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Passos N.187, Dezembro 2016

IGREJA

O ano que não termina

por Alessandra Stoppa

No dia 20 de novembro encerrou-se o Jubileu da Misericórdia. Mas “o trabalho para nos abrirmos a ela” não se encerra. Quem fala sobre isso é Padre Mauro-Giuseppe Lepori, abade geral da Ordem dos Cistercienses


Uma ovelha adulta pesa entre 45 e 100 quilos. Como uma pessoa. “Levá-la nos ombros é um sacrifício”. Padre Mauro Giuseppe Lepori, abade geral da Ordem dos Cistercienses, desfaz qualquer visão romântica do Bom Pastor, pela qual imaginamos que, deixando tudo para ir atrás da única ovelha perdida, “provavelmente, depois que a encontra, a coloca nos ombros e salta pelas montanhas assobiando”.
O realismo do Evangelho narra outra história, onde os corpos têm um peso e o amor é concreto, sofre, esforça-se pelo outro, as palavras têm valor e os gestos, uma profundidade. “Naquela ovelha vejo o meu ‘peso’. Como quando nos sentimos um peso para os outros. No entanto, somos amados”. Somos perdoados, carregados nos ombros e conduzidos. Como Jesus conduz Judas, que o traiu, no capitel medieval da Basílica de Vèzalay, imagem da misericórdia, como disse o Papa Francisco olhando para este baixo relevo: “Ele acolhia as pessoas como eram, não como deveriam ser”.
No dia 20 de novembro foram fechadas em todo o mundo as Portas Santas encerrando-se o Jubileu que começou no dia 8 de dezembro de 2015. Nenhum balanço foi feito, mas neste diálogo padre Lepori nos explica porque o tempo de graça “não termina”. Partindo do Evangelho, considera o Ano Santo como o “espaço” que Jesus criou quando a multidão o assediava e pediu aos discípulos para poder falar em um barco distante das margens.

Por que este gesto de Jesus nos ajuda a compreender o tempo dedicado à misericórdia?
Nós gostaríamos, como a multidão, de tocar Jesus e conseguir alguma mágica. Dedicar um ano do caminho a um tema, a uma realidade, é como tomar uma distância: para escutar, para darmo-nos o tempo necessário para tomar consciência da misericórdia, para ver o que ela pede à minha liberdade, seja para acolhê-la ou para oferecê-la. Impressiona-me, porque Jesus pediu o barco não para fugir da multidão, mas porque aquelas pessoas queriam milagres e não o escutavam. Ele veio, em primeiro lugar, para se dirigir à liberdade do homem e é essencial que possa falar e ser ouvido. É essencial que o homem, cada um de nós, se coloque diante dele carregando um silêncio. Também em relação às expectativas imediatas.

O que o Jubileu representou para a vida da Igreja?
Foi o aprofundamento de um mistério. Um aprofundamento do qual precisamos porque é vital. O Papa colocou a misericórdia no centro da nossa vida. E fez isso com seus gestos e com os gestos que nos pedia: fez-nos exercitar, não só como atenção, mas como experiência. Antes de mais nada, difundindo de modo tão capilar a possibilidade de se confessar, de obter indulgência, de meditar sobre este mistério e de vivê-lo – também através das obras corporais e espirituais – de modo encarnado. Portanto, o importante é que a experiência da misericórdia não acabe, nem o nosso trabalho para nos abrimos a ela. Por isso o Ano da Misericórdia não termina.

O que o senhor mais compreendeu neste aprofundamento?
O Papa convocou o Ano Santo diante das feridas do mundo e da Igreja: seja as do pecado, seja as causadas pela história, pelas catástrofes. Um dos aspectos essenciais, a meu ver, é que nos pediu para tomarmos consciência de que o homem, antes de analisar e definir o seu mal estar, precisa sentir-se acolhido. É belíssimo que São Bento, no Prólogo da Regra fale sobre Deus que, em meio à multidão, grita: “Há alguém que queira a vida e deseja dias felizes?”. Este convite do Senhor é a misericórdia. É uma proposta ao homem assim como é, e assim como é neste momento da história. Quem responder “eu”, pode fazer esta experiência.

E depois de dizer “eu”, como continua?
São Bento escreve: “Deus disse: ‘Se queres ter a vida verdadeira e eterna, guarda tua língua do mal e teus lábios não profiram mentiras: foge do mal e faze o bem, busca a paz e segue-a’”.

A resposta ao pedido de felicidade é um caminho a ser percorrido?
A resposta é um caminho de conversão: o caminho de não nos deixarmos levar pela tendência que carregamos, que é a de não sermos misericordiosos. No fundo, a Igreja às vezes parece não responder às exigências do homem exatamente porque oferece um caminho. Não é milagrosa: quando o é, torna-se frágil; trata-se de experiências ou propostas que não ajudam as pessoas a crescer, a se tornarem livres e adultas. Quando se oferece uma solução que não se torna caminho de conversão, de liberdade, a pessoa fica frágil. A Igreja propõe uma estrada para a felicidade verdadeira, não para satisfações imediatas como as que a sociedade oferece. Responder “eu” a Deus que nos quer felizes significa ser conscientes da nossa verdadeira necessidade. Ficamos confusos na identidade que nos damos, fazemos que isso coincida com mil desejos, mas ao contrário, é desejo de infinito: de uma felicidade que somente Deus pode dar. Então, para dizer verdadeiramente “eu”, é preciso fazer silêncio, é preciso renunciar a satisfações que se colocam no lugar da felicidade.

O Papa sempre nos disse que este seria um tempo favorável se aprendêssemos “a escolher ‘aquilo que mais agrada a Deus’, ou seja, a sua misericórdia, o seu amor, a sua ternura”. O que significa este escolher, preferir?
O filho pródigo, assim como nós, não é capaz por si mesmo de preferir o pai: responde à preferência do pai por ele. E não há preferência fora da misericórdia! O filho volta pedindo apenas um trabalho e o que comer, mas naquele perdão descobre uma plenitude de vida: se escolhe o pai, tem tudo. Também o irmão mais velho, embora tendo ficado em casa, escolhera outra coisa: até aquele momento não tinha preferido o pai, nem tinha se deixado preferir; sua afeição estava em outro lugar, nos amigos, nas cabras, na metade da herança. Ao contrário, a plenitude coincide com aquele relacionamento, mas é uma graça que nenhum dos dois produziu. É uma gratuidade. A questão da escolha e da preferência é exatamente deixar a nossa afeição, e também o desejo de vida que temos, converter-se ao Pai. Espera-se que tenhamos aprendido isto com o Jubileu: é preciso sempre partir da preferência de Deus por nós, daquilo que somos para Ele.

Como o senhor experimenta a consistência no relacionamento com o Pai que nada pode tirar?
Exatamente no pertencer à Igreja, que me faz fazer experiência da misericórdia do Senhor: faz-me crer nela, faz-me pedi-la e, antes de mais nada, a doa a mim nos Sacramentos. Permite-me realmente fazer experiência de uma realidade que existe. E é uma realidade à qual posso retornar, mais ainda, é uma experiência que se faz exatamente “retornando”, a partir da própria falta. Isto nos torna abertos ao outro que é diferente, que incomoda, que fere.

Muitas pessoas nem sabem o que é o Ano da Misericórdia. Como essa experiência chega a todos?
Esta é a missão que o Papa deseja, espera que nasça desse Jubileu: que o homem conheça a misericórdia. Assim como foi necessário um Ano Santo, do mesmo modo são necessários lugares, comunidades que encarnem esse abraço que ama e acolhe. A Igreja permanece por isso, por causa da missão, que é transmitir uma experiência. Por isso é importante fazer experiência, que este ano tenha se tornado experiência.

Por que é a única maneira de transmiti-la?
Nós somos complicados e achamos que comunicar esta experiência seja mais difícil do que o perdão que recebemos. O ponto é abandonar-se à simplicidade de transmitir um amor que nos foi dado. Logo renascem as defesas das nossas seguranças: é como se o filho pródigo, que volta para casa e é acolhido sem repreensões, depois, começasse a encontrar segurança nas coisas que volta a possuir. Esquecendo-se de que, agora, toda a sua consistência é aquele abraço que recebeu.

Uma das provocações mais fortes é a de viver o relacionamento entre verdade e misericórdia. O que o Ano Santo nos ensinou sobre isto?
Estamos muito habituados a pensar que a disciplina é a condição para um caminho. A disciplina, ao contrário, é o êxito. Se, na minha vida, entendi e aceitei certos valores, certas exigências morais, é porque fui amado antes que me fosse dada a lei. A lei nunca me salvou, porém a misericórdia fez-me entender que mesmo no início me quer bem. Por exemplo, na vida consagrada, a pessoa sente-se preferida, escolhida, chamada e diz “sim”, mas percebe que viver verdadeiramente a pobreza, a castidade e a obediência não é uma condição, é o fruto. Para percorrer o caminho é preciso ser atraídos: o juízo sozinho é uma condenação, enquanto o juízo transmitido por um amor, atrai. E o amor é ver alguém que vive com plenitude um valor: o amor é, antes de mais nada, a oferta de uma companhia. O Bom Pastor conduz as ovelhas porque está com elas e, fazendo assim, indica o caminho certo. Ao invés, muitas vezes, queremos mostrar o caminho através de uma indicação no mapa, e não percorremos o caminho com o outro, não estamos dispostos a acolhê-lo, a sujar as mãos com ele.

A Igreja de hoje oferece aos homens um caminho para percorrerem juntos?
Acredito que a situação atual da Igreja coloca as coisas no ponto certo. Hoje, ninguém mais escuta e segue um juízo, um princípio por si mesmo. Hoje o homem diz: se você não me ama, a sua lei não me diz nada. Não há mais uma confiança dentro da qual “verificar” uma proposta. Antes, bem ou mal, confiava-se na Igreja. Hoje é preciso recriar esse espaço de confiança onde propor um juízo que corresponde mais à felicidade. Mas cria-se esse espaço com uma companhia feita para o homem, sem a qual o juízo não tem terreno onde se firmar. Fico muito impressionado com o espaço de confiança que o Papa Francisco criou. As pessoas que encontro, as mais inimagináveis, mesmo quem não crê ou vem de culturas e credos diferentes, exprimem uma grande confiança nele. Para mim, isso é incrível. Vejo essa confiança que ele suscita como uma grande responsabilidade, me questiona. É um tempo de graça que Deus oferece e nós precisamos ajudar o Papa a amar o homem através da confiança que o Espírito Santo cria ao redor dele.

O que quer dizer ajudar e seguir o Papa? Várias coisas que vêm dele nos tocam, mas é fácil parar naquilo que nos “corresponde”, ou pensarmos que já entendemos.
Nós não sabemos seguir Cristo. Precisamos que a Igreja nos ensine isto. E nós seguimos o Papa exatamente porque, através dele, o próprio Cristo nos diz como quer ser seguido. E, assim, pede a nossa conversão. Todo Pontífice conduz o rebanho no tempo, no pedaço de história que Deus o faz atravessar, e cada um deles nos indica Cristo: essa é a fonte da certeza que torna inútil compará-los. Nos Papas que foram eleitos desde que nasci é evidente o amor a Cristo, cada um viveu seu ministério preferindo e seguindo Jesus de perto. E é assim que eles se orientam. O Senhor pede à pessoa do Papa: “Você deve ser o primeiro a me seguir”, para que também nós possamos segui-Lo. Somente agora percebo porque João, o discípulo predileto, deixou Pedro entrar no sepulcro antes dele: para ver e crer, é preciso seguir Pedro.

O que é importante para o “depois” do Ano Santo?
O devedor, a quem foi perdoada toda a dívida, não perdoou ao primeiro irmão nem o mínimo que lhe devia. Já tinha se esquecido. Este é o problema: a passagem entre ter recebido tudo e a misericórdia que o outro nos pede. A misericórdia recebida difunde-se se respondemos à misericórdia que nos é pedida. Por outro lado, entre as duas há uma desproporção imensa... Mas um minuto depois de tudo ter-nos sido perdoado, somos capazes de começar a fazer cálculos. E falo, antes de mais nada, da nossa família, dos amigos, da comunidade, dos mais próximos. Logo no primeiro encontro, já somos cobradores. Já esquecemos. Isto é importante para o “depois” do Ano Santo: que não esqueçamos. Esta é a grande consciência que nos é pedida. E para a qual ainda precisamos pedir misericórdia.

 
 

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© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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