntou-se de onde vinha a religiosidade deste povo, e abandonou o discurso que tinha preparado. A sua falta de medo em deixar claro para todos as muitas tentações e descentramentos que vivemos. Uma presença verdadeira, humana e divina, que fazia com que nos perguntássemos a origem de um homem assim e desejássemos ser como ele.

Depois, há aquilo que aconteceu entre nós, da comunidade de CL, naqueles dias. Em cerca de trinta pessoas, entre jovens e adultos, passamos a noite anterior à missa no Parque do Bicentenário, dormindo em sacos de dormir, debaixo de chuva. Do entusiasmo, sobretudo dos mais jovens, em se aventurar nessa espera noturna, onde era evidente o desejo de oferecer tudo pelo Papa presente entre nós, à objetiva dificuldade por causa do temporal (havia apenas duas barracas), para mim foi impressionante ver o cuidado e a atenção que havia entre nós para nos protegermos, para conseguir dormir um pouco mais, compartilhando a comida e tudo, mas também cantando e rezando. Até a vontade de nos encontrarmos de novo na noite seguinte, também com quem não tinha participado da vigília, para compartilharmos o que vivemos. Vi uma nova e estranha unidade que me fez lembrar daquilo que estamos estudando na Escola de Comunidade sobre os primeiros discípulos, que estavam juntos e compartilhavam a vida por Ele, que continuava presente. E pensei naquilo que o Papa nos disse em sua chegada, referindo-se ao Chimborazo (o vulcão mais alto do Equador e o ponto mais próximo do céu): a Igreja é como a lua que não tem luz própria, mas goza do reflexo da luz do sol, que é Cristo. Foi mesmo isso o que vi: um pequeno povo que se reuniu de modo diferente e mais humano por causa do reflexo da presença daquele que o Senhor escolheu como seu sucessor.

Preparamo-nos para estes dias trabalhando sobre a carta de padre Julián Carrón para a Audiência de 7 de março. Desde a chegada do Papa ao Equador, estava aberta a compreender o significado das suas palavras: “Que simplicidade é necessária para aceitar que a vida de cada um de nós depende do vínculo com um homem no qual Cristo testemunha a Sua perene verdade no hoje de cada momento histórico...”. E o que levo para casa destes dias vividos na presença do Papa é que, como para os primeiros que o seguiam, hoje também é possível para nós fazer a mesma experiência, viver o vínculo com um homem no qual Cristo se faz mais presente que em qualquer outro, para que a vida seja mais vida.

Ontem, alguns jornais, referindo- se à situação política do país, que está um pouco tumultuada, diziam mais ou menos isso: “Depois do sonho da visita do Papa Francisco, volta-se à realidade”. Entendo cada vez mais que a verdadeira realidade é aquela vivida com o Papa, sem à qual a outra só sufocaria e não despertaria interesse e paixão. Dizíamos isso ontem à noite com alguns amigos: não se trata tanto de colocar em prática as palavras do Papa e muito menos de considerá-las um parêntese, mas de segui-lo e seguir quem nos fez amar o Papa. Muitos iam ouvi-lo, mas poucos ficaram com Ele. Que dom misterioso nos foi dado, e que gratidão!


 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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