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Passos N.98, Outubro 2008

EXPERIÊNCIA - BRASÍLIA | EDUCAÇÃO

Arriscar-se na realidade

por Isabella Santana Alberto

De uma reunião para falar sobre segurança, nasce uma provocação para ajudar os alunos da periferia de Brasília. Uma delegada se dedica a elaborar um projeto e transforma os alunos de uma escola pública

Um imprevisto: substituir o chefe em uma reunião do Conselho de Segurança Comunitário (CONSEG), que ocorreria em uma escola pública da cidade. A proposta não agrada a princípio, pois Grace, que é delegada de polícia no Distrito Federal, tinha a mesa cheia de inquéritos para resolver. Porém era aquilo que lhe era pedido no momento, logo se dirigiu ao CEF 103, um Centro de Ensino Fundamental na Quadra 103, em Santa Maria. Então, acontece uma surpresa. “Durante aquela reunião, conheci diversas pessoas, mas algumas me chamaram a atenção de uma forma especial. Havia representantes e autoridades de diversos setores e instituições sentados ao redor da mesa, ouvindo as reclamações da comunidade, mas sentia-me ligada apenas às pessoas da escola. Quintina, a diretora, parecia ser uma pessoa determinada, aquele tipo de mulher que não recebe ‘não’ como resposta. Também havia uma professora morena que tinha um olhar muito sério e um professor que ostentava uma cruz franciscana. Olhei aqueles rostos cheios de paixão pela vida e fiquei imensamente provocada”, conta Grace. Voltando para a Delegacia, ela não deixa abandonado o incômodo e decide ligar para sua amiga Maria Rosaria, que é a Consulesa da Itália no Distrito Federal, e lhe propõe que seja feito um projeto sobre a Itália na escola. Como naquela mesma semana haveria um almoço na Embaixada ao qual tinha sido convidada, Grace arrisca apresentar o projeto à própria embaixatriz, solicitando sua presença no evento. “ Perguntei a Rosaria como fazer, e ela me pediu para levar um projeto por escrito e ser pontual. Não havia um projeto verdadeiramente idealizado, mas um desejo apenas. Eu tinha meia hora para fazer o desejo virar um documento. Sentei-me em frente ao teclado e digitei um monte de ideias em sequência. Pronto! Lá estava o projeto ‘Hoje é Dia da Itália na Escola’. Nem eu sabia que se tratava de algo grande assim, mas o simples fato de serem 1.000 alunos naquele Centro de Ensino Fundamental já fazia o evento grande em si”. A essa altura, Grace já havia falado com a diretora da Escola e lhe feito a proposta. Quintina, como era de se esperar, não se retraiu diante da provocação e aceitou. Durante o almoço na Embaixada, Grace mostrou o projeto à Embaixatriz que achou interessante, mas respondeu que não poderia estar presente. Então é proposta uma mudança de data para que o evento ocorresse antes das suas férias, e ela aceitou. Assim que obteve a resposta positiva, Grace ligou para a diretora e lhe disse: “Nós temos 15 dias e nada mais!”.

Corrida contra o tempo
Começam os preparativos. No dia seguinte, acontece uma reunião com os professores para decidir como seria montado o projeto. Todos os professores se envolveram e ficaram na escola até as 23 horas naquele dia. Ederlânia, a professora de História, deu como sugestão uma linha do tempo, de Roma antiga até os dias de hoje. Naquela primeira reunião, Grace levou com ela dois amigos – Silvio e Arlindo –, pois intuía a grandeza daquele evento e precisava de rostos amigos que a ajudassem. Ambos também ficaram fascinados com os professores e a diretora. “Naquele momento, começou o milagre. Lembro-me também da professora Zenaide, do Ensino Especial; tinha tudo para se ocultar durante a reunião, mas não o fez. Aliás, depois de todas as ideias incríveis que tivemos, ela me tocou com simplicidade e disse que gostaria de apresentar seus alunos durante o evento. Fiquei impressionada com a coragem daquela mulher. Como ela poderia fazer algum trabalho com alunos especiais em tão pouco tempo? Os professores tinham que idealizar, e os alunos executar tudo em seis dias úteis, porque havia outras festas no calendário escolar. Além disso, eles teriam que fazer exposições verbais dos assuntos pesquisados, o que implicava em muita pesquisa”.
Foi preciso arrumar muito papel, tinta, quadros, fotos, folhas de isopor, mapas, etc. Quintina se responsabilizou em arranjar o material e fez uma dívida de mais de R$ 2.000,00 na papelaria, pendência que foi resolvida pelo próprio grupo de educadores da escola o qual resolveu pagar tudo com seus próprios e parcos recursos. Para os quadros, as fotos e as réplicas das obras de arte, Grace pediu em locadoras, gráficas, escolas e até na Embaixada da Itália e na própria sede de Comunhão e Libertação. O palco e o som, Quintina os pediu emprestados à Direção de Ensino e a um amigo. Em todo lugar que pediam ajuda, obtinham “sim” como resposta, mesmo que não conhecessem as pessoas. “Foi engraçado o dia em que entrei em uma locadora, no meio do nada, e disse à moça do balcão que ela iria fazer um monte de meninos felizes se me emprestasse um enorme cartaz do filme ‘Missão Romana’, que é um superlançamento. Claro que ela disse ‘sim’ e me entregou o imenso banner com a foto de um soldado e de um senador romanos”. Os convites para a festa foram preparados pela Nana, a vice-diretora, que ficou responsável pelo cerimonial.

Um acontecimento
Perto do dia do evento, a preparação estava a pleno vapor. Para Grace, tudo aquilo era incrível: “Nunca vi pessoas confiarem em outra daquela forma e vejam bem que eu era uma estranha. Eu poderia estar criando tudo aquilo e não lhes apresentar Embaixatriz nenhuma. Poderia ser ainda pior: imaginem se nenhum convidado fosse!” Mas, enquanto isso, coisas incríveis aconteciam. Como havia feito novas amizades com algumas autoridades do DF, Grace também fez a proposta a eles. Todos aderiram. Assim, ao evento, compareceram membros do Ministério Público e o Deputado Distrital Rogério Ulisses (o presidente da CPI dos Cemitérios), que Grace havia conhecido duas semanas antes, quando ele foi à Delegacia em que trabalha. Também compareceram agentes da saúde, do trânsito, da Polícia Militar, da própria Administração e seus colegas da Polícia Civil. Na apresentação do evento em si, os alunos especiais dançaram a Tarantela Italiana e o coral cantou É bella la strada. Essa música, em particular, foi uma surpresa que Grace quis fazer para Rosaria. “A Embaixatriz foi meiga e delicada e deu a todos os meninos uma atenção especial e individual”. Rose ensaiou com os meninos, dois dias antes, a frase de saudação, em italiano: “Boa tarde, senhora Embaixatriz; estamos muito felizes em recebê-la’” Depois do encerramento, foram apresentados os dez stands sobre a Itália. Cada sala abordava um tema e tinha cinco alunos expositores. Além disso, os passos da Embaixatriz foram acompanhados pelos soldados do Império Romano, caracterizados com roupas de TNT, durante todo o tempo em que ela esteve na escola. A costureira também disse “sim” e fez toda a indumentária em três dias, sem querer receber nada em troca.
“Durante todo o tempo, a Embaixatriz me perguntava: ‘Grace, por que a Itália?’. Eu sorria e dizia que conversaríamos depois, porque não saberia dizer a ela que a Itália era um pretexto para atingir o coração do homem, apesar de a Itália ser, efetivamente, o lugar mais lindo do mundo depois do meu país. Ela ficou perplexa com as apresentações dos meninos. Eles pesquisaram, colaram, desenharam, fizeram réplicas de obras de arte (até mesmo do teto da Capela Sistina) e decoraram textos, inclusive em latim, para dizerem no ato da exposição. Olhava aqueles rostos e via uma felicidade que jamais poderei reproduzir. Houve um professor que, ao final da apresentação de sua turma, tinha os olhos cheios de lágrimas. O que dizer disso? A Ederlânia, que leciona História, explicou aos promotores de justiça que os alunos haviam mudado naquele período, pois tinham se tornado mais amigos dos professores. Ela percebeu que estava sendo, literalmente, mais abraçada por eles”. Dois dias antes do evento, outros amigos tinham ido ajudar Grace: Sêmea, Ana Maria e Ronaldo foram falar sobre o desejo do coração, lendo poesias de Adélia Prado e ensaiando músicas de Claudio Chieffo com eles. No stand das personalidades, coordenado pela professora Iara, havia uma foto de Dom Giussani sorrindo para todo o rosto curioso que passava por ali. Quando a Embaixatriz olhou para o menino que cuidava da foto, ele disse: “Este é o padre Dom Giussani, que a Delegada Grace apresentou para a gente”. E ela concluiu: “Na verdade, não disse nada sobre Dom Gius, apenas lhes entreguei o quadro e a Ana, as revistas. Quando já estava indo embora, passei pela imensa estátua da Virgem Maria que há na entrada da cidade e chorei. Chorei, mas foi de alegria e agradecimento por ter vivido aquela maravilha. Lembro-me de ter pensado assim: minha Virgem Senhora, não me deixe pensar que alguma dessas coisas tenha sido feita por mim, obrigada mãe”.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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