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Passos N.172, Agosto 2015

Igreja - Dom Bosco

Jovens Prediletos

por Paola Bergamini

“Não sabia fazer sequer o sinal da cruz. É preciso fazer algo imediatamente por esses jovens necessitados. Eles precisam encontrar Deus para descobrir e realizar sua dignidade”, pensa Bosco, jovem sacerdote, enquanto vê o rapaz que acabou de conhecer ir embora, vestido com trapos. É o ano de 1841 e, desse primeiro encontro, na igreja de São Francisco, em Turim, na Itália, nasceu a obra salesiana. Dom Bosco, de vinte e seis anos, de quem, este ano celebra- -se o bicentenário de nascimento, provavelmente não imaginava que aquilo que o Espírito Santo tinha suscitado chegaria aos extremos confins da terra. Do Nepal à Patagônia, nos 132 países onde os salesianos estão presentes, nos últimos cento e cinquenta anos nasceram quase três mil obras educativas, entre escolas, oratórios e centros de formação profissional. “E há um detalhe. Onde quer que vamos, respondemos às necessidades que encontramos, por isso a nossa obra é tão diversificada”, explica padre Ángel Fernández Artime, nascido em 1960, e desde 2014 Reitor Mor da Congregação Salesiana. Com esta entrevista, tentaremos contar o que significa ser salesiano, hoje, no mundo.

Padre Artime, o senhor faz parte da família salesiana há trinta e seis anos. Como nasceu a sua vocação?
Nasci em Gozon-Luanco, nas Astúrias, Espanha. Meu pai era pescador e eu pensava que o meu destino seria o de tomar o seu lugar. No entanto... Eu era menino quando uma senhora que passava as férias em nossa cidade e tinha se tornado amiga de meus pais, disse a eles: “Seu filho tem talento. Ele deveria continuar os estudos. Conheço religiosos que poderiam ajudá-lo”. Meus pais não sabiam quem eram os salesianos, mas confiaram. Assim, comecei a minha jornada. E, aos vinte anos, pensei que aquele poderia ser o meu caminho. Quando disse isso aos meus pais, eles responderam: “Se é bom para você, siga em frente”. Estou convencido de que, na vida, o Senhor age através de “mediações” humanas. O encontro com aquela mulher e, sobretudo, a disponibilidade dos meus pais, foram importantes. Eles poderiam ter dito não e pedido para que eu voltasse para casa e eu, na época, não estava tão firme na minha escolha. Minha liberdade de decisão foi, como dizer, acompanhada.

Em 2009, o senhor foi nomeado chefe da Inspetoria da Argentina, com Sede em Buenos Aires, onde conheceu o então Cardeal Bergoglio.
Rezamos muitas vezes juntos. Concelebramos a Eucaristia. Posso dizer que o que impressiona, hoje, no Papa Francisco, é a mesma coisa que impressionava quando era Cardeal: sua simplicidade profunda e sua preferência pelos últimos. Naquela época, tudo já era evidente. Agora, certamente, tem mais repercussão.

Em 2004, veio a nomeação. Seu predecessor, padre Pascual Chavez, no momento da eleição, disse: “Caríssimo padre Ángel, Deus, através dos confraternos, lhe chamou para ser o sucessor de Dom Bosco”. O que significa, hoje, ser o décimo sucessor do fundador, isto é, manter vivo o carisma?
Por um realismo saudável, repito sempre: atenção, Dom Bosco é um só. A nós, superiores gerais, cada um com sua personalidade, formação, origem, é pedido guiar a família salesiana como Dom Bosco faria hoje. Procuramos seguir em frente buscando descobrir o caminho de fidelidade àquilo que o Espírito Santo suscitou nele.

O que isso significa?
Dom Bosco foi um padre diocesano, um homem de Deus que o Espírito Santo “usou” para criar um espaço de encontro para os jovens, um espaço de salvação. E entre os jovens, particularmente os mais necessitados. Viver uma fidelidade ao carisma significa ser muito humanos, ser homens do nosso tempo sem, porém, nos esquecermos que somos religiosos e, portanto, testemunhas de Deus. Tendo o coração salesiano, tenho uma predileção pelo bem dos jovens. Estar com eles significa perguntar-se: o que ele faria nesta situação? Procuramos entender a realidade buscando responder com o coração de Dom Bosco.

Em que sentido?
O afeto e o amor são importantes, mas o fundamental é a nossa identidade salesiana. Antes de tudo vem o senso de Deus na nossa vida, depois, buscar nos jovens o seu bem que, concretamente, quer dizer fazer deles – segundo o binômio de Dom Bosco – cidadãos honestos e bons cristãos. Isto é, educá-los, educar à liberdade e ao senso de Deus.

Como isso é possível?
As formas são as mais diversas: escolas, oratórios, centros profissionais. A primeira pergunta que um salesiano deve se fazer é: do que esse jovem precisa? Na África, por exemplo, construímos escolas agrícolas, não técnicas. Na Argentina, na Cordilheira dos Andes, um Centro de ajuda às famílias. É a realidade que dita. Mas, em tudo isso, nós encontramos os jovens com a nossa opção de vida, que significa: eu quero consagrar a minha vida a Deus e é isso que lhe dou, eu sou isto. Sou educador e amigo depois da escolha que fiz, que também é uma opção para vocês, jovens.

Uma das peculiaridades dos salesianos no âmbito educativo são as escolas e os centros profissionais.
O que Dom Bosco fez? Seus jovens eram pedreiros, pintores. Ele os acolheu, ficou com eles, os ensinou a rezar, mas compreendeu que era necessário oferecer a eles a oportunidade de aprender bem uma profissão para que não tomassem um caminho errado. A mesma coisa acontece hoje. Oferecemos a eles a oportunidade de aprender um trabalho, mas, ao mesmo tempo, visamos a formação integral da pessoa. Que significa: educar à responsabilidade, à honestidade, aprender a ser pessoas livres, com a capacidade de refletir, de descobrir Deus na própria vida. Isso possibilita terem instrumentos idôneos para enfrentar o futuro.

Concretamente, como acontece essa educação?
Para nós, o fundamental é um relacionamento amigável, familiar. Somos educadores, mas, ao mesmo tempo, amigos e, às vezes, pais. Três são os pilares que Dom Bosco indicou e que, ainda hoje, são válidos: razão, religião, amabilidade. É preciso ser sempre razoáveis naquilo que pedimos, não se pode dizer: “É assim porque eu estou dizendo”. Religião: Dom Bosco pensava que somente o senso de Deus permite ao jovem crescer. Amabilidade: não só queremos bem ao jovem, mas ele se sente amado por nós. Esquecer um desses pilares significa trair o carisma salesiano. Renunciar, por exemplo, à dimensão religiosa por respeito à diversidade não educa.

Este me parece um traço importante, que distingue o projeto educativo de vocês.
Exatamente. Não somos assistentes sociais, mas homens de fé e queremos compartilhar isso na mais absoluta liberdade. Eu penso que, hoje, devemos ser testemunhas muito respeitosas, mas sem temor. Isso faz a diferença. Só assim podemos ser exigentes, porque oferecemos o sentido da vida através de muitos instrumentos e isso é possível, antes de mais nada, estando com os jovens. Sempre, dentro e fora da sala de aula.

O senhor pode dar um exemplo?
Na Espanha, eu era diretor de uma grande obra educativa e também professor de filosofia. No horário do recreio, ia ao pátio e ficava com os meninos. O meu tempo, todo o meu tempo era para eles e percebia que fora da aula, às vezes o relacionamento era mais fácil. Quando me mudei para a Argentina, um grupo de alunos e ex-alunos, ao se despedirem de mim, disseram: “Guardamos no coração, três coisas. Primeiro: você chamava todos pelo nome, do menor, de três anos, ao mais velho, de dezoito. E éramos muitos! Segundo: todos os dias você estava na porta para nos cumprimentar na entrada e na saída. Terceiro: sentíamos que você gostava de nós”. Ensinar era o meu trabalho, portanto, é quase óbvio fazê-lo de modo interessante, mas aquela gratuidade de bem permaneceu dentro deles, era um a mais.

Vocês sentiam-se unidos?
Este é o ponto essencial, o qual Dom Bosco prezava: cada jovem sentia-se predileto. Para mim, é a mesma e idêntica coisa, hoje, depois de trinta e cinco anos acompanhando os jovens. Melhor, talvez hoje, ainda mais. Nunca senti falta de ser pai biologicamente, porque sou pleno de paternidade.

Dom Bosco e Dom Giussani: ambos tinham uma grande paixão pelos jovens. A seu ver, o que os dois tinham em comum?
A meu ver, algo que vem antes da educação: o senso de Deus. Eles são testemunhas disso. A Igreja precisa disso. Pessoalmente, Dom Bosco é fascinante, porque é alguém que crê. Via e sentia Deus no cotidiano e disso derivava toda a sua operosidade. Sempre desejo que, depois do encontro comigo, o jovem possa dizer: essa pessoa tem algo importante para oferecer à minha vida de homem. Essa é a reverberação do bem de Deus. Digo aos meus salesianos: somos de Deus, consagrados. Depois, podemos fazer uma coisa ou outra e, pelo modo como agimos e vivemos, os outros verão e entenderão que somos testemunhas de Deus.

PARA SABER MAIS:
* João Bosco, Memórias do Oratório de São Francisco de Sales de 1815 a 1855, Editora Dom Bosco, Brasília/DF
* Robert Schiélé, Dom Bosco. Fundador da família salesiana, Editora Paulinas, São Paulo/SP

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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