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Passos N.188, Fevereiro 2017

UNIVERSITÁRIOS | EXERCÍCIOS

“Todo o meu desejo”

por Fabrizio Sinisi

Em dezembro, estudantes universitários de várias partes do mundo, participaram, na Itália, dos Exercícios Espirituais propostos por Comunhão e Libertação. E foram desafiados por padre Julián Carrón

Em Rímini, os jovens – todos estudantes universitários – são mais de quatro mil, aglomerados em silêncio fora dos pavilhões da Feira esperando para entrar. Quando os portões são abertos, apressam o passo, alguns até correm, buscando sentar-se o mais próximo possível do palco. Preparam as folhas para as anotações, as canetas, olham-se com curiosidade: cada um chega aqui com uma história particular e uma espera precisa. Muitos convidaram os amigos, como Bernardo, que estuda Letras em Milão: “Se o que vivemos é decisivo, se realmente sustenta tudo, então convidar alguém é ocasião para olhá-lo mais, para amá-lo mais. Ser convidado pode significar colocar uma pergunta sobre o que você é agora, sobre o que você realmente quer agora”. “A ti se dirige todo o meu desejo”, é o título dos Exercícios Espirituais deste ano. Já o “ti” – com “t” minúsculo – suscita um desafio: a qual “tu” pode se dirigir todo, todo o meu desejo? Padre Julián Carrón, que há anos prega pessoalmente os Exercícios dos Universitários de CL, aponta diretamente para o coração da situação de cada um. Uma situação frequentemente dramática. “Dúvida sobre a existência”, “fragilidade da vida”, “inconsistência de si mesmo”, “terror da impossibilidade”, “horror da desproporção entre si e o ideal”: são apenas alguns nomes do nosso drama contemporâneo. Este, diz Carrón, citando Giussani, é “o cerne da questão – e é daqui que se recomeça”. O que para todos significaria o fim – ou seja, a descoberta de ser estruturalmente incapaz de se realizar sozinho –, pode tornar-se o início de tudo: “Há, de fato, uma palavra que domina a experiência humana: é a palavra ‘desejo’”. Cada um, continua Carrón, pode verificar se, ainda mais profundo do que todos os nossos dramas, não permanece inextirpável o desejo de viver, o desejo de um “a mais”, o desejo de um significado que torne a vida realmente vida.

Gaber e o U2. É uma pergunta que desafia a todos. O silêncio tenso e comovido com que todos escutam a execução das duas músicas que Carrón deu como exemplo, demonstra isso: Il Desiderio (O desejo), do italiano Giorgio Gaber e a célebre I still haven’t found what I’m looking for (Eu ainda não encontrei o que procuro), da banda irlandesa U2. Esta, portanto – continua Carrón, citando Giussani –, é a dimensão que reconhecemos ter o desejo: “A atração profunda com a qual Deus nos chama a si”. Mas no fim, “qual é o horizonte do meu estudo?”, pergunta Simone, de Roma, quando saiu dos pavilhões da Feira. “Porque, se a perspectiva do meu estudo é o próprio estudo, não é humano vivê-lo”. Aqui, aprendo a estudar fazendo uma pergunta maior, perguntando quem sou eu”. Um olhar “humano”, define. E “um modo radicalmente novo de encarar o ‘livro cotidiano’: aqui, nos Exercícios, aprendo isso”; Fausto é de Bari, mas estuda Física em Trento. A Introdução terminou há pouco, mas já é um rio caudaloso. “Chegamos hoje em Rímini e antes do jantar percebi que todo o desejo, o motivo pelo qual vim, já não existia. Não sabia mais qual era a minha pergunta. No entanto, percebia a necessidade de ter algo a pedir, a verificar nestes dias. Assim, quando Carrón, na Introdução, nos disse para pedirmos ao Espírito Santo para sempre termos necessidade, para devolver-nos a nós mesmos, fui muito bonito. Era exatamente o que eu estava buscando! Enquanto o ouvia falar, entendi pela primeira vez que sentido tem esse voltar sempre à origem da estrutura humana. Normalmente penso que preciso de alguém que se limite a falar-me de Cristo, porque considero óbvio que O encontrei e O reconheci. Aqui, ao contrário, volta-se sempre “atrás”, se aprofundam os fatores, as dinâmicas constitutivas do meu ser... Penso que preciso de outra coisa, porém há algo de que preciso mais. Como posso realmente conhecer algo, entrar em relacionamento com alguém se não tenho consciência de quem eu sou, de como se move o meu coração?”.

Filho pródigo. “Amadurecei a semente plantada, / derrotai as nossas resistências, / libertai-nos das esperanças enganadoras”: as invocações durante as Laudes – as orações da comunidade – do sábado de manhã parecem a expressão do íntimo do coração de um único indivíduo; ouvir milhares de jovens murmurá-las é uma experiência que por si só abre uma pergunta. São um povo, se diria, mas talvez nem o sejam. A Meditação do sábado de manhã é o momento central dos Exercícios e também o mais exigente: são chamados a fazer um trabalho juntos. Começa-se esclarecendo a distinção entre desejo e imagem: normalmente respondemos à grandiosidade do desejo com uma hipótese inadequada – e por causa dessa inadequação somos, depois, obrigados a fugir, a nos desviarmos. Carrón explica essa dinâmica citando a parábola do filho pródigo. É uma história que todos conhecem: mas, aqui, parece contada pela primeira vez. O filho que se desiludiu pensando que conseguiria vencer sozinho, a um certo ponto reconhece a natureza da sua necessidade e toma o caminho de volta para casa. O pai para o qual voltava certamente não era diferente daquele que tinha deixado: mas ele estava diferente, tinha uma nova consciência de si. Os chiqueiros dos porcos foram o lugar de seu novo início. Então, torna-se claro também o título da última parte da Meditação, “Cristo salva o nosso desejo”: “Quando somos verdadeiramente conscientes de qual é a natureza da nossa necessidade, então é como se se tornasse claro aos nossos olhos qual é o valor concreto, real, daquele Pai do qual fugimos. No fundo da nossa miséria encontramos a indicação que nos leva ao Pai”.

Por que a alegria? “Quando recebi o convite para vir aos Exercícios, disse não”, diz Francesco, de Roma. E depois? “Depois, no fim de novembro, trabalhei como voluntário na Coleta de Alimentos. Foi uma experiência tão bonita que precisei reconsiderar: queria entender mais e, então, disse sim”. Luca, de Milão, estava no Congo há seis meses, como chefe de obras em um dos projetos da Faculdade de Engenharia. Veio da África para Rímini quase sem passar em casa. “O motivo pelo qual fui ao Congo para trabalhar não é diferente daquele que me faz estar aqui. Se esta experiência me faz viver bem, me faz trabalhar bem, não posso deixar de buscá-la continuamente. A origem do meu estar no mundo está aqui”. Inês é de Barcelona, estuda Economia na sua cidade; ela também foi provocada por aquele “ti” do título, com “t” minúsculo: “De repente entendi que se tratava do Senhor. Não por obviedade, mas por experiência. Perguntei-me: a quem pode se dirigir todo o meu desejo? Somente a Ele, somente ao Senhor eu posso entregar todo o meu desejo”, e enquanto diz isso não percebe que ao dizer “todo” sua voz treme. Uma amiga sua, Maria, também de Barcelona, parece ler seu pensamento: “Estes Exercícios”, me diz, “são a ocasião para que eu, finalmente, pare de esconder o que tenho no coração”. Riem juntas, as estudantes espanholas – há muitas, de Barcelona e também de Madri. Organizam, junto com os italianos, os ugandenses e os ucranianos uma partida de vôlei na rua, na frente do hotel – riem tão alto que podem ser ouvidos no hall, fazem uma ola todas as vezes que passa um carro. Os passantes se surpreendem com tanta alegria. “O que há de alegre nessa maldita cidade?”, perguntava-se padre Rodrigo, no livro Os noivos (Alessandro Manzoni), ao ouvir, debaixo de sua janela, o povo que corria para a casa do cardeal Borromeo. Enquanto isso, mesas e cadeiras são deslocadas, chegam os grupos dos hotéis vizinhos e fazem uma Assembleia para recolher perguntas para fazer a Carrón, à tarde. As cadeiras não são suficientes – sentam nas mesas, nos bancos. As perguntas são tantas que é preciso interromper, o ônibus está esperando e é preciso ir para chegar ao salão, na Feira.

A pergunta de Giulia. “A Meditação desta manhã me incomodou”, diz Giulia, “porque me pareceu um descrédito às minhas necessidades particulares. Se o meu desejo é maior que tudo e só Cristo pode responder à altura, o que acontece com as circunstâncias específicas?”. Carrón olha para ela e pergunta: “Giulia, você já se apaixonou?”. Sim, responde ela. “E essa experiência desqualificava as circunstâncias particulares da sua vida? Ou as exaltava?”. Levada a pensar na experiência, Giulia se cala e sorri. Uma objeção, mesmo que válida na lógica, não foi respondida com outra afirmação, mas com uma pergunta que remete à experiência. Seu rosto – antes contraído – fica espantado, depois se abre. Frederica pergunta como se faz para distinguir um sinal da experiência e uma imagem. “Você é capaz de distinguir quando um amigo é verdadeiro e quando não o é?”, pergunta Carrón. “Você é capaz de distinguir quando alguém ama você ou não? É capaz, sim, porque vocês já têm, em sua natureza, todos os instrumentos para entender. Se você tem consciência do tamanho da sua necessidade, não espera que algo inadequado responda ao seu desejo de felicidade. Essa consciência é o início da liberdade”. Carrón não para aí: mesmo antes e depois dos gestos, durante as refeições, tudo é um retomar, aprofundar, esclarecer, dialogar. Alguém dos adultos lhe pergunta por que a experiência dos universitários interessa tanto para ele. “Porque verificam seriamente a experiência que o Movimento propõe”, responde. “Entendem que o que os salva não é a capacidade de raciocínio, mas a lealdade para com a experiência: sobre ela nunca trapaceiam. É preciso que todas as nossas perguntas passem pelo crivo da experiência”. No domingo de manhã, a neblina ainda é densa, mas a luz é mais branca e perfeita. Os jovens lotam os pavilhões para rezar as Laudes e para a Síntese. Vieram de todas as partes da Itália e do mundo – do Brasil, de Portugal, da Rússia, de Uganda, da Venezuela. E a letícia com a qual estão aqui, tanto ansiosos por viver e por entender quanto propensos a receber, é quase inacreditável. Apenas olhar para eles já é bonito porque se vê que está acontecendo algo grande e vivo. Existe – diz a eles Carrón – um lugar para onde voltar. “Existe um Tu capaz de salvar todo o nosso desejo”. Existe Alguém em quem posso confiar não com uma credulidade ingênua, mas com a certeza cheia de razão. Mas essa existência tão impressionante não pode acontecer sem a própria participação, somos chamados a desejá-lo: “As grandes coisas de que precisamos para viver tornam-se acessíveis somente segundo um método que não é decidido por nós. A verdadeira decisão é se nós usamos este método – a submissão à experiência, como aconteceu para João e André quando encontraram Jesus – ou preferimos seguir as nossas imagens e nossos projetos”. Posso ter dúvidas, questões, reservas. “Mas nada pode impedir que Ele reaconteça e que eu possa reconhecê-Lo”, acrescenta Carrón. “A única coisa que pode vencer toda dúvida é vê-lo em ação”. Depois lança a questão, o grande desafio, a última pergunta desses dias, e a mais decisiva: “Interessa a vocês”?

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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