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Passos N.187, Dezembro 2016

DESTAQUE

Advento. O tempo da espera

por Luigi Giussani

O Advento “chama a atenção para o fim da estrada e para a finalidade do tempo”. Publicamos um trecho das meditações de Luigi Giussani sobre a liturgia cristã como ajuda para compreender e para viver os “momentos privilegiados” da fé

O tempo do Advento é o tempo da espera, é o tempo do primeiro sinal de unidade entre a nossa liberdade e a de Deus. É o tempo do Antigo Testamento, daquilo que deve se realizar, do caminho. Nos profetas, a espera, que era espera do Messias – suscitada por Deus e aceita por eles –, formulava-se segundo ideias, sensações e mentalidade própria, tanto do povo, como do indivíduo, como do momento. A espera, inevitavelmente, formulava-se segundo seus sentimentos, conceitos e aspirações. Eram povo do deserto e Deus, para eles, era “a terra que florescia”; eram escravos e pensavam que o reino de Deus fosse uma potência, o predomínio deles sobre o mundo. Estavam divididos e, para eles, o reino de Deus era a unidade do povo. Identificavam o mistério de Deus com o conceito que tinham, ou seja, no fundo, esqueciam-se de que Deus é mistério. Mas a sua fantasia sobre o mistério tornava-se veículo para o mistério, agarrar-se a esta fantasia era contrário ao reino de Deus.
Hoje, o senso do mistério nos é constantemente lembrado pela vida da Igreja.
Não há tempo litúrgico que não se refira a Deus como mistério. Isso começa a se tornar claro na espera. Nós somos espera: nossa vida o é. Sabemos que essa espera é mistério como início, uma vez que fomos feitos, e como final.
Também para nós, a espera se traduz nas nossas ideias, concepções, medos, na nossa imagem de bem, de mal, de virtude e defeito. A espera se encarna em todas essas coisas. Toda a vida é profecia de Deus para nós, isto é, do reino de Deus.
Porém, este reino é sempre diferente – imprevisível – porque o que é de Deus é sempre imprevisível. Por isso, ai de quem coloca obstáculos intransponíveis entre o seu pecado e Deus, ai de quem rejeita o perdão. Esta é a crise da espera: o perigo de que os nossos pensamentos e sentimentos nos bloqueiem, nos corrompam. Enquanto tudo é bem e coopera para o bem, nada exaure o mistério, mas tudo é profecia dele, ponto do qual começa um desenvolvimento imprevisível.
O equívoco de fundo ao tentar decifrar a lei da espera está no perigo de esperar o reino de Deus sem desejar realmente “aquele” reino, querer que aconteça sem amar verdadeiramente o reino de Deus. Os fariseus, por exemplo, queriam realmente que o reino de Deus viesse, amavam a lei, mas não conseguiam amar verdadeiramente aquilo que aconteceria. Pode-se fazer de tudo para que aconteça a vontade de Deus sem amar com convicção e verdade as suas modalidades. É o último resíduo de um moralismo, o último pedaço de si que não cede nunca, que não é amor àquilo que acontece. É o não libertar o próprio eu, o não aceitar que o eu desapareça, que se perca em Seu nome. Assim, a pessoa pode fazer muitas coisas, mas não terá caridade. Mas, exatamente quando alguém reconhece que erra nesse modo de agir, Deus purifica até a raiz dos ossos: exatamente na descoberta da nossa resistência entendemos o que é o amor, o que é Deus para nós.
É preciso ter presente que Deus é fiel: suscitou a espera para realizá-la. Todos os justos serão satisfeitos.

“Os fariseus perguntaram um dia a Jesus quando viria o reino de Deus. Respondeu-lhes: ‘O reino de Deus não virá de modo ostensivo. Nem se dirá: ‘Ei-lo aqui’, ou: ‘Ei-lo ali’. Pois o reino de Deus já está no meio de vós’. Mais tarde ele explicou aos discípulos: ‘Virão dias em que desejareis ver um só dia do Filho do homem e não o vereis. Então vos dirão: Ei-lo aqui; e: Ei-lo ali. Não deveis sair nem os seguir. Pois como o relâmpago, reluzindo numa extremidade do céu, brilha até à outra, assim será com o Filho do homem no seu dia. É necessário, porém, que primeiro ele sofra muito e seja rejeitado por esta geração. Como aconteceu nos dias de Noé, acontecerá do mesmo modo nos dias do Filho do homem: comiam e bebiam, casavam-se e davam-se em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca. Veio o dilúvio e matou a todos. Também do mesmo modo como aconteceu nos dias de Lot: os homens festejavam, compravam, vendiam, plantavam e edificavam. No dia em que Lot saiu de Sodoma, choveu fogo e enxofre do céu, que exterminou todos eles. Assim será no dia em que se manifestar o Filho do homem. Naquele dia, quem estiver no terraço e tiver os seus bens em casa, não desça para os tirar; da mesma forma quem estiver no campo, não torne atrás. Lembrai-vos da mulher de Lot. Todo o que procurar salvar a sua vida perdê-la-á; mas todo o que a perder, encontrá-la-á. Digo-vos que naquela noite dois estarão numa cama: um será tomado e o outro será deixado; duas mulheres estarão moendo juntas: uma será tomada e a outra será deixada. Dois homens estarão no campo, um será tomado e o outro será deixado’” (Lc 17,20-36).

Em nossa meditação sobre a espera emergirão alguns fatores fundamentais.
Nossa vida será julgada porque nada se salva se não através do juízo. São Paulo compara este juízo com um fogo que evidencia a verdade das coisas: se elas são ouro ou prata, se são madeira ou se são palha, isto aparecerá através do fogo, através do juízo. Do juízo aparecerá o desígnio de Deus, como se vê no trecho do Evangelho citado e, por isso, ainda uma vez aparecerá a verdade das coisas; através do juízo aparecerá o nosso reconhecimento do desígnio de Deus e, por isso, da verdade com a qual fazemos as coisas. Aparecerá a verdade com a qual nós olhamos para as coisas e aparecerá a verdade com a qual nós as manipulamos, porque – como é dito no Evangelho – então tudo será claro, será claro no sentido de que virá à luz; como Jesus havia acenado, “nada há coisa oculta que não venha a se manifestar” (Cfr. Lc 8,17).

“Logo após estes dias de tribulação, [de repente] o sol escurecerá, a lua não terá claridade, cairão do céu as estrelas e as potências dos céus serão abaladas. Então aparecerá no céu o sinal do Filho do homem. Todas as tribos da terra baterão no peito e verão o Filho do Homem vir sobre as nuvens do céu cercado de glória e de majestade. Ele enviará seus anjos com estridentes trombetas, e juntarão seus escolhidos dos quatro ventos, duma extremidade do céu à outra” (Mt 24,29-31).
“Quando àquele dia e àquela hora, ninguém o sabe, nem mesmo os anjos do céu, mas somente o Pai. Assim como foi nos tempos de Noé, assim acontecerá na vinda do Filho do homem. Nos dias que precederam o dilúvio, comiam, bebiam, casavam-se e davam-se em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca. E os homens de nada sabiam, até o momento em que veio o dilúvio, e os levou a todos. Assim será também na volta do Filho do homem. Dois estarão no campo: um será tomado, o outro será deixado; duas mulheres estarão moendo no mesmo moinho: uma será tomada e a outra deixada. Vigiai, pois, porque não sabeis a hora em que virá o Senhor!” (Mt 24,36-42).

“Outra coisa precisa ser sublinhada além da palavra do juízo iminente: o senso da precariedade da vida, “não é este o rosto verdadeiro dos relacionamentos e das coisas” (1Cor 7).
“Velai sobre vós mesmos, para que os vossos corações não se tornem pesados com o excesso do comer, com a embriaguez e com as preocupações da vida; para que aquele dia não vos apanhe de improviso. Como um laço cairá sobre aqueles que habitam a face de toda a terra. Vigiai, pois, em todo o tempo, e orai a fim de que vos torneis dignos de escapar a todos estes males que hão de acontecer, e de vos apresentar de pé diante do Filho do homem” (Lc 21,34-36).
“Estejam cingidos os vossos rins e acesas as vossas lâmpadas. Sede semelhantes a homens que esperam o seu senhor, ao voltar de uma festa, para que, quando vier e bater à porta, logo lha abram. Bem-aventurados os servos a quem o senhor achar vigiando, quando vier! Em verdade vos digo: cingir-se-á, fá-los-á sentar à mesa e servi-los-á. Se vier na segunda ou se vier na terceira vigília e os achar vigilantes, felizes daqueles servos! Sabei, porém, isto: se o senhor soubesse a que hora viria o ladrão, vigiaria sem dúvida e não deixaria forçar a sua casa. Estais, pois, preparados, porque, à hora em que não pensais, virá o Filho do homem” (7 Lc 12,35-40).

Mas, paradoxalmente, para nós há nas coisas um chamado à responsabilidade ao qual não é possível esquivar-se, assim como não é possível subtrair-se ao olhar de Deus (Salmo 138).
O juízo final, de fato, torna-se atual, literalmente, pelas provas da vida. As provas antecipam o juízo final: as provas de qualquer natureza, física e moral, mas, sobretudo, as provas como crises da nossa fidelidade a Deus. Elas são o exame da nossa verdade, são objeção a nós, não a Deus. O juízo final, de resto, é a projeção desses juízos históricos que, na prova, Deus dá sobre nós. A prova nos obriga a entender que a categoria final evidencia a verdade de todas as outras categorias do nosso viver.

A liturgia do Advento, no início do caminho do novo ano litúrgico, refere-se justamente ao final do próprio caminho, o término da estrada e a finalidade do tempo. O término da estrada e a finalidade do tempo são o fim em que Cristo retornará e as coisas serão, verdadeira e finalmente, aquilo que devem ser.
Tudo será verdadeiramente si mesmo porque a luz de Deus não será mais freada por nada e Cristo terá realizado a sua obra, de modo que verdadeiramente tudo será de Cristo, como Cristo é de Deus (Cfr. 1Cor 3,23). Não podemos entrar no santuário de Deus a não ser através de um juízo, um juízo de valor sobre a existência e sobre a história, um juízo de reconhecimento da força que tem o nosso tempo e o tempo da história. Todos os nossos males, as incertezas, as resistências e todas as nossas fugas nascem da ausência, da fraqueza em nós do juízo. E é a palavra de Deus que estabelece o juízo em nós. Assim como a palavra de Deus estabelecerá o juízo no fim da vida, do mesmo modo a palavra de Deus estabelece o juízo sobre aquilo que nos acontece: na Palavra de Deus toda crise é vencida, a prova é superada, somos libertados do mal.

“Quando o Filho do homem voltar na sua glória e todos os anjos com ele, sentar-se-á no seu trono glorioso. Todas as nações se reunirão diante dele, e ele separará uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. Colocará as ovelhas à sua direita, e os cabritos à sua esquerda. Então, o Rei dirá aos que estão à direita: ‘Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do reino que vos está preparado desde a criação do mundo, porque tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era peregrino e me acolhestes; nu, e me vestistes; enfermo e me visitastes; estava na prisão e viestes a mim. Perguntar-lhe-ão os justos: ‘Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer? Com sede e te demos de beber? Quando foi que te vimos peregrino e te acolhemos; nu, e te vestimos? Quando foi que te vimos enfermo ou na prisão, e te fomos visitar?’. Responderá o Rei: ‘Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes’. Voltar-se-á em seguida para os da sua esquerda e lhes dirá: ‘Retirai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno destinado ao demônio e aos seus anjos. Porque tive fome e não me destes de comer; tive sede e não me destes de beber; era peregrino e não me acolhestes; nu, e não me vestistes; enfermo e na prisão, e não me visitastes. Também estes lhe perguntarão: ‘Senhor, quando foi que te vimos com fome, com sede, peregrino, ou nu, ou enfermo, ou na prisão e não te socorremos?’. E ele responderá: ‘Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que deixastes de fazer isto a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer’. ‘E estes irão para o castigo eterno, e os justos para a vida eterna’” (Mt 25,31-46).
“A caridade é paciente, a caridade é bondosa. Não tem inveja. A caridade não é orgulhosa. Não é arrogante. Nem escandalosa. Não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tu crê, tudo espera, tudo suporta. A caridade jamais acabará” (1Cor 13,4-8).

O trecho de São Paulo e o Evangelho de São Mateus, sumariamente, mas também ultimamente, descrevem o critério do juízo final, mas também o critério dos juízos que são as provas da vida. A prova esmaga quem não vive segundo a dimensão citada. Santa Teresa diz: “No final de vossa vida sereis julgados sobre o amor” (A citação é de São João da Cruz, companheiro de Santa Teresa d’Ávila na reforma carmelita). O amor não é um discurso, mas é colocar a própria vida no Discurso. Em nome dele muda os modos da vida os quais mudam verdadeiramente somente se mudam na raiz. Caso contrário, só fazem acentuar a máscara que já eram e quando se usa a máscara em nome do Espírito Santo, ela é infinitamente pior.
Não temos nenhum outro programa exceto o da caridade e a caridade não é um sentimento ou uma inclinação particular a fazer o bem, ou uma compaixão, ou uma comiseração, ou uma onda de afeição, mas a atuação do juízo que aconteceu entre nós.
No Advento, o tema único é: “...Ele que vem”; e não há nenhum aspecto visível e sensível deste “Ele que vem”, a não ser a promessa de relacionamentos novos entre nós. A conversão trazida por Cristo é um fato concreto; o amor de Deus pelos homens é uma realidade tangível, sensível, física. Reconhecer este fato entre nós se traduz, do mesmo modo, em uma realidade no seio de uma mulher, um feto, uma criança que nasce, um homem, por isso, é uma realidade tangível, sensível, física. Reconhecer este fato entre nós se traduz, do mesmo modo, em uma realidade física, experimentável, sensível, nova. A consciência da iminência da Sua vinda, portanto, a vigilância, a vida vivida na consciência de si como espera, faz emergir relacionamentos novos.
E isto acontece de modo proporcional à memória de Cristo que vivemos, de modo proporcional à oração que somos, de modo proporcional ao silêncio que mantemos como fundo de todas as nossas ações.
A Sua vinda é o Seu juízo, por isso nossas ações devem converter-se em caridade, em comunhão. Mas para que as nossas ações tornem-se juízo e antecipem a Sua vinda, para que a Igreja seja construída e o trabalho se torne casa de Deus e lugar para os oprimidos, os cegos, os estrangeiros, as viúvas, os órfãos, é preciso paciência.
“Tende, pois, paciência, meus irmãos, até a vinda do Senhor” (13 Cfr. Ti 5,7a).
“Vede o lavrador: ele aguarda o precioso fruto da terra, e tem paciência até receber a chuva do outono e a da primavera. Tende também vós paciência e fortalecei os vossos corações, porque a vinda do Senhor está próxima” (Cfr. Ti 5,7b-8).
É uma iminência mesmo se nos fizesse caminhar por dois mil anos. “Tomai, irmãos, por modelo de paciência e de coragem, os profetas que falaram em nome do Senhor” (Cfr. Ti 5,10).
E quando nossa paciência, que é muito frágil, está para ceder, como acontece com Acaz no livro de Isaías, então o Senhor virá: “O Senhor disse ainda a Acaz: Pede ao Senhor teu Deus um sinal, seja do fundo da habitação dos mortos, seja lá do alto. Acaz respondeu: ‘De maneira alguma! Não quero por o Senhor à prova!’. Isaías respondeu: ‘Ouvi, casa de Davi: Não vos basta fatigar a paciência dos homens? Pretendes cansar também o meu Deus? Por isto, o próprio Senhor vos dará um sinal: uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e o chamará Emmanuel, ‘Deus Conosco’” (Is 7,10-14).
Nos extremos confins da nossa paciência o Seu sinal aparecerá entre nós. Assim, a história de Israel seguiu adiante sem lógica aparente, sempre com algo de novo e, frequentemente, de contraditório em relação ao impulso inicial, chegando ao ídolo, chegando ao exílio e à corrupção – durante a qual veio Emmanuel, Deus Conosco –. Por isso, diante de cada um de nós há a liberdade de Deus. A iminência da Sua vinda, a caridade na ação que antecipa o juízo final, significa construir relacionamentos novos. E isto é responsabilidade e iniciativa nossa, pessoal: que os outros o reconheçam, é trabalho de Deus – “minha hora ainda não chegou” (Cfr. Jo 2,4), disse Jesus a Nossa Senhora nas Bodas de Caná. A paciência e a dignidade nos tornam, em todas as ações, livres de tudo e, ao mesmo tempo, presentes em tudo.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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