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Passos N.177, Fevereiro 2016

DESTAQUE

TURQUIA. Erdogan e as negociações

por Marta Ottaviani

Ambíguo sobre a Síria e sobre a luta contra o Estado Islâmico (Isis), em conflito contra um aliado histórico como Putin, vacilante sobre a Europa. Aonde quer chegar o líder turco?

O país devia ser uma ponte entre duas margens do Mediterrâneo, mas a Turquia tornou-se uma variável enlouquecida, perigosa para toda a região. Há algum tempo aliado confiável e estratégico dos Estados Unidos, União Europeia e Israel, parece ter mudado não só os seus parceiros referenciais, preferindo o Egito e o Qatar, mas também, e sobretudo, a sua vocação, de anel de conjunção a elemento desagregador. O artífice dessa mudança de 180 graus é o próprio presidente da República, Recep Tayyup Erdogan, numa tentativa declarada de pensar nos interesses nacionais, que se parecem mais com uma busca de onipotência, com consequências preocupantes.
"A política externa inaugurada pelo atual premiê, Ahmet Davutoglu, devia teoricamente se basear na boa vizinhança", explica a Passos Burak Bekdil, analista do jornal Hurriyet: "E, ao invés, hoje tem problemas não só com todos os Estados confinantes, mas também com a região. Procurou estender sua esfera de influência a qualquer custo, mas sem resultados significativos".
Há anos que a Turquia está sob a lente de aumento da comunidade internacional, pela sua atitude hesitante e contraditória, onde a derrubada do jato russo na Síria e a acusação de não respeitar o espaço aéreo da Meia Lua é apenas o último episódio. Já durante o cerco à cidadezinha curdo-síria de Kobane, por parte de Daesh (EI), em outubro de 2014, a Turquia não moveu um dedo para defender a população, recebendo acusações infamantes, como a de colaborar com o califa al-Baghdadi e de não agir porque interessada em enfraquecer os curdos, no além fronteira. Com a Rússia, porém, Erdogan errou completamente a abordagem, sem calcular bem os possíveis efeitos colaterais. O abatimento do Sukhoi Su-24 aconteceu uma semana antes de um G20 hospedado justamente pela Turquia e onde se falou mais da Síria do que do resto. O líder turco esperava poder impor uma solução para o país e resolver a situação de Assad, mas a cena foi roubada pelo encontro entre Vladimir Putin e Barack Obama, com a Turquia reduzida, substancialmente, ao papel de coadjuvante.
Putin aproveitou o ocorrido para colocar o parceiro, cada vez mais invasivo, no seu devido lugar. Moscou anunciou um leque de represálias, no fornecimento de gás (a Rússia é o primeiro parceiro da Turquia nesse setor) e nas importações de fruta e de verdura, passando por projetos vitais para o futuro do país, como a construção da central nuclear de Akkuyu, no Mediterrâneo. Ancara levantou a voz, mas até agora pouco adiantou. Depois de uma escalada de acusações, culminando com a acusação de Putin a Erdogan de enriquecer com o tráfico de petróleo do Estado Islâmico, ao ministro do Exterior, Mevlut Cavusoglu, não redundou em nada mais que o pedido de um encontro com o ministro homólogo Sergei Lavrov e de uma retomada do diálogo, onde Ancara entra nitidamente em desvantagem. Moscou talvez não implemente as medidas, mas com o seu gesto deu a entender à Turquia que existe um ponto além do qual não deve se colocar.
"O crescimento da Meia Lua começa a diminuir. De uma parte, trata-se de um processo natural, após índices em nível chinês e o período de crise global. Mas, por outro lado, corre o risco de se agravar porque a Síria, que era um parceiro muito importante, está perdida e as relações com a Rússia, mesmo sem o esfriamento das relações, começavam a andar mal, pelos problemas ligados ao preço do petróleo", explica a Passos o economista Emre Deliveli.
Os EUA também estão preocupados. Só a UE parece ainda dar crédito a Erdogan, que de repente parece se lembrar de que ingressou na União, depois de havê-la ignorado nas duas últimas campanhas eleitorais. Um renovado interesse recíproco é ditado por razões de conveniência: de um lado, o Velho Continente precisa que a Turquia mantenha em seu território mais de dois milhões de refugiados sírios (e para fazê-lo não hesita em gastar três bilhões de Euros), do outro, Ancara precisa de uma margem para não permanecer isolada. Bruxelas parece agir ignorando conscientemente o que está acontecendo no país. Depois do último triunfo eleitoral, Erdogan se apressa em fazer votar uma reforma constitucional que lhe concederá um poder quase ilimitado e, ao mesmo tempo, está encurtando o espaço dos opositores, sobretudo intelectuais. A prisão de Can Dundar, diretor do diário Cumhuriyet porque divulgou foto e vídeo que documentavam o transporte de armas para o Estado Islâmico, por parte da inteligência turca, não é um caso isolado. Erol Ozkoray, jornalista e historiador, para escapar da prisão fugiu pela Europa e não voltará mais para a Turquia. "Há anos que Erdogan está tomado por um delírio de onipotência", diz a Passos: "O meu país está destinado a se tornar cada vez mais autoritário. Hoje já é perseguido pela Justiça qualquer um que se coloque entre ele e o seu desígnio. Uma nação inteira está submetida ao seu poder. Na Turquia, hoje, reina o medo".

 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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