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Passos N.183, Agosto 2016

RUBRICAS

Cartas

UMA EXPERIÊNCIA DE LIBERDADE
No final de maio, fui convidado a participar do encontro dos Jovens Aprendizes das Obras Padre Giussani, que aconteceu pelo 12º ano consecutivo na cidade de Capitólio/MG, no lago de Furnas. Este ano o tema foi “Liberdade e responsabilidade: As duas faces de uma mesma moeda”. Este tema me provocou muito desde os primeiros preparativos, que começou 6 meses antes: escolha do tema, ver local dos passeios, aluguel do espaço, transporte, eventos para arrecadar dinheiro para ajudar os jovens... Temos muito trabalho e o que nos faz todo ano apostar nestes jovens é exatamente o tema que propomos este ano: que encontrem um lugar de liberdade, onde possam descobrir a beleza da vida. Uma pretensão! Nós, professores, temos muitas pretensões sobre nossos educandos. A experiência que fiz neste ano foi uma chamada de atenção para mim mesmo, pois ao retomar os textos, ao conversar com minha esposa e com os responsáveis que organizaram o evento, fui me dando conta Daquilo que encontrei e que me faz livre. Lembro sempre do meu encontro com alguém que tem nome, rosto concreto e é livre, que me propôs experimentar um caminho há muitos anos atrás, eu ainda era colegial. Foram dias de muitas experiências, conversas, desafios e, sobretudo, de encontros. Quando os jovens querem conversar, falar de si, das experiências que estão vivendo naquele lugar, é muito bonito, mas deixo sempre uma pergunta para eles: “E segunda-feira, como viver de novo esta novidade que encontrou?”. Esta pergunta eu me fazia para mim também, pois é fácil estar na natureza, ver a cachoeira e os cânions, o pôr do sol, escutar belas músicas e poesias, encontrar a Lúcia em Piumhi, que é sempre um espetáculo, mas e segunda-feira? Na assembleia de domingo me dava conta de como é importante ter alguém que me corrige e me aponta um caminho pra verificar. Interrompia os testemunhos entre um jovem e outro porque meu coração “pulava de alegria” ouvindo os jovens e suas experiências, e queria que eles voltassem para casa com muitas perguntas para responder, com um caminho para verificar e com uma alegria que pudesse durar. Lembrei-me de padre Virgílio num encontro dos colegiais, no qual falávamos de liberdade, quando eu dei o meu testemunho e ele me corrigiu, sempre me deixando uma nova pergunta. Aprendi assim, tinha que refazer o caminho, olhar de novo, experimentar muitas vezes. Eu estou trabalhando assim, com essas perguntas que me fazem lembrar os primeiros dias quando encontrei CL na escola, com o rosto concreto daquela professora de Geografia que eu olhava e pensava: encontrei alguém que me corresponde, quero dar aulas como ela faz, quero olhar para os alunos e ser livre, propor algo além. Hoje a minha felicidade tem um nome e um rosto.
Marcelo Carvalho, Belo Horizonte (MG)

UM PROBLEMA A SER RESOLVIDO OU ALGO A MAIS?
Até algum tempo atrás, embora a situação dos refugiados me tocasse, nunca tinha realmente me interessado. A única coisa que não me deixava tranquila e que me deixava curiosa era que alguns amigos de Friburgo trabalhavam e faziam caritativa com os refugiados. Assim, em fevereiro, quando foi anunciada na universidade uma iniciativa buscando voluntários para dar aulas de francês para os numerosos “requerentes de asilo” da região, dei minha disponibilidade. Antes de começar, a responsável pelo projeto me escreveu perguntando se eu estaria disponível para aplicar um teste de francês aos imigrantes para verificar o nível deles. No dia do teste estávamos em um grande anfiteatro: os refugiados eram muitos, de diversas idades e nacionalidades (na maioria etiópios, eritreus e sírios). Enquanto os intérpretes das diversas línguas traduziam ao microfone a mensagem de boas vindas, as orientações sobre o que fazer e como seria a entrega dos testes, comecei a olhar para cada um deles e, a um certo ponto, as lágrimas começaram a cair. Chorava tanto que fiquei com vergonha, e tentava me conter. À noite, em casa, contei ao meu marido sobre o meu dia, sentindo um pouco de vergonha, e desejando entender a natureza desta comoção. Fiquei desconcertada pelo fato de, ao olhar para eles, não perceber nenhuma distância entre nós. Pareceu-me evidente o fato de que as pessoas que estavam diante de mim tinham sido desejadas por Aquele que também me desejou. De fevereiro até hoje aconteceram coisas maravilhosas com meus alunos e amigos imigrantes. Sábado, por exemplo, fui convidada para a festa de noivado de uma aluna afegã. Este exemplo e minhas aulas de francês não me deixavam tranquila e todas as vezes que lia artigos sobre eles tinha vontade de gritar: “Todas essas pessoas não podem ser reduzidas apenas a um problema que deve ser resolvido pela Europa! Há algo a mais, há uma provocação enorme para o coração de todos!”. Esta experiência é fundamental para me ajudar a viver os problemas da vida cotidiana. Porque, se é tão evidente que aquelas pessoas são para mim, como pode não sê-lo todo o resto da realidade? Esta pergunta está me fazendo uma grande companhia, sobretudo nas dificuldades. E é um ponto de verdade do qual recomeçar.
Letizia, Neuchâtel (Suíça)

RIO PRETO E AS ESTRELAS
Alguns meses atrás, fizemos um encontro com Lorenzo Spina, italiano pesquisador astrofísico, que trabalha atualmente na USP, em São Paulo. A proposta de encontro foi feita ao pequeno grupo de colegiais em São José do Rio Preto, interior de SP, e o Lorenzo apresentaria a pesquisa que está sendo desenvolvida. Os meninos convidaram pais, colegas de escola, amigos e professores. Tudo foi feito da maneira combinada e no dia do encontro éramos 30 pessoas com olhares interessados nos belíssimos slides que o Lorenzo ia passando na medida em que falava do nascimento das estrelas, da mancha negra no meio da via láctea, onde só através do auxílio de um equipamento especial é possível ver milhões de estrelas escondidas. Ele também enumerou algumas condições para que sejam consideradas possibilidades de vida nos planetas, como a presença de água e de um certo tipo de solo. O fascínio era grande pelas imagens e explicações, e dentro de todo o trabalho, o Lorenzo nos provocava com perguntas que o acompanham nesta incrível busca dentro do universo. Perguntas que nos levam a olhar a realidade com o mesmo fascínio com o qual observamos o mistério das estrelas. Dois meninos comentaram sobre este encontro: “O sábado com a palestra do Lorenzo foi bem diferente. Eu me envolvi inteiramente com a causa e motivei muito a galera a ir. Isso sem dúvidas pelo fato de a nossa região carecer de tais atividades culturais, sendo um pesquisador da USP sempre bem vindo para acrescentar algo em nossas vidas. Logo, gostei muito e achei muito legal ver toda a equipe da ‘organização’ se mobilizando para que tudo ocorresse da melhor forma – o que de fato ocorreu. Espero que haja outros dias como esse. Fica aqui meus agradecimentos a você, Glorinha, por ter nos proporcionado isso” (Alison). “Para mim, foi um fim de semana bem agradável que envolveu aprendizado e convivência com os amigos já conhecidos e os visitantes italianos. Primeiramente houve a palestra do Lorenzo, o pesquisador da USP, que nos mostrou novas informações sobre o nosso sistema solar como, por exemplo, a possibilidade da vida em Marte. Nessa palestra, eu e alguns amigos tivemos a oportunidade de nos envolver antes, convidando as pessoas e procurando um local para o gesto, e desta forma senti que conseguimos um bom número de pessoas e uma tarde bem interessante. Depois fizemos o churrasco e prolongamos a conversa. Espero que outros momentos úteis como esse estejam por vir!” (João Pedro).
Glorinha, São José do Rio Preto (SP)

MEU ESTÁGIO NO PRONTO SOCORRO
Completei duas semanas de estágio em um Pronto Socorro: vou me formar em Medicina neste ano. O Pronto Socorro é um lugar particular: primeiro, momentos de espera em que quase não se sabe o que fazer e, depois de algumas horas, desencadeia o inferno. Nós, estagiários, somos sempre em grande número e para alguns médicos, no frenesi do trabalho rotineiro, também somos em excesso. Assim, houve dias em que voltei para casa sentindo-me muito contente e outros em que voltei bastante desanimada por ter me sentido inútil. Quarta-feira foi um desses dias. No fim do dia, a ideia de ter que voltar para lá me fazia desejar fugir. Pensei que poderia faltar um dia, mas na manhã seguinte decidi ir e, no caminho, pedi ao Senhor que se fizesse ver e que eu pudesse ser de ajuda para as pessoas que encontraria. Disse: “Se não puder curá-las, que pelo menos possa cuidar delas de algum modo”. Aquele dia de trabalho foi esplêndido, fui útil em diversas ocasiões, suturei pela primeira vez um senhor de 96 anos, muito lúcido, que tinha caído em casa. Chegou acompanhado da esposa, que era tão velhinha quanto ele, muito preocupada por tê-lo visto em uma poça de sangue. Senti uma ternura imensa e me interessei por ela. Entre uma avaliação e outra ia até a sala de espera para tranquilizá-la. Na liberação, esta senhora me disse: “Obrigada! Você fez muito por nós. Fico comovida com o modo como nos tratou”. Depois, chegou um senhor com uma grave deficiência respiratória. Nós o estabilizamos e o deixamos em observação. Antes de encerrar meu turno, fui medir pulso e a pressão e, aproveitando do momento de tranquilidade, lhe perguntei como se sentia. Ele começou a me falar de si, do seu trabalho, da sua história, da aposentadoria dividida entre a dor pela recente perda da mulher e a alegria de ver os netos crescerem, falou de seus filhos, mas de um modo muito bom, tranquilo. Não sei como, mas começamos a falar de fé, do Papa Francisco. “A senhora vê, doutora, como um bom emiliano fui muito irreverente, mas sempre fui um homem de fé e católico. Mas este Papa... este Papa é especial, precisamos segui-lo”. Pouco depois, chegou o filho, terminei de fazer as anotações em sua ficha, apertei sua mão, me despedi e comecei a sair. Meu paciente disse ao filho: “Essa doutora é de uma gentileza especial”. O filho respondeu: “Dá para ver, papai, dá para perceber pelos olhos”. Enquanto andava pelo corredor em direção à saída, pensava que não sabia o que essas pessoas tinham visto; mas que é realmente verdade que para poder sustentar o olhar do outro, preciso em primeiro lugar que a minha vida seja sustentada por Cristo.
Verônica, Gênova (Itália)

“PROFESSORA, A SENHORA ACREDITA REALMENTE?”
Caro padre Julián, sou professora do ensino médio e este ano tinha uma atividade com alunos que escolheram não fazer religião. Pensava: “O que alguém como eu pode fazer com adolescentes de quinze anos que já decidiram que não querem ter nada a ver com Deus?”. Entrava na sala e propunha ler e comentar os jornais, ou ajudá-los na matemática ou na minha disciplina. Mas eles logo me provocaram com perguntas do tipo: “Professora, a senhora acredita em Deus?”. Ou: “Professora, encontrei um filme que prova cientificamente que Deus não existe, vamos assisti-lo?”. Mas por que me faziam essas perguntas? Um colega, depois de eu falar brevemente sobre os Exercícios, me perguntou: “Você tem certeza de que Deus realmente perdoa tudo? Há anos não consigo me confessar...”. Intuí que, se por graça, os alunos e meus colegas veem a nossa confiança no bom Deus, nos pedem razões disso.
Lorenza

O TESOURO QUE SE REVELOU AOS POUCOS
Quando V. chegou em nossa casa, tínhamos outros quatro meninos em custódia. Desde o início ele se revelou uma criança triste, dura, com a tendência de fechar-se em si mesmo porque achava que tudo estava contra ele. Com o passar do tempo percebia que a possibilidade de voltar para casa diminuía, porque a situação da sua família era cada vez mais difícil. Uma noite, voltando de sua casa, me contou soluçando que se sentia como um navio afundando. “Se você quiser, gostaria de ajudar você a carregar esse peso!”, disse-lhe. Ele fez sinal que sim e, imediatamente, tranquilizou-se. Não podia curar aquela dor, mas acompanhá-lo, sim. A partir daquele momento, algo mudou no nosso relacionamento. Todas as vezes que aconteciam situações duras e difíceis, lembrava-me daquele ponto de verdade e de bem que tinha vivido com ele. A familiaridade que crescia entre nós trazia à tona as qualidades de V. (sua generosidade e sua disponibilidade) e começava a fazê-lo experimentar uma confiança na realidade e em si mesmo. Percebíamos que requeria uma atenção para si maior do que a que recebia. De acordo com o Serviço Social, pensamos seriamente em uma família só para ele. Agora que tínhamos nos apegado a V., era-nos pedido amar seu destino mais do que nosso apego a ele. Divulgamos entre os amigos da Associação Famílias para a Acolhida a solicitação de uma família. Depois de dois dias apareceu um casal disponível. Sabíamos que o que oferecíamos a estes pais era realmente um “tesouro” precioso que se revelaria a eles com o tempo: neste pedaço do caminho que percorremos com ele, nós o vimos. Agora cabe a eles descobrirem.
Carta assinada

A VELA DE DOREEN
Durante a Vigília Pascal, nossa amiga chinesa, Doreen, foi batizada e recebeu os sacramentos. Doreen nasceu e cresceu na China e chegou aos Estados Unidos em 2010 para fazer mestrado em Economia na minha universidade. Minha amizade com ela começou quatro anos atrás, quando um colega nos apresentou, porque ela estava interessada em colaborar com algum projeto de pesquisa. Na época, não tinha nada para lhe oferecer, mas depois de alguns meses precisei recolher uma grande quantidade de dados, e por causa do tempo curto, o meu assistente precisou de ajuda. Então, liguei para Doreen e a coloquei em contato com ele, que é um rapaz do Movimento. Depois de alguns dias de trabalho, Doreen mandou-lhe uma mensagem no Facebook ao perceber católico na religião declarada em seu perfil, dizendo que gostaria de entender melhor a diferença entre católico e protestante. Nós a convidamos para o Retiro de Quaresma, conscientes do fato de que o método cristão é “vem e vê” e não uma explicação. A partir daí, nasceu para mim e para meus amigos uma belíssima aventura de amizade com Doreen, marcada para sempre pelo fato de eu ser seu padrinho de Batismo. Nestes anos, de maneira muito surpreendente, olhar Doreen, para mim, coincidiu com olhar a presença de Jesus na minha vida, isto é, ver como Ele faz, qual método usa para acompanhar a liberdade e o coração de uma pessoa no caminho ao reconhecimento de si, isto é, ao seu destino. A amizade com Doreen é belíssima porque a experiência é a única coisa que permite nos comunicarmos um com o outro. A cultura, os hábitos e também as categorias intelectuais de juízo são, às vezes, muito diferentes e, portanto, uma real partilha acontece somente quando, na honesta fidelidade à experiência, identificamos algo em comum. Foi e continua sendo uma grande graça, cheia de chamado à conversão, ver a atração de Jesus sobre ela, dentro de todas as dificuldades da vida, hoje e aqui, neste mundo cheio de opções e tão vazio de significado. No Sábado Santo, é tradição para os catecúmenos decorar a própria vela de Batismo. Doreen a decorou com o gráfico de Dom Giussani com flechas para cima em direção ao X e uma única flecha para baixo. Foi a figura que lhe mostrei na primeira vez em que falamos sobre fé. Na noite da Vigília, a alegria em seu rosto e nos nossos (ela convidou todo mundo: amigos, colegas e conhecidos com uma simplicidade desarmante), para mim, foi verdadeiramente o sinal da Ressurreição porque nada do que eu possa fazer é capaz de gerar uma alegria assim no meu coração e no coração dos meus amigos.
Lorenzo, Denver (USA)

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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