Uma empresa familiar, com raízes humildes, e que cresceu com muito trabalho. A gratidão pela educação recebida e o desejo de deixar uma marca boa para o futuro. História de um empreendedor – JOSÉ CARMELO MASTRANGELO – e sua visão do trabalho
José Carmelo Mastrangelo, 63 anos, é conselheiro administrativo da Granfino Indústria de Alimentos no Rio de Janeiro. Ele contou para a Revista Passos as dificuldades que a crise trouxe para a economia no país e como esse momento pode levar a empresa a olhar para cada funcionário.
Qual a diferença da crise atual para a de outros períodos?
Trabalho numa empresa de Alimentos fundada há 65 anos, uma empresa 100% familiar. Estou há mais de 30 anos e neste período presenciamos muitas crises. Mas há uma diferença: naquela época tínhamos a experiência profissional dos fundadores, e eles deixaram um grande legado de aprendizagem a todos, para enfrentar as tempestades com tranquilidade, confiança e segurança. A diferença que vejo entre a crise atual para as demais é que hoje além da crise econômica e Política existe a crise Moral, e isso trás insegurança e desconfiança para a população. Por outro lado, este é o momento para crescermos, buscando fazer o diferente, ousando e enxergando oportunidade onde os demais enxergam Crise. Esse foi o legado que ficou para nós, pelos fundadores: trabalhar sempre buscando o crescimento, encontrando espaço no mercado.
Nessa crise, quando o senhor fala a palavra “enxugar”, isso assusta. Isso, de certa forma, prejudica as pessoas?
Não, pelo contrário, temos que “enxugar” para protegê-los. Neste momento temos que olhar e avaliar tudo aquilo que pode ser reduzido, rever processos produtivos, consumo de energia, reciclar materiais de expediente e renegociar contratos. Tudo isso para preservar nossa mão de obra, nossos colaboradores, que são nossa principal ferramenta, sem eles nada acontece. Somos aproximadamente 600 pessoas. Considerando seus dependentes, nosso compromisso chega a quase 2.500 pessoas. Nossa função como administradores é garantir segurança e manutenção do emprego, para que nossos colaboradores possam produzir com tranquilidade sabendo da garantia de seus empregos, tão importante para eles e suas famílias. Quanto aos nossos fornecedores, oferecer a cada dia, garantia de continuidade de nossa parceria e compromisso.
Olhando o Rio de Janeiro de hoje, que acabou de sediar os Jogos Olímpicos, é uma cidade com muita vida, mas ao mesmo tempo muito sofrida. O senhor percebe isso nas pessoas que trabalham na sua empresa?
Minha visão é que nossos governantes deveriam olhar mais para seus eleitores, nós como empresários fazemos nossa parte e até um pouco mais, para proporcionar bem estar e qualidade de vida aos nossos funcionários. Nossa empresa foi pioneira na criação de Programas Sociais como Classe Anexa, oferecendo oportunidade aos funcionários para conclusão de seus estudos dentro da própria empresa, entre outros benefícios: ginástica labora, massoterapeuta, acupuntura, cabeleireiro, manicure, refeitórios para mais de 800 refeições ao dia. Nosso compromisso vai além da simples remuneração salarial, nosso compromisso é poder proporcionar uma melhor qualidade de vida aquele se dedica com amor e carinho para o crescimento da Granfino. Essa visão social é credito de nossas Diretoras e Presidenta, que são as mulheres da família que hoje detém os postos mais altos dentro da empresa. Nossa esperança é que todos os investimentos feitos pelo Governo para realização das Olimpíadas possam realmente ficar como legado para nossa população, como ocorreram em outros países que realizaram os Jogos.
O senhor está falando desse cuidado com cada pessoa. Essa questão de olhar o outro como se fosse si mesmo, o outro sou eu, sem diferença nenhuma. O senhor acha que tem um cuidado especial nessa atenção?
Comecei a trabalhar com meu pai, em uma pequena fábrica de macarrão, da família, no antigo Centro do Rio, mas depois resolvi seguir caminho independente, trabalhei em grandes empresas (Brahma, Johnson & Johnson, TV Globo), onde fiz uma grande escola em administração, aprendi muito com meus antigos gerentes e diretores, isso contribuiu muito para minha formação profissional. Quando fui para a Granfino observei que tudo aquilo que eu havia visto, tinha uma forma diferente e particular principalmente para com o empregado, a direção exercia contato direto com os colaboradores, ouvindo e observando, fossem a nível gerencial ou chão de fábrica, essa “fórmula” persiste até hoje, e há isso credito parte de nosso sucesso. Na nossa empresa o diretor tem a porta de sua sala “sempre aberta” para ouvir os funcionários, seja para apresentar uma sugestão, uma reivindicação ou uma reclamação, que sempre são bem vindas, essa experiência ajuda-nos a compreender e enxergar os problemas onde precisamos atuar.
A empresa existe há mais de 60 anos. Sua família participa desde o início da fundação?
Sim, a família participa desde a aquisição que aconteceu na década de 1960, pois a empresa foi fundada pela família Alvarino, era uma pequena Fábrica de derivados de Milho, Fubá etc. A nova direção empreendeu novo impulso a empresa, aumentando as Vendas introduzindo novos produtos, inclusive exportando para países da Europa (Portugal) e África. Na década de 1970 inauguram um novo Parque Fabril, aumentando a capacidade de produção e criando a Divisão Gran, especificamente para atender a linha animais domésticos e criação. Hoje a Granfino já conta com alguns membros da terceira geração da família atuando na empresa.
A gente vê que muito do espírito da empresa é por causa da pessoa que o senhor é, e as outras pessoas que trabalham lá. Assim como na vida da gente, o senhor cresceu com que tipo de educação?
Só podemos dar aquilo que recebemos, e foi isso que nós recebemos dentro da nossa empresa, uma vida de aprendizado com aqueles que trabalharam muito, a cada dia para deixar para as gerações futuras um exemplo a ser seguido, deixaram uma marca, um nome e um legado de lutas e vitórias, temos orgulho de pertencer a família Granfino, aprendi muito com eles, foram grandes “Mestres”, na escola da vida. Eu cresci dentro de uma família de pessoas humildes e trabalhadores, somos descendentes de italianos, meu avô chegou aqui em 1889, com sua família fugindo da fome na Europa e foi para Petrópolis, instalando-se no bairro da Cascatinha, onde havia uma grande colônia de italianos. Dentro desse espírito eu e minha mulher criamos nossos filhos, Pedro e Mariana, que hoje tem suas vidas independentes da empresa, mas acredito que todo esse nosso sucesso familiar é porque recebi como premio uma esposa maravilhosa, trabalhadora e companheira em todas as nossas lutas, sinto-me realizado, profissionalmente e como ser humano.
No trabalho sempre tem alguém que quer deixar uma marca. Mas isso não pode ser egocêntrico. Hoje na política brasileira isso é muito nítido. Existe um desafio maior quando a gente percebe que essa marca não é nossa, porque a vida não é nossa. Se a gente recebeu a vida, se recebemos os filhos, a gente deve isso a alguém. O senhor percebe a realidade como algo maior do que pode dominar, como acima de suas mãos?
É uma pergunta muito difícil, vou tentar responder dentro da minha realidade. Eu entendo que nós, e quando digo nós, falo em nome daqueles que estão nessa caminhada junto comigo, minha família, estamos aqui para cumprir nossa missão e sermos lembrados por ela, por isso a nossa preocupação em olhar o próximo como nós mesmos, colocar-se no lugar do outro. O Papa Francisco chamou muito minha atenção quando foi ao refeitório do Vaticano e sentou-se na mesma mesa onde estavam as outras pessoas. Acredito que a melhor maneira de ensinar é pelo “Gesto”. Nossa empresa recebe diariamente caminhoneiros que vêm de todos os estados do Brasil, alguns viajam por mais de 4 dias e quando chegam encontram na empresa uma área especialmente “pensada” para eles, com uma cozinha equipada para preparem suas refeições, uma área equipada para lavarem suas roupas, e banheiros com chuveiros para fazerem sua higiene diária. Tudo isso sem custo adicional. Mas isso é porque queremos deixar a nossa marca, a marca da solidariedade, humildade e respeito ao próximo. Quanto aos políticos acho que eles, infelizmente, precisam melhorar para servirem de exemplo.
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