Vai para os conteúdos

Passos N.184, Setembro 2016

VIDA DE CL | FÉRIAS

Tudo se joga no instante

por Patrícia Soares Molina

Um hotel fazendo no interior de São Paulo foi o palco das férias nacionais do Movimento. Numa convivência feita brincadeiras e encontros, a ocasião de confirmar o próprio caminho



“Eu preciso da misericórdia para viver?”. Essa foi a grande provocação que norteou as Férias dos Adultos de CL, que aconteceram em Serra Negra (SP), nos últimos dias do mês de Julho. Em meio a cantos, brincadeiras, encontros, passeios e testemunhos, a resposta a essa pergunta foi sendo construída não de forma óbvia, mas a partir de um juízo nascido da experiência pessoal. Participaram 329 pessoas, vindas de todos os cantos do País, e os momentos foram guiados por Marco Montrasi (Bracco), responsável nacional do Movimento, junto com alguns amigos.
Já no início da manhã, o canto Al Mattino, a oração do Angelus e a leitura de trechos do retiro da Fraternidade deste ano lembravam a nossa condição humana de jarros vazios cheios de desejos e de pedido de ver o Senhor. Ajudado por uma companhia guiada, esse pedido era sustentado de forma muito simples e concreta ao longo de cada dia, em cada gesto.
“E quando acontece um pouquinho desse olhar como Cristo me olha, acontece uma explosão da liberdade”. Esta frase estava no convite para as férias, e esta explosão de liberdade pôde ser verificada nas brincadeiras que reuniram crianças, jovens, adultos e os mais adultos, divididos em quatro grandes equipes. Ninguém ficou de fora do “Master Chefe” marcado por muita criatividade e alegria. E o que dizer dos cantos preparados com tanto cuidado e carinho? O violeiro Chico Lobo reuniu os talentos musicais ali presentes e na noite de sábado pudemos apreciar um pouco da riqueza de cada um. E a cantoria estava tão boa que foi se estendendo um pouquinho mais. Mas antes de apresentar os amigos, Chico quis dizer estas palavras de agradecimento: “Eu estava triste por não vir às férias. Não está certo que a vida seja só trabalhar e pagar contas. Meu coração deseja mais do que isso e eu encontrei um lugar que me mostra que a vida é mais do que isso, então eu tenho que dar um jeito de estar nesse lugar. Foi assim que telefonei para o Bracco, conversei com a minha família e decidimos vir para cá. Quando tomei a decisão de vir meu coração se encheu de alegria”. Bela surpresa também foi o coral dos amigos italianos que mostrou a força dos cantos montanheses que traduzem em beleza os momentos difíceis da guerra ou da morte.

Mendigos do seu amor. Um passeio especial por montanhas e cafezais, seguido pela celebração da missa no Mirante do Alto da Serra, mostrou que a beleza é mesmo a forma como a Misericórdia nos surpreende, nos arrebata e nos leva de volta a nós mesmos. Beleza e arrebatamento foram evidenciados também na leitura comovente de trechos do livro Miguel Mañara, de Oscar Miloz, feita pelo Dr. Alexandre Ferraro.
A história do Cavaleiro admirado e vaidoso, atormentado por um desejo insaciável, que se converte a partir do amor a uma bela mulher, sinal frágil do único grande amor capaz de respondê-lo, mostra que a atração que nos desperta não é a resposta final. Só quando se chega ao Tu se chega à solução. “Quem me chama? Conheço essa voz”, diz o Miguel Mañara. Toda a atração faz nascer em nós uma equação que não tem fim, porque ela é apenas sinal. O encontro com Cristo não sacia o nosso coração, mas dilata-o ao infinito de modo que ele tenha que ser saciado todos os dias. O encontro com Cristo dilata o nosso coração e nos tornamos mendigos do seu amor, da sua Misericórdia. Citando Dom Giussani, Ferraro lembrou que a Misericórdia não é o perdão. “O perdão é: eu errei, eu me arrependo e eu sou perdoado. A misericórdia é: eu errei, eu não me arrependo e eu sou perdoado. A misericórdia não é uma justiça”.
É essa Misericórdia desproporcional e incomensurável que nos permite viver os desafios dos tempos atuais nos quais o mundo parece virado de cabeça para baixo. No encontro com padre Pigi Bernareggi, missionário no Brasil há mais de 50 anos, ele falou sobre a sua experiência nas favelas e sobre a positividade com que vive aquela realidade. “Nas favelas ainda vemos um resquício de cristianismo. É verdade que para muitos não interessa a misericórdia, mas é mais verdade que onde existem pequenos focos de misericórdia se vive melhor”. Ouvindo as histórias que Pigi contava respondendo algumas questões que foram sendo colocadas, ficou evidente as razões da nossa esperança, e ao mesmo tempo a nossa dificuldade de perceber que Cristo já venceu e que por isso não precisamos temer o mal. Todas as coisas estão onde devem estar e vão para onde devem ir: para o lugar reservado por uma sabedoria que não é a nossa. Uma positividade que nos permite viver tudo sem parar no medo, uma Misericórdia que abraça e supera o nosso mal.

Acontece agora! Numa das noites fomos convidados a ouvir os testemunhos de alguns amigos. Ao falarem sobre os desafios de lidar com a crise econômica atual que afeta as famílias, as surpresas da vocação, o relacionamento entre pais e filhos e a decisão de priorizar o que realmente dá sentido a vida, mostraram a descoberta da Misericórdia na experiência concreta do dia a dia. Uma Misericórdia que não elimina os problemas, não tira a dor, mas que permite que o coração esteja no lugar correto para viver as dificuldades dentro de um diálogo com o Mistério e experimentar a alegria da correspondência. Como afirmou Dimitri, de Brasília: “Quando Carrón conversou comigo e me propôs que eu me juntasse à Fraternidade São José, aquilo me pareceu estranho e até um pouco injusto. Mas eu obedeci. Hoje percebo que dentro daquela proposta estava presente toda a Misericórdia de Deus por mim. Que aquilo correspondia ao desejo original do meu coração. A prova dessa correspondência é que hoje eu estou feliz. O Carrón é um homem que não tem medo do meu coração”.
No domingo, um momento final de assembleia para nos ajudarmos a olhar a experiência que fizemos “não como um particular bonito, mas reconhecendo como a Misericórdia de Cristo conosco, o modo como Ele nos chama para ser a presença d’Ele nesse mundo”, como afirmou Bracco. Para Viviane, de Belo Horizonte, somos filhos rebeldes que reclamam e brigam com o Pai, mas que sempre fazem a experiência de serem abraços por Ele. E graças a esse abraço que chega através de uma companhia concreta é possível seguir em frente.
Um olhar que abraça foi o que fez com que o jovem Ricardo entendesse mais como a Misericórdia liberta. “Quando meu pai pediu perdão e eu vi que ele estava tão chateado quanto eu, o perdoei por ter perdido a chance de ficar mais tempo com os meus amigos. Então me senti livre. Ficou claro para mim que aquele perdão era a única oportunidade de eu ficar bem e aproveitar o resto do dia. Do contrário eu ficaria reclamando da noite perdida e perderia também todo o novo dia”.
Como resumiu a jovem Letícia, “todos temos o desejo de ser abraçados na vida e ter um abraço que dê sentido a nossa dor. Eu preciso da misericórdia de Deus porque não dou conta da minha vida sozinha. Saio das férias novamente com uma mudança no olhar e com o desejo de seguir esse caminho, abraçar e ser abraçada”.
Para finalizar, Bracco enfatizou que tudo se reconquista no instante, no presente aqui e agora. “O amor da sua vida precisa ser conquistado todos os dias. As nossas dúvidas são grande graças porque nos põem em movimento e nos fazem buscar a resposta agora. Cristo acontece agora. Aquela presença que apareceu há dois mil anos acontece agora. Nós temos esses testemunhos, como Carrón, como o Papa, que nos ajudam a entender como fazer esse caminho, sem medo. Esse é um caminho no qual estamos sozinhos, não tem o grupinho... não! Estamos sozinhos! E quanto mais eu, sozinho, começo a responder, mais isso faz viver a fraternidade, a Escola de Comunidade, o Movimento, a Igreja. Não é que não tem valor, pelo contrário, se a gente não estivesse aqui juntos não teria a possibilidade desse trabalho do ‘eu’. A companhia tem um valor imenso, mas nós temos que descobrir essa beleza desarmada. Cada um de nós”.
Somente o encontro pessoal com Cristo permite viver a segunda-feira sem medo, pedindo ao Senhor que venha todos os dias e preencha com a sua Misericórdia os jarros vazios e frágeis que somos nós.



APROFUNDAMENTOS
> Trechos do diálogo com o Padre Pigi Bernareggi.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

Volta ao início da página