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Passos N.98, Outubro 2008

EXPERIÊNCIA - PERU | ANDREA AZIANI

Febre de Vida

por Antonio Socci

De Abbiategrasso, na Itália, para o Peru, passando por Siena, Florença e muitos outros lugares por onde deixou fortes marcas. A recordação de um homem que, doando-se por inteiro, fez com que centenas de pessoas se apaixonassem por Cristo

Carmen, que o conheceu na época dos colegiais (os dois eram de Abbiategrasso, província de Milão), entre tantas coisas que a tocaram, lembra-se de uma, pequena e engraçada: enquanto voltava de bicicleta da caritativa, Andrea cantava em voz alta pelas estradas cheias de neblina da cidade. É um pequeno flash sobre um Andrea Aziani de dezoito anos onde, porém, se entende o tipo. Há a sua juventude apaixonada por Jesus, há a sua alegre segurança (“porque Jesus já venceu!!!”, dizia-nos, sorrindo e dando-nos tapinhas nas costas), e há ainda o seu coração que explode de contentamento e de paixão pelo desejo de fazer com que todos saibam a grande notícia. Até os extremos confins da terra. Não apenas em Siena, onde Dom Giussani o enviou em 1976, mas até naquela extremidade de terra sobre o Oceano Pacífico, do outro lado do mundo onde, aos 55 anos, terminou sua incansável jornada terrena (e onde, agora, deixou o seu corpo que consumiu-se literalmente por Jesus), para começar sua triunfal caminhada no céu.
“É o primeiro de nós que foi sepultado na terra em que partiu para missão”, disse padre Pino. Também assim, Andrea demonstra aquilo que havia no coração de Dom Giussani naquele dia de outono de 1954, entrando no Berchet: o mundo inteiro. E eu acredito que ele desejasse apenas isso: gerar homens assim.

Da Bassa aos Andes
Em 1993, em um retiro dos Memores Domini, Dom Giussani leu uma carta que Andrea escreveu naqueles dias para Dado, que também estava no Peru, enquanto se preparavam para um encontro em Cuzco, nos Andes. Então, Andrés (se fazia chamar por seu nome peruano) escreveu: “Que todos se apaixonem por aquilo pelo qual nos apaixonamos: este é o grande desejo. Mas para que seja assim devemos queimar, literalmente, arder de paixão pelo homem, para que Cristo o alcance”. Dom Giussani leu estas linhas e, comovido, comentou: “Eu os desafio a encontrar outro testemunho assim. Em qualquer lugar!”.
O adolescente de 17 anos que cantava em sua bicicleta pelas ruas de Abiategrasso, é o mesmo que aos 20 anos como responsável de CL na Universidade Estadual de Milão, por volta de 1973, terminava muitas vezes nas ciladas dos extremistas que faziam agitações, e aos 23 com jaqueta e barba negra que, na Siena de 1976, entusiasmou nosso coração de jovens inquietos. Andrea era refratário a todas as gratificações, mas era sempre o primeiro se fosse preciso ceder lugares, limpar banheiros, ou desencardir casebres. O primeiro a servir. Sempre pronto a dizer: “Estou aqui!”, com uma energia que não se entendia de onde vinha (visto que comia apenas de vez em quando) e sempre sorrindo e estimulando a todos. Também (que fique claro) corrigindo com firmeza, quando era o caso.
É o mesmo que em Lima, em 1988, professor famoso inclusive entre intelectuais e ministros, construiu uma capelinha em uma favela com a pequena Sebastiana e as outras crianças, para que Jesus pudesse estar próximo àquela pobre gente; o mesmo que voltou para casa esfarrapado porque tinha sido agredido por uma gangue de delinqüentes quando foi em uma região perigosa para ir ao velório de uma menina; o mesmo que convidou o presidente peruano, Toledo, para a missa em intenção de Dom Giussani.

Paixão missionária
“Esta paixão por Jesus”, escreveu-me padre Primo, “fez secar nele as fontes do orgulho, porque nada mais era seu”. Com efeito, quando ouço o “Hino à Caridade” de São Paulo, dou-me conta de ter visto isso: em Andrea. Penso em como ele estava sempre pronto, embora com um temperamento forte, a se anular (lembro-me de humilhações que somente ele poderia aceitar) para que aquele que tinha à sua frente pudesse se dar conta de Jesus.
Também tinha a radicalidade e a paixão missionária de São Paulo. De resto, sua mãe era de família judia. Seu avô, Emanuele Samek Ludovici, um homem realmente firme, sofreu perseguições durante o regime fascista, primeiro porque era católico militante do Partido Popular de Sturzio e, depois, por causa de leis raciais, porque judeu.
Eu falava sobre a paixão missionária. Em Andrea, ela era vivida com a inteligência aprendida nas caritativas que fazia quando jovem, o instrumento com o qual Dom Giussani nos ensinou a abrir o coração ao mundo inteiro e também o modo de olhar a necessidade e a dor.
Quando Tina, de Siena, o visitou no Peru, Andrés a levou ao ponto mais alto de Lima de onde se podia ver a vastidão daquela megalópole de doze milhões de habitantes. “Olha lá”, disse-lhe, “você se dá conta das dimensões? Nós não somos nada. O que você quer que façamos?”.
Então, como Andrea fez, exatamente ali, para deixar um rastro assim tão forte? Andrea simplesmente compartilhou a vida daquelas pessoas e olhou e seguiu aquilo que Deus colocava diante de seus olhos. Disse, ainda, a Tina, naquele dia: “Aqui, não há necessidade de conquistadores, já houve muitos. Você deve estudar a história do Peru, sua geografia e sua língua. Deve conhecer os santos desta terra e divulgá-los. E amar estas pessoas. Assim, poderá se ajoelhar diante deles como Deus se ajoelhou diante de cada um”.

“Não perder ninguém”
Considerava cada pessoa que encontrava – do pobre taxista que convencia a estudar nos cursos noturnos ao intelectual famoso – como pessoas doadas a ele pelo Senhor. Repetia sempre: “Não devemos perder nenhum daqueles que Deus nos confiou”. Ele fazia assim.
E quem o encontrava percebia isso. Transcrevo algumas das frases escritas por centenas de jovens de Lima, em um blog e em muitos bilhetes afixados nos murais da Universidade Sedes Sapientiae, depois de terem sabido de sua morte repentina: “Qué persona increible!!!” (Que pessoa incrível), “Andrés Aziani era fora de qualquer comparação possível, um homem diferente de todos aqueles que encontramos normalmente”, “Ensinou-nos a ser homens”. Janina escreveu: “A minha vida mudou muito quando o conheci”. Erika fala do “sinal mais profundo que deixou em mim este homem extraordinário”. Anthony: “Você me ensinou a viver a vida de uma maneira diferente. Agradeço a Deus por ter lhe conhecido”. Ivan: “Era uma pessoa feliz”, “que modo de amar a vida!... nos ensinou para sempre!”. Lucila: “Ficava feliz em doar todo o seu conhecimento, mas sempre com um grande respeito por cada um de seus alunos”. Fabiola: “Dava tudo de si, em cada aula, despertando em nós o desejo de segui-lo e lutar pela nossa liberdade, começando com o não ser mais superficiais e viver a vida com plenitude”.
No Youtube (http://www.youtube.com/watch?v=cKxb8ePtx50) colocaram um vídeo onde se vê uma de suas aulas arrasadoras (deram o título de “Homenaje a un gran profesor y amigo... – homenagem a um grande professor e amigo – Você é realmente grande!!!”), um outro lembrou a última frase de Andrés em sua última aula: “El amor es más fuerte que la muerte (o amor é mais forte que a morte). Amo muito o senhor, professor!”.
Este mestre envolvente e transformador, tão capaz de entusiasmar em relação às coisas belas e verdadeiras, da filosofia à música, à arte, tão atento às necessidades de cada um, a aponto de se responsabilizar por centenas deles, era também capaz de educar, muitas vezes com severidade, de ensinar a viver como homens.

Não reverentes, mas comovidos
“Nunca perder ninguém”. Nem os que estão distantes. Nem os amigos de Abbiategrasso (um me escreveu comovido que Andrea, nestes trinta anos, sempre esteve perto dele), nem os de Siena, onde somos todos filhos seus porque ele fundou a comunidade. Em maio último, por ocasião das Bodas de Prata de Donatella e Marco, os dois primeiros do grupo dos universitários (CLU), escreveu uma carta estupenda onde nos lembrava a grande aventura do CLU que vivemos com ele, que deu forma à nossa vocação (Andrea em Siena formou-se e entrou para os Memores) e nos marcou para sempre.
Escreveu: “Toda uma história, toda uma vida, marcada pelos caminhos, pelos becos, pelas panfletagens corajosas, pela tenaz e obstinada vontade de dizer: sim! Existimos! Sim!!! Estamos aqui, estamos prontos! Sempre como verdadeiros soldados, que nos dias de combate aprendem a se tornar também mais amigos, mais misericordiosos, mais magnânimos, e o olhar escancara-se, chega até os extremos confins da terra, gera filhos carnais e espirituais, filhos e discípulos, amigos, às vezes também inimigos, mas sempre com grandeza, com transcendência. Não apenas ou não mais reverentes, mas comovidos até às lágrimas. Porque, no fundo, o que fizemos? Que mérito tivemos senão o de ter dito sim! E de continuar a dizê-lo hoje e em quaisquer circunstâncias... festa que ultrapassa todas as aparências, todas as tentações de reduzir Sua potência à própria fantasia e à própria criação! Também para mim, aqueles anos foram decisivos. Também para mim, literalmente, tudo foi decidido naqueles anos, nas cooperativas, nas pichações, nas contendas exageradas e violentas com as ultras, nas conversas com todos. Mas a coisa mais bonita é a luta e a coragem que cada um, a cada dia, deve retomar nas mãos para dizer sim! Este é o prêmio da fidelidade! A paz, a letícia e saber que, como escreveu Dom Giussani, desse modo “a vida não é inútil”. Mas também isto – que não seja inútil – é um dom, uma Graça. Sim, caro amigo! Tudo e apenas Graça! A Sua fidelidade é mais forte do que nossas dúvidas. Então, podemos, amanhã, recomeçar, porque, como sempre dizia Enzo e agora Carrón também sempre o diz: “O belo ainda deve vir! ”.
Andrea escreveu isso poucos dias antes de encontrar a Beleza feito carne, em seu Reino, onde agora pode olhá-lo no rosto: o Amigo da sua vida. Na universidade, seus alunos afixaram cartazes com as frases mais caras para eles, que ficaram em seus corações, como: “Febre de vida!”. Um deles escreveu: “Andrés e Giuss, juntos con Dios! ” (Andrea e Giussani unidos a Deus).

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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