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Passos N.174, Outubro 2015

EXTRA

O rosto bom do Mistério

Carta publicada em Litterae Communionis nº 43, jan./fev. 1995, p. 2.

Caro padre Giussani, escrevo-lhe chamando-o "caro", ainda que não o conheça, nunca o tenha visto, nem nunca o tenha ouvido falar. Ou melhor, para dizer a verdade posso dizer que o conheço enquanto, se entendi alguma coisa de O senso religioso e daquilo que Ziba me diz, conheço-o por fé e, acrescento eu, agora graças à fé. Escrevo-lhe somente para dizer-lhe obrigado; obrigado pelo fato de ter dado um sentido a esta minha vida árida.
Sou um antigo colega de colegial de Ziba, com quem sempre tive uma relação de amizade, pois, mesmo não compartilhando da sua posição, sempre me tocou a sua humanidade e a sua disponibilidade não interesseira.
Penso ter chegado ao fim da linha desta vida atribulada levado por aquele trem que se chama AIDS e que não dá trégua a ninguém. Agora dizer isto não me dá mais medo. Ziba me dizia sempre que o importante na vida é ter um interesse verdadeiro e segui-lo. Este interesse eu persegui muitas vezes, mas nunca era o verdadeiro. Agora vi o interesse verdadeiro, encontrei-o e começo a conhecê-lo e a chamá-lo pelo nome: chama-se Cristo.
Não sei nem o que quer dizer e como posso dizer estas coisas, mas quando vejo o rosto do meu amigo ou leio O senso religioso, que está me acompanhando, e penso no senhor ou nas coisas que Ziba me conta do senhor, tudo me parece mais claro, tudo, até o meu mal e a minha dor. A minha vida, que já se tornou monótona e estéril, que se tornou uma espécie de pedra lisa onde tudo escorre como a água, tem um sobressalto de sentido e significado que varre os pensamentos ruins e as dores, aliás, abraça-os e os torna verdadeiros tornando o meu corpo cheio de larvas e apodrecido sinal da Sua presença.
Obrigado, padre Giussani, obrigado porque me comunicou esta fé ou, como o senhor o chama, este acontecimento. Agora me sinto em paz, livre e em paz. Quando Ziba rezava o Angelus na minha frente, eu blasfemava na sua cara, odiava-o e lhe dizia que era um covarde, porque a única coisa que sabia fazer era dizer aquelas rápidas orações na minha frente. Agora, quando balbuciando tendo rezar o Angelus com ele, compreendo que o covarde era eu, porque não via nem a um palmo do meu nariz a verdade que estava na minha frente. Obrigado, padre Giussani, é a única coisa que um homem como eu pode lhe dizer. Obrigado, porque, em lágrimas, posso dizer que morrer assim agora tem um sentido, não porque seja mais bonito – tenho um grande medo de morrer –, mas porque agora sei que há alguém que me quer bem e que talvez até eu possa me salvar e que eu também posso rezar para que os colegas de quarto encontrem e vejam como eu vi e encontrei. Assim me sinto útil, pense, somente usando a voz me sinto útil; com a única coisa que ainda consigo usar bem eu posso ser útil; eu, que joguei fora a vida, posso fazer o bem somente rezando o Angelus. É impressionante, mas ainda que fosse uma ilusão esta coisa é demasiado humana e razoável, como o senhor diz em O senso religioso, para não ser verdadeira.
Ziba colou sobre a minha cama a frase de Santo Tomás: "A vida do homem consiste no afeto que principalmente o sustenta e no qual encontra a sua maior satisfação". Penso que a minha maior satisfação seja a de tê-lo conhecido, escrevendo-lhe esta carta, mas a satisfação ainda maior é que na misericórdia de Deus, se Ele quiser, conhecerei o senhor lá onde tudo será novo, bom e verdadeiro. Novo, bom e verdadeiro como a amizade que o senhor introduziu na vida de muitas pessoas e da qual posso dizer 'eu também estava lá', eu também nesta vida suja vi e participei deste acontecimento novo, bom e verdadeiro. Reze por mim; eu continuarei a sentir-me útil durante o tempo que me resta rezando pelo senhor e pelo Movimento.

Um abraço. Andrea

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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