Vai para os conteúdos

Passos N.182, Julho 2016

COLEGIAIS | FÉRIAS

Encontro de liberdades

por Valéria Gomes Lopes

Em São João del Rey, jovens de todo o país se reúnem para as férias nacionais. Entre jogos, cantos, passeios e assembleias, a experiência de uma imprevisível correspondência

Santo Agostinho tem um pensamento que sempre provoca a nossa razão: “Sou livre não quando faço o que quero; mas quando faço o que devo porque quero”. A palavra dever parece não ser adequada quando se fala de liberdade. Principalmente, numa cultura em que “tudo corrobora para o esquecimento das nossas exigências originais” e quando se reúnem noventa jovens entre 13 e 17anos.
Como assim? Dormir à meia noite? Subir uma trilha por 90 min, fazendo silêncio metade do tempo? Acordar às 7h30? Andar de Maria Fumaça sem colocar a cabeça para fora e sem levantar do lugar? Ficar em silêncio numa Igreja Barroca? Sentar num grande círculo e ouvir o que o outro fala esperando sua vez de falar? Brincar numa quadra de barro e ficar todo vermelho da cabeça aos pés? Participar de um momento de escola de comunidade, por quase duas horas, sem WhatsApp?
Acreditar nisso deve ser difícil até para a companhia de teatro que nos brindou com suas Lendas sãojoaninas na noite de sábado pelas ruas de São João del Rey. Provavelmente, deveriam querer arrancar o nosso coração para ver se eram iguais aos deles; furar os nossos olhos para descobrir se vimos mesmo tudo isso; desvendar o mistério dos ingredientes dos pães de queijo da Rita, ou o efeito do frango a ora pro nobis da “tia Beth”, como as velhinhas que não entendiam o que tinha acontecido na missa das almas... Onde já se viu adolescentes livres assim, gente?
Uai, sô! – ratificam os mineiros. Né, não, mainha? – confirmam os baianos. Esse povo é massa, véi! – exaltam os brasilienses. E aí, beleza? – interrogam os cariocas e petropolitanos, com seu jeito maneiro de afirmar. É tudo massa, meu! – reafirmam os paulistas.
Mas “foi assim, foi assim mesmo, foi assim que aconteceu”...
Para os educadores que os acompanharam, foi fácil segui-los. Mas não deveria ser o contrário?
Tentando responder a essa pergunta, com a palavra os colegiais de Comunhão e Libertação e seus testemunhos da experiência que fizeram nas Férias Nacionais/2016 – O abraço que te salva, ocorridas de 26 a 29 de maio, no lugar mais acolhedor do mundo porque uniu simplicidade, afeto e beleza. Como não afirmar o pertencer a Cristo num abraço assim?

Aprendi que, mesmo em um mundo cheio de problemas, é possível encontrar a beleza de Deus até mesmo nas coisas mais simples. Percebi que, no mundo atual, estamos mais preocupados em gravar momentos em um aparelho eletrônico do que ver essa beleza com nossos próprios olhos. Aprendi também que superar obstáculos é muito mais fácil quando você tem pessoas que você ama ao seu lado. Aprendi a viver, não apenas a existir. Essa viagem me fez começar a ver e sentir o mundo de um jeito diferente, e espero poder passar essa experiência para outras pessoas, para que elas possam sentir essa alegria também.
Esther Santana, São Paulo (SP)

Algo me encantou nas férias dos colegiais. Foi poder estar em um encontro com Cristo sem estar um dia inteiro em palestras e orações. Foi poder aprender a me comportar como cristã em qualquer momento e em qualquer lugar. Foi importante conhecer pessoas de diversos lugares e culturas e saber que quero levá-las sempre comigo!
Verônica Nars, Brasília (DF)

Durante a Escola de Comunidade que tivemos no segundo dia junto com as pessoas do nosso estado – no meu caso, por ser a única do Paraná, participei junto com o povo de São Paulo –,o Iverson, um de nossos educadores, nos pediu para fazermos uma comparação de uma vida cristã com uma não cristã. Pediu para analisarmos qual eram as diferenças, os benefícios e o porquê dessa nossa opção de viver uma vida cristã. No início, pensei em situações como as de saúde, porém ser ou não cristão não altera o fato de estar exposto a uma doença, de apresentar alguma deformidade ou deficiência. Depois, analisei questões relacionadas a salário, emprego, enfim, situações financeiras. O mundo em que vivemos é capitalista, é injusto, é corrupto, é seletivo, é preconceituoso, é imperfeito e, consequentemente, é humano. Não seria muito mais fácil, então, ter uma vida longe de Cristo? Provavelmente não nos sentiríamos tão incomodados com essas tantas coisas ruins do mundo e poderíamos, sem nenhum problema, nos entregarmos aos fúteis prazeres da vida. Então, por que não o fazemos? Como o próprio Iverson disse, essa não é uma pergunta para ser respondida do dia para noite, é necessário dar muita atenção a ela, e realmente devemos recolocá-la para nós mesmos sempre. Porque, do que valeria nossa fé sem uma razão? Primeiro preciso entender o que é ser cristão, e acredito que as férias me ajudaram a começar a compreender isso. Se ser cristão significa viver mais momentos como eu vivi nas férias dos colegiais, se significa enxergar beleza em coisas simples como uma flor no alto de uma montanha, se é se sentir incomodada com essas tantas coisas ruins do mundo e saber que também existem tantas outras boas; se ser cristão é enxergar um propósito maior para a nossa vida do que esse mundo nos oferece, se é saber perdoar e amar, se é ter esperança, então ser cristão é ser feliz, e é isso que eu quero ser.
Maria Teresa Ponce, Londrina (PR)

Esse ano tive meu primeiro contato com o Movimento e posso dizer, de antemão, que estou maravilhada com tudo o que aconteceu. Até então, eu não estava muito a fim de ir, mas, de última hora, decidi dar uma chance (parecia até que tudo estava predestinado). Eu falo "dar uma chance", pois apesar de fazer parte de uma família católica, tinha uma ideia generalizada de várias coisas envolvendo o cristianismo. Assim que cheguei ao local onde ficamos hospedados, em São João Del Rey, logo conheci um dos Franciscanos que morava por lá e engatamos numa conversa reflexiva sobre vários assuntos, e eu pensei: Ué, como é que uma pessoa super envolvida na Igreja tem esses pensamentos e aceita as diferenças de forma respeitosa e tolerante, tendo empatia e tudo o mais? Para mim, isso era quase inacreditável e algo muito novo, por isso a sede por conhecimento e a procura por entender as coisas só aumentava. Dia por dia, foi um novo ensinamento, e, a cada testemunho individual dos jovens que ali estavam sobre as caritativas e sobre a vida no geral, me dava vontade de persistir nessa caminhada. Voltei de alma lavada e cheia de sentimentos bons, ansiando fazer o bem para as pessoas e ajudá-las nessa estrada (que de fácil não tem nada), feliz ao extremo por ter participado e me jogado de cabeça nas férias. Para tudo isso foi fundamental o acolhimento das pessoas também, que têm um espaço reservado no meu coração para sempre, pois cada qual me marcou com sua história e seu jeitinho próprio de ser. Desconstruir, essa é a palavra que define minha experiência. E agora, depois desses dias maravilhosos, estou procurando sempre desconstruir os preconceitos e persistir na vida, seguindo a pureza de Deus. Agradeço a todos que contribuíram para isso.
Giovanna Neres, Brasília (DF)

O encontro dos colegiais me trouxe um grande desafio: me separar daquelas pessoas que eu já conhecia, sair dessa minha zona de conforto, e me impulsionou a me aproximar de novas pessoas, o que pra mim é muito difícil... O encontro do ano passado mudou muita coisa na minha vida, toda aquela proposta que a Sêmea fez despertou uma nova pessoa em mim, e acho que esse ano vai mudar ainda mais... Eu aprendi muito com as experiências dos outros colegiais e dos postulandos, e isso despertou em mim um desejo de fazer mais pelos outros, de me doar inteiramente ao próximo, de fazer a caritativa com o coração... É algo que me cobro muito e busco fazer, é a mudança maravilhosa que o movimento faz na minha vida para que eu seja uma pessoa cada vez melhor, e eu agradeço muito por isso...
Maria Letícia Campos, Brasília (DF)

Ter a oportunidade de participar do Movimento é um privilégio único. São sensações que, por mais que eu as busque, não acho nas coisas mundanas, não acho em festas, em passeios, nem mesmo nas minhas companhias do dia a dia. Esse encontro me traz algo diferente, algo que me faz buscar a Deus sempre e preenche o meu vazio. Esses encontros me fazem querer ser alguém melhor, por mais que as influências sempre me levem para outro caminho, sei que lá encontro “Abraços que me salvam”, pessoas que me entendem e não me julgam, me fazem rever as coisas e ver o que realmente corresponde ao meu coração, sem deixar de ser uma jovem cristã! As férias me trouxeram uma paz espiritual, me sinto sempre acolhida por todos esses abraços, são pessoas que sei que querem meu bem, que me dão força e inspiração para a vida, que me mostram valores e como viver verdadeiramente, que me ensinam a “seguir”, a ouvir, a respeitar e principalmente a viver coletivamente, a ajudar o outro sempre. Nessa viagem a São João Del Rey em específico, apesar de o lugar ser uma casa humilde em relação às férias do ano passado, foi bonito ver que todos se adaptaram, fazendo sacrifícios para estarem ali, e o que importava naquele momento era estar na companhia daquelas pessoas. Foi mais bonito ainda ver como todos se ajudavam na caminhada e foi interessante ver a preocupação de cada um com o próximo. Enfim, cada experiência com os colegiais e educadores é única e inesquecível, e só tenho a agradecer a Deus e a todos de CL que me fazem buscar a Deus e viver verdadeiramente de uma forma em que eu me sinta sempre dentro desse “abraço”!
Laryssa Kristina, Brasília (DF)

O desejo de ir para as férias partiu de um relacionamento de amizade com a Ângela Rocha, educadora de Brasília que me fez a proposta. Imediatamente aderi a ela, mas não queria ir sozinha. Queria levar todos os meus amigos comigo para mostrar para eles tudo de bonito que vivi nas férias do ano passado e que eles poderiam experimentar a mesma coisa. E assim aconteceu, lancei a proposta e dois deles aderiram. No começo fiquei um tanto preocupada, pois eles não conheciam ninguém. Bobeira minha, pois Deus também cuidou desse detalhe. Logo no início da viagem, quando os vi, já estavam mais do que entrosados, era como se todos fossem uma só família. Quando chegamos ao local para o encontro, fomos surpreendidos por pessoas de vários estados nos recebendo com abraços, afetos e carinho, parecia que éramos amigos de infância, uma reciprocidade tremenda. Mas, como nem tudo são flores, quase que essa beleza e ternura que senti ao chegar se desmoronaram por uma simples escolha de quarto: simplesmente não me deixaram ficar com as minhas amigas de Brasília. De novo, Cristo veio ao meu encontro, através da tia Beth, que contou o sim verdadeiro que deu ao Movimento. Então, percebi que toda mudança que acontece na nossa vida é um bem para nós, por mais que seja doloroso na hora em que acontece.
Maria Clara Souza, Brasília (DF)

Tenho 17 anos e esse ano fui pela primeira vez às férias colegiais. Elas foram incríveis! Fui ao acampamento de Carnaval no começo do ano e vi algo totalmente novo! Quando terminou, eu queria mais, era muito intenso. Nas férias, conheci muitas pessoas novas, que é uma das coisas que mais amo, conhecer novas pessoas e fazer novas amizades, pude ver novamente os amigos que fiz no acampamento. É incrível a sensação de ser abraçado por uma pessoa que mora longe e que você só viu uma vez na sua vida e ainda sentir o amor e carinho que aquelas pessoas sentem por você. Isso foi uma das coisas que mais me tocaram nessas férias. Mas o que mais me tocou foi um breve momento, após a Escola de Comunidade, em que parei e pensei nas dificuldades que a minha família está passando. Consegui pensar em todos e me preocupar de uma forma que eu nunca tinha feito. Senti-me outra pessoa, senti uma mudança bruta e repentina de alguém que vive com a sua família, mas não está presente, a alguém que quer ajudar em tudo e não os quer ver sofrer de maneira alguma. Tive lembranças da minha infância com a minha irmã, que está fazendo faculdade em Passos, apertando ainda mais o meu coração. Foi por isso que eu fiquei extremamente chocado comigo mesmo, pois naquele momento, desabafando com uma amiga, pude relembrar, pude sentir novamente, depois de muito tempo, como é a sensação de chorar!
Ramon Philippe, Belo Horizonte (MG)

Nessa altura de sua leitura, você deve estar se perguntando: mas que “encontro” é esse? O que é “postulantado” e “caritativa”?
O encontro é uma proposta de férias nacionais, que acontecem anualmente, cujo objetivo é nos ajudarmos a fazer experiência do que significa que a fé tem pilares que a sustentam, como Dom Giussani – fundador do Movimento Comunhão e Libertação – assim descreveu: cultura, caridade e missão. De maneira muito natural, as brincadeiras, os passeios, os momentos de comparação da experiência do dia com o tema e o que se indicou sobre ele, por meio de frases lançadas no início do dia, as refeições feitas juntos, as orações da manhã, as missas ao final do dia, os passeios culturais e a ajuda mútua vão tecendo aquilo que deve ser a aventura de viver o cotidiano, depois, cada grupo em seu estado com seus respectivos educadores.
O postulantado é a casa de postulantes Franciscanos que, na pessoa do Padre Jaime, nos acolheu com muita abertura e muito afeto. Com eles, vivemos a companhia fraterna e a experiência de unidade da Igreja: muitos carismas, uma só fé. Na noite de sexta, participamos do Lucernário, uma belíssima celebração da tradição da Igreja, recomendada pelo Papa Francisco nesse Ano da Misericórdia: Deus é a Luz que ilumina o mundo! E foi com eles que aprendemos mais essa beleza da nossa fé. Frei Jaime ficou contente porque a cozinha, maior parte da casa, foi um lugar muito frequentado por todos, onde foram preparados as cores e os sabores de Minas. A comunidade de CL de São João del Rey nos ofereceu muitas delícias. Hummmm! Foi muito bonito ver as famílias felizes por estarem nos servindo.
A caritativa é uma experiência que nos ajuda a reconhecer o sentido da nossa vida e a gratuidade do amor de Deus para conosco. Belo Horizonte, Petrópolis e Salvador contaram como esse gesto tem construído a amizade entre os adolescentes e os ajudado a viver tudo, desde o próprio relacionamento com suas famílias, até os estudos e a relação com colegas e professores de uma forma totalmente humana, livre dos preconceitos e da indiferença que parece reinar em nossa sociedade. Foi a experiência da jovem Letícia, de São Paulo, que mais nos surpreendeu. Ela tem três amigos com necessidades especiais na escola. São os seus melhores amigos! E, às sextas-feiras, Letícia se aventura em levar os três para passear: tomar sorvete, ir ao cinema, andar de bicicleta no parque... Agora, há um amigo da academia que a surpreendeu desejando acompanhá-la nesse gesto de amor fraterno! Como diz São Francisco, “é dando que se recebe”.
Parece-nos que estamos diante de um novo início para os colegiais do Brasil. Contudo, preparar as férias não é fácil. Aquilo que acontece é sempre muito maior do que imaginamos ou somos capazes de fazer, porque, quando se diz SIM, nos encontramos sempre com o abraço do Pai que nos salva.

Leia também:
> Testemunho do professor Marcelo Belga.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

Volta ao início da página