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Passos N.178, Março 2016

CARITATIVA

Aprendendo a gratuidade

por Milena Nunes

Continuando a descrever as experiências de caritativa nas comunidades de CL no Brasil, vamos relatar o que acontece em Salvador. Uma proposta feita aos jovens para visitar doentes em um hospital. Um gesto que tem se revelado uma ajuda para a vida de todos os que se envolveram

Há dois anos, provocada pela vibração e inquietação de alguns jovens que estudavam no projeto onde trabalha, decidi compartilhar essa provocação com padre Inácio, que também vivia a mesma questão com os jovens da sua paróquia. Desejando levar a sério essa provocação e o desejo dos jovens, começamos a nos encontrar para organizar as primeiras férias de carnaval. Dessa iniciativa nasceu e cresceu também uma amizade com Jean, Alessandra, Jeferson e Regilene.
As férias de 2014 foram organizadas em dois meses, participaram mais ou menos 55 pessoas. O tema foi uma frase de Dom Giussani: “Tudo que eu mais quero é não viver inutilmente: essa é a minha obsessão”. Os quatros dias em Andaraí, Chapada Diamantina, vividos com imprevistos e certezas proporcionaram muitas mudanças na vida dos que estavam presentes. A experiência das férias foi marcada por uma riqueza de fatos: fé, novos amigos, brincadeiras, desfile de carnaval, passeios, banho de cachoeira, trilha, testemunhos.
Mas, o maior testemunho veio pós-férias, quando alguns jovens, a partir da experiência de não viver inutilmente, decidiram iniciar um caminho de preparação para receber os Sacramentos. Começaram um caminho de catequese e assim se batizaram, fizeram primeira comunhão e crisma. Alguns ainda não tinham experiência religiosa e outros até frequentavam outra religião antes.

Novos caminhos. Propondo uma companhia guiada, pouco a pouco a amizade se expandiu. Os jovens começaram a fazer Escola de Comunidade, aprender as orações e participar das missas aos domingos. Iniciou-se também uma caritativa no Hospital Irmã Dulce, onde uma vez por mês se visita, encontra, brinca, canta e dança com os pacientes portadores de deficiência física e mental, na sua grande maioria abandonados pela família e acolhidos por Irmã Dulce quando ainda era viva. Para os pacientes acamados, por exemplo, a proposta é fazer companhia, conversar, ajudar as cuidadoras a dar comida.
Em 2015 as férias de carnaval foram repropostas, houve novamente grande adesão e novas pessoas participaram. O tema dessa vez foi: “Eu sem você não tenho por quê!”. A caminhada prosseguiu com o convite para viver buscando o rosto que dá sentido a tudo. Entre passeios, banho de cachoeira, problema de saúde de um jovem e show de talentos, ia se delineando e prevalecendo a grandeza do Mistério que nos surpreende sempre.
O ano foi marcado por uma série de outras iniciativas (convivência, Escola de Comunidade, retiro, encontros na casa de Jean e Alessandra, Coleta de Alimentos, diálogos sobre a vida, flashmob para o Dia da Revista Passos, festa de ano novo) que privilegiava a busca pelo rosto do Ser que nos faz ser.
Sem dúvida isso fez dilatar a amizade entre as pessoas e os jovens foram instrumentos concretos enviados por Deus para a conversão e aprofundamento do relacionamento com o Ele.
No dia 19 de dezembro de 2015, após dois anos fazendo caritativa no Hospital Irmã Dulce, decidimos realizar uma festa de Natal para os pacientes, que neste tempo acabaram se tornando nossos amigos. Pedimos doações de produto de higiene pessoal e de roupas para presenteá-los, preparamos músicas, comidas, bebidas, lembranças para os cuidadores.
Lá experimentos o cêntuplo. Iniciamos com uma oração e retomamos o texto de Dom Giussani sobre o sentido da caritativa. Foi-nos sugerido viver aquele dia à altura de Irmã Dulce, cuidar e estar com os pacientes como ela cuidaria. Isso ajudou a dar o tom do gesto. Em seguida fomos ao encontro dos pacientes, começamos com os mais debilitados, pois não falam nem andam, mas se comunicam através do olhar e do sorriso. É sempre forte e comovente encontrá-los, mas dessa vez foi ainda mais intenso. Eles ficaram felizes com a nossa chegada, com os presentes, com o lanche, com os gorros de Papai Noel que usamos, coisas aparentemente simples, mas que se tornaram grandiosas para eles e para nós. Ver o sorriso, o olhar expressivo, um pedido de ajuda para tomar um suco, a impossibilidade de se locomover, nos pôs certamente um questionamento sobre a nossa vida e como estamos vivendo-a.
Prosseguimos a visita, fomos passando de quarto em quarto, entregando os presentes e cantando. A cada parada experimentávamos uma novidade e alguns pacientes desejavam nos acompanhar, e assim a turma ia crescendo. Por fim, após a visita aos quartos, preparamos um lanche coletivo e mais músicas.

Mudanças imprevistas. Ficamos duas horas e meia juntos e o que nos foi dado certamente se estenderá para a vida toda. Os aprendizados foram diversos, como testemunharam alguns jovens. Paulo disse: “Fazia dois meses que não ia à caritativa, quando cheguei Bira, um paciente, veio logo falar comigo e disse: ‘é você, que bom que veio, me acolheu e me abraçou’. Eu pensei: se fosse outra pessoa, um amigo que tivesse deixado de encontrar por dois meses, tenho certeza que ia reclamar porque eu sumi, no entanto Bira me acolheu, me abraçou e não lamentou a minha ausência”. O testemunho de Paulo nos comoveu porque Bira na sua simplicidade reconheceu e acolheu a nossa presença, aderindo a ela, ao invés de lamentar pelo tempo que faltamos. Quantas vezes no cotidiano lamentamos a falta ao invés de acolher a presença.
Já Verônica, disse: “Fui fazer a caritativa na esperança de levar alegria ao hospital Irmã Dulce. Quando cheguei ao quarto dos pacientes fiquei um pouco sem palavras, mas fiquei emocionada, vendo aquelas pessoas acamadas e sem poder fazer quase nada. Nunca tinha ido em um lugar assim. Então, pensei comigo: ‘vendo essas pessoas acamadas, percebo que o importante é o que elas fazem, que é sorrir e fazer o outro sorrir também’. No início fiquei sem saber o que fazer, não sabia se chegava perto, se tocava ou falava com eles, mas eu queria sentir essa realidade de perto, então cheguei junto, mesmo sem saber o que fazer e eles me fizeram sorrir. Senti naquele lugar uma verdadeira felicidade. Foi muito gratificante, pois lá o amor, carinho, atenção e a alegria habitam. Dançamos, cantamos, sorrimos... Uma experiência nova. É, precisamos ver o quanto somos felizes e às vezes não sabemos. Há muita gente precisando de atenção, cuidado, carinho. Encontrei a verdadeira felicidade. Eu conheci o amor de Deus. Um dia depois de ter ido à caritativa consegui ficar sozinha com minha avó que é doente e não faz nada sozinha, fiz companhia, dei atenção e comida para ela, a coloquei na cadeira de rodas, coisa que nunca tinha feito antes, porque tinha medo”. Uma experiência quando é verdadeira é assim, muda a forma de viver as coisas concretas da vida, lhe tornando capaz de enfrentar algo que você antes tinha medo. Cristo é assim, quando incide na vida muda a forma como nos relacionamos com as coisas e com as pessoas.
Outro fato que chamou atenção foi um paciente que pediu ajuda para tomar o suco, porém para que ele conseguisse beber era necessário derramar pouco a pouco pequenas quantidades de suco na sua boca e ele pacientemente engolia. Esse fato marcou, pois diante da dificuldade ele poderia ter desistido do suco ou tentado beber sozinho e derramado. Sua postura nos ensinou que diante das dificuldades ao invés de desistir ou tentar se isolar, o pedido de ajuda é mais correspondente porque gera realização. Ele tomou todo o suco e ficou feliz da vida, sem precisar se lamentar porque foi outra pessoa que deu ou porque passou mais tempo para beber. A ele só importava o desejo de responder a sua necessidade, que naquele momento era beber o suco.
Além desses, aconteceram diversos outros fatos, como por exemplo, o questionamento dos cuidadores dos pacientes: “Quem são vocês? Vocês continuarão vindo? Deus ajude que em 2016 vocês continuem vindo aqui”.
Esse também é o nosso desejo, por isso em 2016, se Deus quiser e a nossa liberdade permitir, continuaremos fazendo esse caminho, pois é uma ajuda para a vida. Nesses dois anos nos vimos fazendo experiência de realização, de interesse pelos outros, aprendendo a viver com Cristo, como nos ensinou Dom Giussani no sentido da caritativa. Desejo que todos tenham a possibilidade de iniciar, retomar ou continuar a fazer caritativa, pois “a caridade é a lei da vida”.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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