Uma ajuda a aprender a enfrentar a crise econômica, a partir das palavras do Papa Francisco. Esta foi a novidade trazida pelo Fórum Nacional da Companhia das Obras, cujo lema “uma amizade operativa” é sempre mais concreto
A Companhia das Obras (CdO) realizou em São Paulo, em 25 e 26 de junho últimos, seu 5º Fórum Nacional no Brasil, com o tema “Não só a esperança, vocês são a riqueza”. Com a participação de mais de uma centena de empreendedores, o encontro foi um grande sucesso. Para conhecer melhor essa associação e os resultados do Fórum, conversamos com sete participantes do evento: Dionigi “Gigi” Gianola, diretor geral da CdO na Itália; Monica Poletto, presidente da CdO Obras Sociais; Renato Braga Fernandes, professor de educação executiva em São Paulo; Carlos Otávio da Costa e Ivana Moraglio, respectivamente sócio-proprietário e coordenadora de marketing da Bento Store; e o arquiteto Eduardo de Souza.
O que é a Companhia das Obras (CdO)? O que ela representa para vocês?
Dionigi. A CdO é uma associação com a finalidade de acompanhar empreendedores para desenvolver o seu empreendimento, tenha ele fins lucrativos ou fins sociais. Além de ser um lugar de encontro, visando à criação de uma network internacional, oferece uma série de instrumentos para ajudar as empresas a se desenvolverem.
Otávio. Para mim, a coisa mais importante desse Fórum que acabamos de fazer foi justamente compreender que a CdO não é um modelo pronto, que eu tinha que analisar para ver se era válido ou não. Trabalhando junto com meus amigos, tanto no Fórum quanto na sua organização, percebi que aquilo que eu estava vivendo com eles é que era a CdO-Brasil. Ela não é um modelo, um formato, mas esta amizade que está me ajudando. Quantas relações nasceram desse Fórum, dessa organização que nós fizemos! Mas de um modo profundo, uma amizade que nos faz viver melhor. O trabalho é a maior parte de nossa vida e aqui temos uma amizade que acontece no trabalho e nos ajuda a viver melhor o trabalho.
Eduardo. A CdO surgiu na minha vida a partir da necessidade de entender melhor o meu trabalho e como, até do ponto de vista técnico, enfrentar o dia a dia. Com outros dois amigos, começamos a nos reunir toda terça-feira para tomar uma cerveja e falar sobre o trabalho. Nós três havíamos recentemente assumido posições de responsabilidade em nossos locais de trabalho e percebemos que sozinhos não dávamos conta de nos desenvolvermos nessas novas funções, então convidamos outros dois amigos, profissionais em gerenciamento de pessoas e empresas para tomar cerveja. No fim deste primeiro encontro, eles nos disseram que isto que estávamos fazendo era a CdO e que deveríamos abrir nossa conversa para quem quisesse participar. Depois disso fizemos uma série de encontros nos quais trabalhamos como enfrentar as diversas barreiras e dificuldades do trabalho e como isso se refletia em toda a nossa realidade.
Ivana. Quando comecei a ajudar na organização do Fórum, estava em um momento de grande dificuldade para encontrar trabalho. Durante uma reunião conheci o Otávio, que é sócio-proprietário de uma empresa. De uma conversa para outra, ele me propôs uma colaboração que agora se tornou o meu novo trabalho. A CdO é para mim um ponto de encontro e de partilha entre pessoas que querem fazer do trabalho não só um meio para levar a vida, mas sim um caminho para transformar a si mesmo e o mundo.
Renato. Sou professor, na área de Educação Executiva, e vivencio diariamente o desafio de valorizar o trabalho como meio de promoção da dignidade humana, para que a economia, o capital e, principalmente as empresas, sejam instrumentos para o desenvolvimento da sociedade, para o desenvolvimento das pessoas e não apenas para a realização de objetivos pessoais e egoístas. Eu acredito nessa possibilidade, e trilho este caminho de buscar dar “luz” a este mundo das empresas, empresários e gestores através do meu trabalho. A CdO me ajuda particularmente nesse aspecto através dos encontros, dos Fóruns e outras atividades. Nessas oportunidades posso refletir sobre a minha postura no trabalho, a minha vocação profissional, a relevância que o trabalho tem para outras pessoas. Por exemplo: com as formações do Bernhard Scholz sobre gestão do tempo e sobre a pessoa e a organização, consegui melhorar minhas aulas e treinamentos para os gestores. Um dia, na Receita Federal, fiz todo um planejamento estratégico com o tema: “Com a audácia do realismo” – levando os técnicos envolvidos a refletir sobre o futuro deles e o futuro da organização na qual trabalham a partir de uma realidade incontrolável e que se impõe.
O Fórum desse ano teve, como ponto de partida, o pensamento do Papa Francisco sobre economia e sociedade, e o tema foi justamente uma frase dita por ele aos jovens do México: “Não só a esperança, vocês são a riqueza”. Por que essa escolha?
Eduardo. Escolhemos essa frase porque ela ajuda a entender para onde olhar quando estamos em crise, porque em um primeiro momento é muito comum nos imobilizarmos procurando encontrar o culpado pelos problemas: o governo, as outras pessoas, o chefe, os políticos, os funcionários... Mas a questão é olhar para nós e as outras pessoas para encontrar ali a força para superar os problemas.
Monica. Na crise, as pessoas tendem a se isolar. Mas o homem sozinho acaba sendo oprimido pelos problemas, não é capaz de enfrentá-los. Uma companhia de pessoas que desejam compreender juntos como mudar a realidade, qual mudança é pedida a eles, representam uma riqueza insubstituível.
Renato. Eu propus, por exemplo, a atividade da tarde de sábado, o world café, no qual as pessoas podem conversar sobre seus problemas e as soluções que encontram para ele, porque é um método que favorece tudo o que ouvimos do papa: a aposta na riqueza que é cada pessoa. Cada um é um ser único e irrepetível. Sua bagagem, suas posições, se servidas na mesa, num processo de partilha, podem ajudar muito a aprofundar a análise da realidade. É isso que fizemos. Favorecer um ambiente de encontro e partilha das pessoas, tendo como provocação questões que eles mesmos colocaram sobre empregabilidade, trabalho em organizações e obras sociais.
Bernard Scholz, presidente internacional da CdO, na sessão de abertura, fez uma bela colocação onde mostrou as implicações da mensagem do Papa Francisco para a vida e o trabalho dos empreendedores. Para vocês, quais foram os aspectos mais importantes abordados em sua palestra?
Dionigi. Pessoalmente, creio que o ponto fundamental seja aquele de criar locais de autêntica vida associativa, nos quais as pessoas possam trocar experiências. O homem é, por definição, um ser relacional e se conseguimos, como CdO, criar esses lugares, estaremos dando seguramente uma ajuda real aos empreendedores. Outro tema importante foi o da necessidade de colocar o homem no centro da economia real. Qualquer decisão deve colocar no centro o homem como sujeito. A empresa não tem como finalidade o lucro. Pelo contrário, o lucro é o meio para satisfazer as necessidades e os desejos do próprio homem.
Eduardo. Refletindo sobre isso percebemos o valor da pessoa. Quando uma empresa está mal, uma das primeiras coisas que se faz é cortar funcionários, as pessoas são olhadas como números. Vimos, através da apresentação do Scholz, que, se olharmos para a pessoa com todo o valor que ela tem, podemos encontrar uma forma diferente e engrandecedora de enfrentar a crise. Não que isso resolva os problemas econômicos e que no fim não será preciso demitir ninguém, mas que é possível viver este momento com uma beleza quase nunca explorada. A empresa como início de uma nova economia, que permite o desenvolvimento da pessoa. Num discurso aos representantes da Confederação das Cooperativas Italianas, de 2015, o Papa diz que, realizando uma nova economia, cria-se a capacidade de fazer as pessoas crescerem em todo o seu potencial. Diz que o sócio de uma cooperativa não deve ser apenas um fornecedor ou um trabalhador, mas deve sempre ser o protagonista, deve crescer como pessoa, social e profissionalmente, através da cooperativa. Diz que a lógica deve ser aquela na qual “um mais um é igual a três”.
Isso não pode ficar muito teórico?
Eduardo. Não. Veja, por exemplo, como os pontos levantados pelo Papa para os funcionários do Banco de Crédito Cooperativo de Roma mostram como essas coisas são concretas: (1) ser diariamente provocados a enfrentar a crise de dentro para fora, para que cresça aí um protagonismo e não ser engolidos pela mentalidade externa que acaba afogando o humano; (2) preocupar-se com a relação entre economia e justiça social, mantendo no centro a dignidade e o valor das pessoas; (3) promover o uso solidário e social do dinheiro, de modo que não seja o capital que comanda os homens, mas os homens que comandam o capital.
Otávio. Uma pergunta que eu me fazia é como a necessidade de cada um poderia ser respondida nesse Fórum. Cada um tem uma necessidade diferente. A necessidade de quem está desempregado é diferente daquela de quem é gerente ou daquele que é empresário. Então como nós iriamos responder a tudo? A gente viu que isso é possível dentro de uma amizade, porque cria um ponto de partida em comum. O fato de partirmos do pensamento do Papa foi muito importante. Com a mediação de Scholz, dali saiu como eu lidero melhor, como eu me organizo melhor. Percebi que o ponto de partida é só um. É lógico que sempre vai haver peculiaridades, mas o ponto de partida é sempre um.
A experiência da CdO não quer ser uma coisa só para cristãos, muito menos só para os membros de Comunhão e Libertação. Mas é inegável que o cristianismo e o carisma de Dom Giussani, em particular, estão na raiz desse caminho. Como vocês veem o diálogo entre a experiência cristã e a contribuição que a CdO pode dar a todos numa sociedade pluralista como a nossa?
Renato. O debate sobre teoria das organizações, no campo das ciências sociais, é vazio e pessimista. Transmite-se sempre aquela ideia de que as organizações são instrumentos do capitalismo para a conquista de objetivos egoísticos, que dividem e suprimem as pessoas. A contraposição é sempre um modelo ideal, autônomo, que está muito distante da realidade. Na área da educação executiva, muitas vezes se discute demais as “práticas de gestão”, valorizando premissas como a competição (até com clientes e fornecedores), a maximização de resultados a curto prazo e etc. Tanto na academia quanto na prática, o que falta é uma discussão sobre a natureza da pessoa que mostre um caminho diferente e factível. Falamos sempre dos “meios” – capital, empresas, obras, política – mas falamos muito pouco de quem realiza estes meios, as pessoas. O cristianismo compreende que os meios só se tornarão melhores quando as pessoas se tornarem melhores. A mudança na comunidade, na empresa ou no Brasil, só acontecerá depois de uma conversão sincera de coração. E é isto que o cristianismo nos faz pensar e nos ajuda a realizar no dia-a-dia. Dom Giussani nos ajuda a compreender essa nossa natureza e o “impulso” ininterrupto de busca de realização que toda e qualquer pessoa carrega, seja como empreendedor, empregador, funcionário ou voluntário social. Reconhecer isso nos aproxima imensamente das pessoas, porque me “une” a elas. Independente das nossas posições ou diferenças, buscamos sempre a mesma coisa. Tendemos sempre para este mesmo X.
Monica. O cristianismo educa os homens para poderem estar na tempestade. É uma grande contribuição, particularmente em tempos como os de hoje. Na CdO, encontramos e dialogamos continuamente com pessoas que não são cristãs, justamente porque o cristianismo é a resposta para o coração do homem, assim como ele é, e não só a resposta ao coração dos cristãos. Podemos encontrar a todos na medida em que não propomos uma ética, mas uma vida que está continuamente se confrontando positivamente com a realidade.
Dionigi. Se uma proposta é realmente boa, é boa para todos. O coração de todo homem é sedento de uma coisa assim. Dom Giussani nos ensinou a viver intensamente o real, a viver intensamente nossa experiência, inclusive no mundo do trabalho. E o crucial, para os cristãos, é que vivam sempre o testemunho daquilo que vivem. Testemunharmos aquilo que fazemos todos os dias, em nossos empreendimentos e obras, em nossas famílias, nos lugares que vivemos.
Eduardo. O Papa, num discurso aos membros de um movimento de trabalhadores cristãos, nesse ano, considera três pontos fundamentais: a educação, a partilha e o testemunho. É isso que aprendi a viver em minha caminhada de CL e isso realmente me faz viver cada vez melhor minha experiência no trabalho.
A partir daí, o que vocês podem-me dizer sobre o futuro da CdO no Brasil e a experiência de vocês dentro dela?
Renato. Quando o pessoal começou a organizar o Fórum, eu queria contribuir. É difícil só ficar “assistindo”... Mesmo sem ter nenhum tempo... Mudei recentemente de cidade e de trabalho. Cidade nova, trabalho novo, mestrado, filha nova e duas crianças pequenas... Mas fui “movido” por este desejo de fazer – junto com os demais – um belo encontro, um belo evento. Creio que isso diz o que significa para mim participar da CdO e o que eu espero participando dela no futuro.
Ivana. Antes eu não conhecia bem a proposta da CdO, mas o Fórum despertou um grande desejo de continuar a caminhar junto, ser acompanhada e compartilhar as experiências do mundo do trabalho à luz da nossa fé. Acredito que a CdO possa ser um ponto de referência para encarar os problemas, um estímulo a vê-los como oportunidades e não só obstáculos. Isso através de encontros sobre temas quentes da atualidade tanto quanto sobre argumentos mais específicos com profissionais de referência, para que seja realmente uma “amizade operativa”.
Monica. Creio que, sobretudo nos últimos dois anos, se vê de um modo cada vez mais claro a “personalidade” da CdO no Brasil, que se caracteriza por uma grande capacidade de envolver a outros, acolhendo e aprendendo com todos. Essa vivacidade certamente levará longe a CdO no Brasil e eu quero estar junto com ela para descobrir onde ela irá.
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