Vai para os conteúdos

Passos N.172, Agosto 2015

RUBRICAS

Cartas

ENCONTROS MARCANTES DA INGLATERRA A MINAS GERAIS
Eu e minha esposa, Maristela, com então dois filhos, Catarina (3 anos) e Guilherme (7 meses), fomos para Londres em fevereiro de 2013, onde permanecemos por um ano e meio. Ao voltar, Laura também veio. Maristela estava grávida de 7 meses em agosto de 2014. Fazer parte de um grupo de pesquisa na Inglaterra era a realização de um desejo que carregava comigo nos últimos 15 anos. Cristo soube permitir que isso acontecesse no momento certo. Realizei o pós-doutorado no Imperial College, mas o nosso coração estava em Battersea, um bairro ao sul de Londres, em que participamos de um grupo de CL, conduzido pelos italianos Daniele Magazzeni e Maddalena Sanvito. Mesmo desconhecidos, fomos abraçados pelo Movimento de maneira desconcertante, sendo recebidos com imensa generosidade. Logo na primeira semana já percebemos ao iniciar nossa participação na Escola de Comunidade (EdC) a beleza que encontraríamos. Ficamos encantados com a adesão das famílias a EdC pois, quando chegamos, a temperatura era próxima de zero grau e esse fator não era motivo de desânimo, eles, ainda assim, eram pontuais. Daniele usualmente dizia: “Cada EdC deve ser vista como uma entrevista de emprego”, referido- se a uma frase já dita por Dom Giussani. Assim, pontualidade e leitura prévia dos textos nos marcaram profundamente. Não menos belo, eram as alegres crianças, companheiras de nossos filhos, que ficavam em um espaço anexo, sob os cuidados de uma babá enquanto fazíamos a reunião. Após o término, macarronada italiana à espera, acompanhada de vinho. Durante esse período participamos de dois exercícios espirituais, férias na Escócia e um retiro com a presença do padre Carrón para países de língua inglesa. Foram momentos marcantes! Além disso, também fomos a Irlanda para encontrar John Waters. É impressionante a trajetória deste homem, certo da presença de Deus. No Imperial College, um período de grande fascínio e beleza pela ciência. Bem perto da Igreja que Newman ajudou a fundar, o London Oratory, fui aos poucos conduzido a uma nova linha de pesquisa. Não por um plano, mas como na vida de Newman, por meio de fracassos. Hoje estudo como os computadores fazem contas e o impacto disso em sistemas dinâmicos e modelagem matemática. Ainda mais importante, pergunto o que isso tem a ver com as estrelas, qual é o sentido disso em relação ao significado último da vida. E faço isso não no plano abstrato, mas indo a fundo no conceito mais primordial, nos princípios mais elementares que a ciência pode ter: que é um dado de Deus e um extraordinário meio para se maravilhar com a obra do Criador. Em especial vale ressaltar a fabulosa presença de dona Ambrogina, mãe da Maddalena que costumeiramente passava semanas com a filha, para ajudar com os três filhos pequenos. Dona Ambrogina, que estava junto de Dom Giussani nos primeiros anos de CL, é uma pessoa admirável, que muito nos ensinou com sua presença e fazendo-nos perceber que tudo nos é dado. Dela ficou a principal lição: “Viva com religiosidade. Tudo deve ser vivido com religiosidade”. É preciso dar sentido a tudo. Hoje, aqui em São João del-Rei, provocados com tanta beleza, fomos recebidos pelos nossos amigos, Dener e Bete, Marcos e Daniela. A nós juntaram- -se outros casais e a comunidade está crescendo. A EdC daqui agora possui babá, lanche e confraternização toda segunda-feira. Londres é uma memória que se faz presente em nossa cidade.
Erivelton, São João del-Rei (MG)

FESTA DE FIM DE TRABALHO
“GOSTARIA DE LHE ENCONTRAR NOVAMENTE”
Caro Carrón, em fevereiro mudei de emprego e o meu pensamento era o de tentar fazer bem meu trabalho de secretária escolar. Essa atenção logo deixou impressionados os professores, os colegas de trabalho e as zeladoras. Tanto que um dia uma colega me disse: “Quem é você?”. No dia 7 de março, aconteceu o encontro com o Papa e aquilo que ele nos disse me marcou. No meu trabalho, nunca disse que era de CL, mas eles entenderam quem eu sou, não foi um esforço, simplesmente vivi estes meses sendo aquela que sou, falando com sinceridade sobre mim, minha família e meus amigos; ficando perto e escutando todos. No último dia de trabalho, fizeram uma grande festa para mim. Minha colega siciliana pediu que seu marido preparasse os doces típicos e ele pediu uma hora de licença no trabalho e os levou pessoalmente porque estava curioso em me conhecer. As zeladoras prepararam um refresco levando, cada uma, alguma coisa. Minha colega deu-me flores com esse bilhete: “Neste lugar de ‘exorcista’, quando não esperávamos mais nada, a um certo ponto chegou você, o anjo do Senhor, que em tão pouco tempo nos fez encontrar a dimensão da vida e da normalidade. Gostaria muito de lhe encontrar novamente no meu caminho. Obrigada, amiga, companheira e querida colega”.
Cristina, Crema (Itália)

“SE ELE EXISTE, O SEU DESEJO É TAMBÉM O MEU”
No dia 8 de maio, meu pai foi hospitalizado e no dia 20, morreu. Tinha 87 anos. Meu pai se dizia o último dos iluministas, sua racionalidade foi toda usada na busca da verdade. Minha maior dor era a que ele nunca tenha cedido diante a proposta cristã, mesmo que eu, tendo 60 anos, desde os 15 tenha tentado fazê-lo encontrar o Movimento. Quando era jovem, de manhã ele me recebia com um discurso contra a Igreja, os dogmas, a Inquisição, etc. Para mim, as discussões fortes foram sempre um pesadelo. Nunca tinha argumentos suficientes para responder a ele. Ele viu minha família crescer, filhos e netos, sempre com grande afeto. Em 1992, um dos meus três irmãos faleceu por causa da droga e essa foi uma dor dilacerante. Quando ele foi internado, disse a mim mesma que a Ressurreição deveria ser verdadeira também naquela situação. Assim, comecei a ir visitá-lo no hospital todos os dias, sem me furtar ao martírio da sua enfermidade, da sua consciência lúcida e racional até o último instante, à dor de minha mãe, à sensação de impotência total diante da doença. Naqueles vinte dias redescobri um relacionamento verdadeiro com ele, cheio de ternura e afeto. Ele foi visitado por todos os seus netos e bisnetos, alguns de nossos amigos e também pela filha do meu irmão falecido, junto com o marido. Um dia, lhe disse que muitos amigos estavam rezando por ele e, então, ele me escreveu em uma folha: “Ou existe, ou não existe”. Depois, pulou uma linha e escreveu: “Se existe, o seu desejo só pode ser igual ao meu”. Uma manhã, telefonaram à minha mãe do hospital, porque seu caso tinha se agravado. Ela me pediu para chamar um padre para ministrar nele a Extrema Unção. Estávamos todos em volta de seu leito, o padre celebrou o rito; depois de alguns minutos, seu coração parou. Em casa, abrimos uma carta que nos deixara: era um hino de amor a minha mãe e a nós, filhos, netos e bisnetos. Afirmava que sua vida tinha sido animada somente pela busca do Absoluto, a ponto de parecer-lhe banal o fato de encontrá-lo numa religião revelada. Muitos amigos rezaram por ele. Chegou inclusive uma carta comovente de uma família muçulmana que ajuda no Banco de Solidariedade: eles também estavam rezando. No funeral, a igreja estava cheia, escolhemos as leituras sobre a caridade porque ele sempre foi generoso com todos e os cantos foram cheios de uma alegria pacata. Depois, uma colega me escreveu: “Obrigada por me permitir viver um momento de fé e de amor tão profundo. Deu-me uma paz interior”. Assim, de uma experiência que poderia ser somente de morte nasceu uma experiência de vida, aliás, de Ressurreição.
Giovanna, Milão (Itália)

FUNDO COMUM
RECEBENDO A APOSENTADORIA
Caro padre Carrón, depois que comecei a receber a minha aposentadoria privada, decidi aumentar meu Fundo Comum, com maior razão depois de ter lido sua entrevista no jornal La Repubblica. Desde os tempos da universidade pago o Fundo Comum e, exceto durante alguns períodos, sempre fui fiel. O Fundo Comum e a Caritativa sempre foram, para mim, os gestos mais importantes e simples para aprender a gratuidade, aquela imitação de Cristo, aquela paixão por Ele que Dom Giussani nos transmitiu durante toda a sua vida. Portanto, foi “fácil” pensar em contribuir com as tantas necessidades que a Fraternidade encontra, grato por tudo aquilo que essa companhia, com obstinação, mas com grande ternura, me deu em mais de 35 anos de vida juntos.
Carlo, Milão (Itália)

EU, O SANTO SUDÁRIO E O ANJO DO METRÔ
Caro padre Julián, fui à peregrinação para ver o Santo Sudário. O percurso marcado pelas vidas de santos e por um filme me levou da confusão externa ao encontro com o Santo Sudário, que foi um tempo de silêncio e de contemplação simples e comovida. No nosso grupo, somente alguns se conheciam, por isso, depois da visita, durante o almoço, alguns falaram de si. Entre as colocações tocou-me o que disse a tia de Francesca Pedrazzini, Rossella, que estava presente com o marido. Rossella falou do próprio caminho de conversão iniciado três anos atrás quando incrédula afastada da Igreja, aderiu ao pedido de rezar pela sobrinha, mãe de três crianças e gravemente doente. Entendi que ver como Francesca viveu a doença e o modo como ajudou a família e os amigos a viverem a sua curiosidade e alegria pelo iminente encontro com Jesus, eliminou por um instante aquela distância. Com comoção, disse que poucos dias antes, quarenta anos depois do casamento civil, ela e o marido tinham recebido o Sacramento. Na noite seguinte, eu e meu marido caminhamos muito para pegar o metrô e quando, cansadíssimos, chegamos à estação, encontramos os portões fechados. Um jovem chegou atrás de nós e disse: “Às vezes, acontece, mas normalmente colocam um transporte alternativo. Lá está, está chegando agora. Para onde vocês vão?”. “Para a Estação antes de Collegno”, respondi. E ele: “Eu também vou para Collegno, venham comigo”. Depois de alguns minutos, uma senhora me perguntou: “Você está aqui a turismo?”. “Viemos para ver o Santo Sudário”, respondi. O rapaz que nos levou até o ônibus olhou para mim e disse: “Como é esse Santo Sudário?”. Comecei a falar sobre a minha comoção e o rapaz começou a fazer muitas perguntas. Respondi-lhe com todos os argumentos históricos e científicos dos quais dispunha. E, no fim, acrescentei: “Porém, a minha certeza de que Jesus ressuscitou não depende do Santo Sudário”. “E depende do quê?”. “Do fato de que Jesus está vivo”. Em nossa volta, fez-se silêncio. O jovem continuou perguntando: “E como a senhora pode dizer que está vivo? Dê-me exemplos”. Falei sobre os testemunhos do dia anterior, sobre alguns fatos da minha vida e sobre amigos nos quais descobri os sinais da presença de Jesus e concluí, com um sorriso: “E, depois, não nos esqueçamos dele. Sem o metrô, eu e meu marido não saberíamos como vir até aqui e Deus nos mandou um anjo para nos dizer que havia um transporte alternativo. Podemos dizer que é apenas uma coincidência, ou podemos reconhecer que somos tão amados que Jesus toma conta de nós e nos acaricia através de um desconhecido. Depende da posição que assumimos. É possível aprender a ter um olhar assim”. “Isto, sim, é interessante. Obrigado por essas belas notícias que a senhora me deu”.
Manuela

VOLUNTARIADO
O OLHAR DA VITÓRIA DE CRISTO
Sou italiana e cheguei pela primeira vez ao Brasil faz duas semanas, para atuar por um período como voluntária nas creches das Obras Educativas Dom Giussani. Dia após dia, trabalhando no berçário da creche Etelvina, vivendo na casa da Rosa e encontrando algumas famílias que vivem nas favelas, comecei a ser testemunha e a sentir-me parte integrante de um olhar de misericórdia, de bem, de atenção e de cuidado pelo qual fiquei e ainda estou muito surpreendida e grata. Antes da viagem, ocorreu-me ouvir durante um depoimento uma moça que relatava uma frase do Carrón dizendo mais ou menos assim: “O único modo para não ter medo é olhar tudo tendo o olhar da vitória de Cristo nos olhos e só o ser abraçados permite isso”. Essa frase, por mais que tivesse me marcado muito, tinha ficado abstrata até a minha chegada aqui no Brasil. Agora já não posso mais pensar nestas palavras sem ter em mente e nítidos na memória os dias vividos aqui. Particularmente clara eu tenho a memória de alguns rostos. Penso na Rosa, que na casa tem cuidado e atenção pelas necessidades de cada uma de nós voluntárias; para ela ter-nos acolhido na casa é verdadeiramente ter-nos acolhido como pessoas, cada uma com a sua história, e não apenas ter nos dado um lugar onde comer e dormir. Penso na professora, na diretora e nas cozinheiras da minha creche que cada dia me fazem sentir acolhida e em casa. Penso nas assistentes sociais da Etelvina com as quais eu fui visitar as famílias das crianças da minha turma de berçário. Comoveu-me de verdade o trato que elas têm com as famílias, a companhia que lhes oferecem e o olhar que têm para as dificuldades delas. Um olhar que não finge ignorar que a casa é suja e fria, mas que não permite que esta condição temporária seja o último juízo sobre elas como pessoas. Fiquei marcada por ver tão evidente nas assistentes sociais o desejo de ter uma amizade com estes pais, de poder ajudá-los a crescer e melhorar, antes de tudo, fazendo-lhes companhia. A mim, pelo contrário, instintivamente teria vindo a ideia de tentar arrumar em nível prático as condições de indigência. Eu entendo que é exatamente um olhar diferente o que observei aqui e que pode existir somente se por nossa vez nos sentimos amados e olhados assim. Por este motivo sinto menos abstrata aquela frase do Carrón: eu ainda não compreendi até o fundo aquilo que vi, mas não posso tirar aqueles rostos e aquele olhar da memória.
Federica, Belo Horizonte (MG)

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

Volta ao início da página