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Passos N.188, Fevereiro 2017

LEITURA | BIMESTRE

A unidade que gera

por Ney Vasconcelos

Recém-lançado no Brasil, a tradução de mais uma obra de Von Balthasar. Leitura do bimestre indicada pelo Movimento Comunhão e Libertação


A metáfora do título não poderia ser mais feliz: ao afirmar que a Verdade é sinfônica, Hans Urs von Balthasar nos chama a atenção para várias coisas a um só tempo, como, por exemplo: a Verdade do mundo, enquanto tal, existe; ela, porém, não nos é acessível em sua totalidade, a ela temos acesso apenas parcial; e, por mais verdadeiro que seja o nosso ponto de partida, ou nossa perspectiva da realidade, se não estivermos ligados ao Centro criador e ordenador da realidade, nossa verdade parcial perderá seu caráter de verdadeiro, e, com isso, o seu sentido.

Perderá o sentido, pois perderá seu caráter “sinfônico”, isto é, sua comunicação com os demais aspectos da Verdade que estão a ressoar na realidade. Se cada um de nós começar a “tocar” sua verdade por si só, autonomamente, por assim dizer, a realidade sinfônica dará lugar a uma realidade cacofônica, em que a possibilidade de algum entendimento ficará extremamente reduzida.

Toda essa metáfora musical, no entanto, é usada, aqui, para iniciar uma profunda análise do panorama da diversidade teológica, lembrando mais uma vez que “A Verdade cristã é sinfônica”, e que a música mais sublime é sempre dramática, com acúmulo de tensões que vão sendo resolvidas, mas também lembrando que “dissonância não é cacofonia”. “O depósito da Igreja é a ‘profundidade da riqueza de Deus’”. Para que essa riqueza se expanda em toda a sua diversidade inesgotável, segundo Balthasar, ela deve partir de sua unidade. Ou seja, a pluralidade de manifestações e visões dentro da Igreja só é possível, ou é tanto mais possível quanto mais houver consciência de sua unidade.

Essa exposição da riqueza do panorama teológico compõe a primeira das duas partes em que se divide a obra. Nela o autor mostra a pluralidade de visões no interior da revelação, desde o Antigo Testamento, com todas as tensões que isso comporta, e de que forma os problemas desse pluralismo ganham uma intensidade ainda maior, sob vários aspectos, com a passagem para a Nova Aliança: “Tudo se torna, então, infinitamente mais complexo, justamente porque tudo parece se encaixar”.

Na segunda parte do livro, Balthasar descreve alguns exemplos de “como a unidade não se perde na diversidade, mas, ao contrário, impõe-se e se confirma através dela”. O autor contrapõe, assim, Igreja e mundo, fé e ação, Deus próximo e distante, ministério e vida na Igreja, e, por fim, alegria e cruz. No final, somos ainda brindados com uma maravilhosa análise sobre a esperança e suas formas possíveis, assim como as possíveis visões de mundo, hoje. Nessa última parte, Balthasar nos mostra de que modo o cristianismo é capaz de dar unidade dos tempos passado e futuro em um presente, pois é o único que tem a coragem de afirmar a realidade, uma vez que “Deus introduziu a ‘plenitude da graça e da verdade’ (Jo 1,17) no nosso presente”.

Apesar de não ser tão longo, o livro não é de leitura fácil. Mas se quisermos aproveitar toda a riqueza e diversidade na unidade orgânica de uma sinfonia de Beethoven, Brahms ou Mahler, teremos de dedicar toda a nossa atenção em sua escuta. Apesar da dificuldade, o resultado compensa.

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

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