Para celebrar o evento extraordinário do Ano Santo da Misericórdia, o Movimento Comunhão e Libertação propôs a todos os seus membros e amigos peregrinar a um Santuário Mariano. Em outubro, vinte mil pessoas foram juntas até o Santuário de Caravaggio, no norte da Itália. E milhares de outras se reuniram em Roma e Loreto. E isso se repetiu em dezenas de países, no Brasil, Nigéria, Filipinas... Até em Cafarnaum. Para bater às Portas Santas, e tomar consciência da graça que nos foi dada, na certeza de que “não existe caminho sem perdão”. Nestas páginas, trechos da meditação de padre Julián Carrón
Que gratidão sem limites pela Sua misericórdia ao longo de todo este ano! Cada um pode aproveitar este momento para se tornar ainda mais consciente de quantas vezes, nestes meses, foi invadido pela misericórdia de Cristo, pela Sua ternura incomensurável para consigo.
Escutemos novamente o que nos diz o Papa Francisco: “Não obstante os nossos pecados, os nossos limites, as nossas faltas; não obstante as nossas numerosas quedas, Jesus Cristo nos viu, aproximou-se, deu-nos a mão e teve misericórdia de nós. De quem? De mim, de ti, de todos”.
Talvez agora possamos nos dar ainda mais conta da diferença com que nós, em tantas ocasiões este ano, nos tratamos uns aos outros. Quantas discussões acesas, quanta violência, às vezes até a inveja! Quanta impaciência, sem nos darmos tempo para entender a mudança epocal que estamos atravessando! Que pouca disponibilidade para nos ouvirmos, para nos abrirmos à perspectiva do outro, confundindo a verdade com o hábito! Mas se nós não somos disponíveis entre nós, como é que poderemos ser com os outros?
Viemos aqui, aos pés de Nossa Senhora, com esta consciência. Viemos como mendicantes de misericórdia. Ainda mais conscientes de sermos necessitados. (...) Só quando nós não reduzimos o nosso mal, e mais ainda quando não o justificamos, é que podemos nos dar conta da novidade da Sua misericórdia, necessária para não deixar nada para trás, para não sermos esmagados pelo peso do nosso mal, para não termos de censurar nada. E então ficamos surpreendidos com Ele: “Mas como? Com tudo aquilo que eu fiz e continuo a fazer, ainda tens piedade de mim, de nós, Cristo?”. Que perturbador!
Como faz chegar até nós a Sua misericórdia? Giussani nos mostra isso de uma forma comovente, identificando-se mais uma vez com a figura de Maria Madalena. “De repente o sentido da vida se ofusca; e o círculo se fecha, frio, ao nosso redor: egoísmo… Já não se procura a pessoa, a única para a qual a alma se rompe e se abre: se doa. Sacrifica-se… Madalena quebrou o vaso de alabastro: “desperdiçou” o perfume, deu-o. Cada dom é uma perda. Amar verdadeiramente uma pessoa parece ser um desperdício: de si mesmo, de energia, de tempo, de cálculo, de vantagens, de gostos. Os outros, perante o gesto de Madalena, abanaram a cabeça: ‘louca! sem critério! sem interesse!’. Mas naquela sala só ela “vivia”, porque só amar é viver […]. Aquele abrir-se aos outros: aos outros, a todos os outros – através da pele do próprio eu, rasgada, geralmente tem um rosto, que tem a função de romper a casca do nosso egoísmo, de manter aberta esta maravilhosa ferida, aquele rosto é o provocador e o estimulador do nosso amor; o nosso espírito sente-se florescer de generosidade com o seu contato, e através daquele rosto dá-se, em abundância, aos outros, a todos os outros, ao universo”.
Para abrir uma fenda na casca de Maria, Deus não usa a violência. É um rosto, o provocador e o estimulador do seu amor. Só um olhar é adequado para desafiar a liberdade daquela mulher. Aquele rosto, aquele olhar cheio de misericórdia é o culminar do testemunho de Deus, da Sua ternura para conosco. Cristo responde à nossa necessidade ilimitada dobrando-se a passar através da liberdade. A nós cabe acolher a sua misericórdia incondicional, que pode chegar através de uma pessoa de quem menos se esperava.
Sem que Ele volte a tomar a iniciativa conosco uma vez após a outra, não haveria a possibilidade de um caminho. Numa relação, não há caminho sem a misericórdia. Sabemos bem disso: sem perdoar e sermos perdoados, nenhuma relação teria possibilidade de durar. E se cada um de nós não se deixa abraçar de novo, se não se deixa perdoar de novo, nós não conseguimos abraçar-nos e perdoar-nos por nós mesmos. É nisto que o Mistério nos é revelado como Misericórdia, como diz Dom Giussani: “O ponto em que o Mistério se revela a nós como misericórdia é um Homem nascido de mulher, que rasga todas as imagens e os desenhos limitados que conseguimos formar com a nossa fantasia” (L. Giussani, Generare tracce , op. cit., p. 189). Não é um discurso sobre a misericórdia que pode nos fazer viver, mas a relação com uma Presença, graças à qual uma pessoa se abandona nos braços de um Outro, é um abandono.
A misericórdia aparece historicamente como o contrário da revolução. É, com efeito, uma presença totalmente positiva na vida do mundo: “A capacidade de misericórdia se expressa como sensibilidade para o bem, como certeza de que o bem vence com a força de Cristo. ‘Eu vos amo, ó Senhor! Sois minha força’, ‘Tudo posso n’Aquele que me fortalece’” (L. Giussani, Generare tracce , op. cit., p. 159).
Assim se realiza a verdadeira revolução, a única que não precisa de outro poder para se realizar senão a “certeza que o bem vence com a força de Cristo”; trata-se de uma experiência impossível ao homem, mas que se torna experiência real através da misericórdia: o perdão. “Perdoar quer dizer abraçar como próprio, como parte de si, a diferença do outro. A misericórdia quer dizer isto: quer dizer a atitude de adesão, de abraço, como a mãe com o filho! ... Olha-se para a outra pessoa para o fundo do seu coração, na sua verdade, na sua relação com Deus, isto é, com Cristo, porque foi chamada por Cristo como eu, e então uma pessoa abraça-a, aceita-a como parte do seu caminho – por mais que haja diferenças, é parte de mim... Qual é o pretexto que normalmente temos para não estimar o outro, e portanto, para não o amar?”.
Por isso, convém-nos seguir o Papa, que não se cansa de nos chamar à posição certa diante do mundo, que tem um desejo ilimitado de encontrar Aquele que está entre nós: “É amando que se anuncia Deus-Amor: não à força de convencer, nunca impondo a verdade nem mesmo obstinando-se em torno de alguma obrigação religiosa ou moral. Anuncia-se Deus, encontrando as pessoas, com atenção à sua história e ao seu caminho. Porque o Senhor não é uma ideia, mas uma Pessoa viva”.
APROFUNDAMENTOS
> O texto integral da meditação de padre Julián Carrón
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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón