O responsável nacional de Comunhão e Libertação fala sobre política e eleições. Um convite a refletir sobre o momento atual e a abrir um diálogo. Para que não vença a indiferença e cada um se pergunte sobre a própria contribuição à sociedade
Cada circunstância, cada acontecimento é sempre um novo desafio se estamos minimamente abertos e disponíveis a nos deixar provocar sem medo pela realidade. Por isso, também essas eleições podem ser uma grande ocasião. Por que uma ocasião? Porque nascem inevitavelmente perguntas que nos recolocam em movimento: qual é a minha contribuição neste momento de tão grande confusão? É possível recomeçar? Em que deposito a minha esperança? Tenho ainda esperança ou o meu alívio é um simples “amanhã vai melhorar”? Qual é a minha responsabilidade?
A primeira responsabilidade que temos é a de uma educação: educar a descobrir o que é o nosso “eu”. Parece filosofia abstrata mas, se pensarmos bem, a origem dos valores (do bem, do bem comum, da vida, da pessoa, ...) está na descoberta daquilo que eu sou, dos desejos de infinito que constituem o meu coração. Quando o homem descobre isso, começa a dar valor às coisas como um belo dia. Dar sempre início a esse processo, que não é óbvio, é como juntar os cacos de um homem despedaçado que assim pode começar a dar valor às coisas: a uma garrafa, a um livro, até chegar à forma de tratar o dinheiro e a coisa pública. Esta é a crise profunda da qual estamos vendo as consequências: perdemos o valor das coisas porque perdemos a consciência do nosso “eu”.
“‘Nada é tão fascinante quanto a descoberta das reais dimensões do próprio eu, nada é tão rico de surpresas quanto a descoberta do próprio rosto humano.’ É uma aventura apaixonante. Mas, para lançar-se nessa aventura e vencer aquela estranheza em relação a nós mesmos, é preciso alguém com quem olhar o humano que há em nós, alguém que não se assuste diante dele.” (J. Carron, A beleza desarmada. São Paulo: Companhia Ilimitada, 2016, p. 136)
O Papa Francisco é a testemunha viva desse olhar. Vê-se a sua esperança e se vê como esta gera uma presença que não deixa ninguém indiferente. Um “eu” vivo que não se lamenta diante das dificuldades do mundo mas se move servindo o homem. Por que ele é assim?
Estamos num momento crucial em que cada um de nós pode deixar-se levar pelo pessimismo e pela acusação a um mundo corrupto e sem esperança, ou pode começar a desejar aprender esse processo de construção lenta e árdua mas real, possível, desenvolvendo uma cultura nova. Com humildade precisamos aprender a aprender - como dizia Zygmunt Bauman, o mais importante estudioso da sociedade pós-moderna: “Ensinar a aprender. O oposto das conversas comuns que dividem as pessoas: umas certas, outras erradas. Entrar em diálogo significa superar o limiar do espelho, ensinar a aprender a se enriquecer com a diversidade do outro. Ao contrário dos seminários acadêmicos, dos debates públicos ou das discussões partidárias, no diálogo não há perdedores, mas apenas vencedores. Trata-se de uma revolução cultural em relação ao mundo em que se envelhece e se morre antes de crescer. É a verdadeira revolução cultural em relação àquilo que estamos acostumados a fazer e é o que permite repensar a nossa época. A aquisição dessa cultura não permite receitas ou escapatórias fáceis, ela exige e passa pela educação que requer investimentos de longo prazo. Nós devemos nos concentrar nos objetivos de longo prazo. E esse é o pensamento do Papa Francisco. O diálogo não é um café instantâneo, não dá efeitos imediatos, porque é a paciência, a perseverança, a profundidade. Ao caminho que ele indica, eu acrescentaria uma única palavra: assim seja, amém.” (Entrevista a Stefania Falasca, publicado no jornal italiano Avvenire, em 20/09/2016)
Como disse o Papa Francisco ao povo argentino: “coloquem a Pátria nos ombros, essa Pátria que necessita que cada um de nós entregue a ela o melhor de nós mesmos, para melhorar, crescer, amadurecer. E isto nos fará alcançar aquela cultura do encontro que supera todas as culturas do descarte que hoje no mundo estão presentes em toda a parte” (Mensagem do Santo Padre Francisco ao povo argentino, 30/09/2016).
Cada um de nós agora pode decidir se quer tomar parte nessa aventura fascinante.
(Marco Montrasi é economista e responsável de Comunhão e Libertação no Brasil. Esse texto, em versão reduzida, foi publicado no Jornal O São Paulo de 20/10/16 com o título "Eleições e política de onde recomeçar?")
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