Vai para os conteúdos

Passos N.182, Julho 2016

VIDA DE CL | ÁFRICA

Quem guia o caminho

por Alessandra Stoppa

Mães, pais, missionários, jovens, profissionais. Vindos de doze países do Continente. Mas não há cultura, raça ou idade no encontro de Nairóbi, com os responsáveis de CL nos países africanos. Um diálogo contínuo. Porque, se a felicidade existe, também existe “a fonte”

Padre Eloi entra na Van. Segura um pedaço de madeira que servirá para manter a porta fechada. Cinco dias de viagem (e vários meios de transporte) o esperam antes de voltar para casa. Demorou outros cinco para chegar a Nairóbi, vindo de Minenbwe, sua cidade no topo do lago Tanganica, no Congo. E tudo, para ficar aqui quarenta e oito horas. Ele não teve dúvidas: “Uma ocasião dessas não acontece todos os dias!”. Encontrar uma centena de amigos de doze países da África e padre Julián Carrón, que conduz um encontro nacional, para falar sobre a vida. Aquela que, todavia, acontece todos os dias.
No fundo, a viagem vale por isso: o habitual se torna novo. A reprovação em um exame, a necessidade de mudar de casa, a tristeza de um domingo à noite, a frase de um colega. Poderiam ser fatos sem importância, ou uma série de “gestos gratuitos de Cristo, que guia o caminho de cada um de nós. E vem nos salvar do deserto em que vivemos”, como dirá Carrón. Durante os três dias da Assembleia dos Responsáveis, realizada no Quênia de 13 a 15 de maio, os amigos das comunidades africanas contam o que aconteceu durante o ano, e um tema recorrente é “a luta entre dois modos de olhar para a realidade: o nosso, racionalista, que vê somente a aparência, ou o modo ao qual Deus nos chama: olhar para as coisas na sua verdade. Olhá-las a partir daquilo que realmente são: cheias de Mistério”.

Uma comunidade. Grace, com belas tranças negras, é uma jovem de Kampala e com sua voz puríssima ajuda esses dias com o canto. Deixou a mãe e foi morar longe: gostaria de encontrá-la, ficar com ela, mas teme perder Jesus e a amizade que encontrou no Movimento. Carrón lhe pergunta: “Mas o que nós encontramos? O que quer dizer ter encontrado Cristo? Ele a encontrou e disse: ‘Você é minha, Grace. Eu te amo. Ficarei com você para sempre’. Este é o laço que estabelece com você. Em qualquer lugar, em qualquer momento, Cristo está com você. Quando está com seus amigos, quando está com sua mãe, quando acorda sozinha... A sua vida é sempre acompanhada por Jesus. O problema não é a distância, porque Ele está presente a cada instante: o problema é a consciência. Nós não estamos sozinhos! Somos distraídos. Por isso, muitas vezes, o medo domina nossa vida”.
“Enquanto escutava isso, reencontrei Cristo”. Quem me diz isso, à noite no jantar, é um sacerdote. Padre Adriano vem de Angola e é pároco em Lobito, na Diocese de Benguela; tem 48 anos e, no rosto, uma alegria visível. “Hoje é como se Deus tivesse tirado minhas vestes”, o papel do padre, “para falar para mim”. Conheceu o Movimento há muitos anos na Itália, e o reencontrou na Angola um ano e meio atrás graças ao pedido do Bispo de fazer contato com CL. A partir daí, teve início a Escola de Comunidade com os jovens da paróquia e nasceu uma nova trama de relacionamentos. Em fevereiro, explodiu uma terrível epidemia de febre amarela. O número de vítimas aumentava e muitos não tinham dinheiro para se vacinar: seus meninos começaram a aplicá-la gratuitamente, também nas ruas. “Quando as pessoas lhe perguntavam por que faziam aquilo, eles diziam: “Estamos lendo um livro... de um padre que se chama Dom Giussani”.
Chegar a Nairóbi não foi óbvio. Para ninguém. Para alguns, significou problemas nas fronteiras entre vistos e inspeções. Os nigerianos ficaram presos durante quatro horas no aeroporto, os camaronenses não tiveram permissão para partir. Questão de segurança e também de preconceito. Realmente não é algo banal o fato de, no Convento que hospeda a Assembleia, em Nairóbi, não haver cultura, raça, língua ou tribo. Há uma comunidade. A familiaridade impossível entre desconhecidos, a beleza e todas as dificuldades de se construir juntos entre aqueles que se conhecem há anos, os dramas mais íntimos, cantos em suaíli e dos Alpes entoados por Roland, jovem e musculoso nigeriano, que em pouco dias vai se mudar para Abuja por causa de um novo trabalho, deixando os amigos de Lagos. “Antes de hoje, tinha medo dessa mudança. Mas agora sei que nunca estarei sozinho”.
Jean Marie, de Burundi, está aqui graças a um picnic. “Estava ali, olhando as pessoas em minha volta, e percebia que para eles a fé não era algo abstrato. Nesta companhia, senti-me amado. Experimentar esse amor é, agora, a única coisa que me importa na vida. Não preciso de mais nada”. Carrón explica assim, a alternativa: “Ou somos visionários ou tão simples que aceitamos ser surpreendidos, maravilhados por alguém”. E a outra âncora de salvação é “o próprio coração”, que nos dá o alerta quando ficamos acomodados.
Matteo, italiano que mora em Uganda, diz que está descobrindo cada vez mais que “a única novidade dos meus dias é Cristo quem dá”. Ficou muito emocionado com um comissário de bordo italiano, que mora em Dubai e chegou, por meios estranhos, à sua escola de Kampala: o que o levou até ali foi “um olhar” que viu em um professor quando tinha dezesseis anos, e que reviu no vídeo pelos 60 anos de CL que ganhou de presente. Decidiu, então, pedir uma escala de trabalho que o levasse à Uganda para poder conhecer as pessoas que viu no filme. Mas o hotel onde ficou hospedado era tão bonito, que ficou ali o tempo todo. No avião, durante a viagem de volta, sentia-se triste. “Sou um estúpido”. No entanto, exatamente naquele voo, entre os passageiros, estavam três amigos que chamaram a sua atenção, de novo por causa “daquele olhar”, que fez com que ele perguntasse: “Vocês são de CL?”. E tudo recomeça.
“Um modo diferente de estar em um picnic! Ou um olhar!”, continua Carrón: “O que é um olhar para nós? Quase nada. No entanto, é algo vivo que não se pode esquecer. E é capaz de mudar a vida. Quantas vezes sentimos esse olhar sobre nós? Falta-nos a consciência. O tempo da vida nos é dado apenas para crescermos na consciência de quanto Jesus nos ama e continua nos fazendo companhia”. Às vezes através do vazio fugaz que sentimos mesmo quando a vida vai bem. Manolita, de Kampala, fala de uma amiga a quem propôs fazerem, juntas, o catecismo. Ela nunca tinha recebido a Comunhão, mas aceitou e redescobriu a fé. Um dia, lhe disse: “Meu namorado, vendo-me tão feliz, me pediu em casamento”. Acontecem coisas bonitas, todos os dias, no entanto permanece uma incapacidade de encontrar paz, a impressão de que nada nunca é o bastante, como contam alguns: “Mas esta é a Sua preferência! Porque somente Ele é suficiente. É o modo com o qual provoca: eu não lhe faço falta?”, diz Carrón: “É o modo com o qual se faz presente e faz com que nos demos conta do nosso desejo”.
Barbara, italiana que mora na Nigéria, numa segunda-feira escutava uma colega da escola onde trabalha fazer uma lista de dificuldades: “Eu não aguento mais, aqui há mais problemas que crianças”. Ela respondeu, de repente: “Mas você diria que tudo se resume a isso?”. A outra ficou furiosa: “Não venha com a Escola de Comunidade! Estou falando de um problema concreto”. Barbara se calou. “Não queria que a resposta àquela pergunta fosse óbvia nem mesmo para mim. Deixei o tempo e o espaço para aprofundar a questão. E aquela semana foi fantástica. Fiz um balanço da presença de Cristo na minha vida. E isso me fez lembrar todos os Seus sinais, inclusive as pessoas que me dá agora”. Então, tudo se torna “diálogo, possibilidade de nos tornarmos mais conscientes da graça que recebemos”.

Rose e a carta. À noite, foram ouvidos alguns testemunhos. Cyprian é um professor de Mutuati, cidade que fica a 400 km de Nairóbi. Para seus filhos (doze) e para seus alunos, deseja apenas uma coisa: “Que eles também experimentem o olhar de Cristo que eu encontrei. É tudo o que eu procurava”. Teddy é de Uganda: decidiu que sua felicidade era se casar, e se casou, mas o marido tornou-se violento e abandonou a família. Depois, voltou para ela. Por causa do encontro com Rose e do Meeting Point International de Kampala, Teddy decidiu ficar ao lado dele: apesar de ele não mudar, ficou com ele até a sua morte, há dois anos. Quando falaram sobre a herança, os parentes do marido a acusaram de ser orgulhosa porque não reivindicava nada enquanto tiravam tudo dela. “Sim, sou orgulhosa”, diz ela: “Orgulhosa d’Aquele que me provê, me dá tudo, me faz respirar e me torna eu mesma. Eu pertenço a este lugar”.
Ouvimos histórias incríveis. “E um instante depois, já estamos prontos para ouvir outra”, dirá Carrón: “O problema é sermos conscientes de que o que nos toca é o mesmo olhar que está em nossa vida a cada a instante. Cristo continua acontecendo, minuto a minuto. Mesmo que não percebamos isso. A Igreja não existe sem que seja feita a cada instante por Cristo. Cada um de nós está aqui porque Cristo está acontecendo”.
Os três dias de Assembleia são belos e intensos, mas não por causa de um padrão, nem por causa da energia de alguém. “É Jesus que os torna belos”, escreveu Rose Busingye, responsável pelo Movimento na África, em sua carta convite: “Agora tenho mais certeza disso”, diz, sentada nos sofás durante um intervalo entre as assembleias, que impressionam pela liberdade de falar, nunca previsível, mesmo entre os mais jovens, e as filas para fazer perguntas. “Somos muito preferidos”, continua Rose: “Nós, que somos nada, que poderíamos ser jogados no lixo, somos amados. Só podemos acreditar porque Deus nos antecede. Acontece e nos atrai”.

A experiência de felicidade. Arnold, de 17 anos, tem perguntas sobre Jesus e sobre como reconhecê-Lo presente. Carrón o desafia: “Quando você o encontrou? Qual foi o momento? Em quais fatos reconheceu esse encontro?”. Pede que escreva a resposta em forma de diário. Ele não espera, e diz para todos: “Estava me esquecendo da beleza daquilo que me aconteceu”. Fala do encontro com a “vida de Giussani”, na escola, de quando esteve pela primeira vez no seu túmulo, em uma viagem à Itália por causa de um grave problema nos olhos, “não lhe pedi para não ficar cego, mas para ter o mesmo desejo que ele tinha”.
Ouvir Arnold quebra o silêncio da tímida Priscilla, profissional de informática, 35 anos, queniana que, no jantar, conta: “Para mim, o momento aconteceu alguns meses atrás. E não quero esquecê-lo mais”. Estava em casa, num domingo à tarde, e sentia-se muito triste. Não sabendo o que fazer, pegou a revista que comprou na igreja, Traces (edição de Passos em inglês), e a abriu. Leu uma carta onde uma jovem italiana que estuda na Alemanha contava como sentia falta de seus amigos. Imediatamente, pensou: “Como é possível ter amigos que façam tanta falta? Eu também posso tê-los?” Escreveu um e-mail para o endereço que estava na revista e, hoje, está aqui. “Não sou perfeita, mas encontrei amigos que me amam como sou”. Chama o que está acontecendo com ela de sua “revelação”, que pouco a pouco tocou também o coração de sua irmã, que não é nem batizada.
A última assembleia foi dedicada às três dimensões – cultura, caridade e missão – que, juntas, tornam um gesto verdadeiro, pleno, humano, cristão: o ponto nevrálgico é “não reduzir a necessidade, nossa e do outro, porque assim não respondemos a nada”. E nestes países, onde as necessidades são tantas e tão grandes, “é ainda mais decisivo”, diz Carrón: “O que quer dizer amar verdadeiramente? Não é poupar das dificuldades, mas gerar uma personalidade forte”. Dois dias antes, no encontro com os Universitários do Quênia, Daisy falou sobre a caritativa que faz num orfanato: “Lá, aprendo o relacionamento que Cristo tem comigo. E me sinto feliz. Quem é a fonte da minha felicidade? Essa pergunta cresce”. “Cristo, pouco a pouco se faz conhecer por nós cada vez mais. Mas há um ponto de partida”, sublinhou Carrón: “A experiência de felicidade. Cristo entra na nossa vida não porque falamos sobre isso. Mas porque experimentamos a felicidade. Que todos vocês possam ser felizes desse modo!”.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

Volta ao início da página