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Passos N.99, Novembro 2008

DESTAQUE - O PAPA NA FRANÇA

“Cada vez que a fé cristã enfraquece, avança o irracionalismo”

por Fabrizio Rossi

PONTO DE VISTA DE UM LEIGO / JACQUES JULLIARD

Ateu, esquerdista, “culturalmente anti-clerical”. Mesmo assim, o co-diretor da revista Nouvel Observateur foi conquistado por Bento XVI. O motivo? A defesa da razão. “E a sua humanidade”

“Psicologicamente ateu, culturalmente anticlerical, espiritualmente cristão”. Assim se define Jacques Julliard, 75 anos, co-diretor de Nouvel Observateur, uma das maiores revistas francesas. Ex-sindicalista (em 1968, na Sorbonne, era ele o líder da Confédération Française Démocratique du Travail), no “caso Regensburg” já havia se alinhado, a partir de sua coluna nesse semanário, com Bento XVI: “É tão estranho assim que, no país de Voltaire, alguém se decida a defender o Papa e a Igreja, num caso de fanatismo?”. Um Papa com quem compartilha o amor por três autores como Péguy, Bernanos e Claudel, a quem Julliard acaba de dedicar um livro no qual relê o mundo moderno por intermédio da pena profética deles.

No dia 12 de setembro o senhor era um dos setecentos intelectuais que, no Collège des Bernardins, ouviram o discurso de Bento XVI “ao mundo da cultura”. Qual foi sua impressão?
Antes de tudo, impressionou a diferença em relação a como ele era pintado na França: ao invés de um dogmático e um ultraconservador, encontramos um homem de diálogo, que conversa como intelectual com outros intelectuais. Fiquei surpreso com o calor humano e até uma certa doçura dele.

A que se deve, em sua opinião, a maneira calorosa como ele foi acolhido?
Ele foi aclamado não enquanto Bento XVI, mas enquanto Papa, ou seja, símbolo de unidade. Num mundo no qual tudo se despedaça, o caráter universal do catolicismo (“a única Internacional que permanece firme”, segundo Charles Maurras) continua sendo o seu ponto forte. Junto com a natureza da sua mensagem.

Que impacto teve esse discurso no mundo da cultura laica?
Creio que foi bem recebido. Foi o que me relatou o próprio Jean Daniel: muitos intelectuais não-católicos ficaram impressionados com o fato de o Papa se dirigir não simplesmente aos católicos, mas aos intelectuais tout court.

Pareceria paradoxal: uma aula sobre a razão na França, pátria da raison...
Acho que a coisa mais importante é essa vontade da Igreja de dialogar com o racionalismo, combatendo o irracionalismo gerado pelo medo. Pense-se na onda de espiritualismo e de new age, tão na moda em nossa época: tenta-se reduzir a fé a uma espécie de magia. Fico impressionado, porém, por constatar que cada vez que a fé cristã enfraquece, o racionalismo não avança e sim o irracionalismo. Por isso, é muito importante que Bento XVI leve adiante a reflexão sobre a relação entre fé e razão.

O Papa disse que “o cristianismo não é simplesmente uma religião do livro, no sentido clássico”. Que valor tem essa afirmação, para o senhor?
A Igreja sempre disse que a tradição é, junto com as Escrituras, uma fonte de fé. Penso que o Papa tenha querido, assim, afirmar a originalidade do catolicismo em relação ao Islã e ao protestantismo. Para ele, o catolicismo é uma religião bem precisa, que não pode ser diluída num vago deísmo.

O Papa comparou a confusão atual àquela do mundo em que viviam os monges, onde “nada parecia resistir”.
Creio que ele falou bastante dos monges inclusive para sublinhar que o monaquismo é a aliança entre trabalho manual e pensamento. Nisso há uma lição importante para o mundo moderno, em que a cultura é contrastada pelos meios de comunicação de massa, pelo dinheiro... Para Bento XVI, o verdadeiro fundamento de todas as atividades humanas e, portanto, também da cultura, está em Deus.

Como vê a sintonia entre o Papa e o Palácio do Eliseu sobre a laicidade positiva?
Ambos insistiram sobre um fato na minha opinião incontestável: o Ocidente tem raízes cristãs e é completamente absurdo querer ignorá-las ou negá-las. A laicidade não precisa de epítetos: nem positiva, nem negativa, nem mesmo republicana. Fingir ignorar, com o pretexto da laicidade, os fundamentos cristãos dos valores ocidentais é contrário à laicidade. Essa laicidade vazia significa cancelar a história. Seria clericalismo ateu, não laicidade.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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