Vai para os conteúdos

Passos N.190, Abril 2017

RUBRICAS

Cartas

“POR QUE SE INTERESSAM TANTO EM SER MEUS AMIGOS?”
Há dois anos, conheci CL através de uma amiga da universidade, mas no início ia às reuniões e não entendia nada. Até que, em janeiro do ano passado, fiz uma viagem a Huánuco com os jovens desse Movimento e pude conhecer alguns adultos que conduziam as atividades. Entre tantas coisas, me marcou o modo como cantavam canções em italiano, com uma sensibilidade especial, e como falavam de Dom Giussani – que eu não sabia quem era – e me tratavam como se me conhecessem há muito tempo. Vi neles uma felicidade absoluta. Essas pessoas seguiam Cristo com uma intensidade que eu nunca tinha experimentado. Voltei para a universidade e sem perceber recaí na mesma rotina; a única coisa que conseguia me fazer feliz era me mostrar. Os dias passavam e eu me tornava um tipo muito subversivo, tinha uma crítica sobre tudo e isso gerava discussões com meus amigos e familiares. Depois, chegaram as férias do Movimento, desta vez em Ocopa. Economizei o dinheiro e fui. Mais uma vez fiquei fascinado com o olhar daquelas pessoas. Especialmente de Miguel, um padre que tinha o dom de se aproximar dos jovens com o coração duro como o meu. Dentro de mim, carregava sentimentos contrastantes, e uma pergunta: “E agora, o que vai acontecer? Primeiro me acolhem, mas, depois, vão se esquecer de mim”. Voltei para casa um pouco triste, pensativo, porque eu não queria mais ser como antes. Convidaram-me para fazer Escola de Comunidade via Skype, mas eu não participei porque me entediava e não entendia. Convidaram-me novamente e, na semana seguinte, me conectei e ouvi que falavam da revista Huellas [versão espanhola de Passos]. O tema de não construir muros e estar abertos ao diálogo me impressionou. Quando me desconectei, perguntei-me: “Por que se importam tanto em me oferecer sua amizade?”. Procurei a revista, entrei no Youtube para saber mais sobre Dom Luigi Giussani e fiquei acordado assistindo seus vídeos até às 9 da manhã seguinte. A partir daquele dia, meu modo de ser mudou. Estava mais atento diante da realidade, não queria que nada me escapasse. Na semana seguinte, encontrei-me com um amigo padre, capelão da Universidade Católica, que me convidou para ir à Pastoral Universitária. Quando falaram sobre a história de Zaqueu, levantei-me e disse: “Eu também fui olhado como Zaqueu, com olhos de misericórdia, e este olhar escancarou o meu coração, tornou-me livre, seguro de mim mesmo, não mais assustado. Deu-me uma nova vida que me insere na realidade e me faz abraçá-la inteira”. Este padre, que se chama Sergio, me disse: “Luís, hoje aprendi muito com você”. Alguns dias depois, pediu-me um exemplar de Huellas. Agora, o meu objetivo não é o de ter o melhor trabalho do mundo, com o melhor salário, ou ter muitos títulos ou reconhecimento: a única coisa que desejo é seguir esta beleza infinita que não me deixa tranquilo.
Luís, Chiclayo (Perú)

DIANTE DAS PRÓPRIAS NECESSIDADES
No final do ano passado fiz uma proposta de caritativa para os colegiais: levar alimentos aos moradores de rua. Na verdade, essa sugestão foi dada por um dos meninos e eu acolhi. No primeiro dia nós éramos dez. Ganhamos um monte de coisas para levar e depois de tudo preparado eu fiz uma provocação falando para eles viverem aquele momento se perguntando o que estavam fazendo ali e o que aquilo significava para o resto de ano que estavam vivendo. Para alguns viria a novidade da faculdade e para outros teria a continuação dos estudos no cursinho. Esperamos dar o horário, cantamos algumas músicas e fomos. O responsável se atrasou, mas foi interessante. Ele chegou todo apressado e começou a limpar o local, pois ele falou que precisava nos receber muito bem, e queria que tudo estivesse em ordem. Depois ele deu as coordenadas, explicou como era o trabalho deles, falou como acolher as pessoas que iríamos encontrar, e do fato de que aquelas pessoas se sentiam sempre um lixo. Daí a importância da atenção que a gente podia dar a elas e propôs uma oração. Depois saímos nos carros com os alimentos e abertos para o que poderia acontecer. Fomos a alguns lugares já conhecidos do pessoal que faz o trabalho. Os moradores começaram a conversar contando de suas vidas e os meninos ficaram ali, ajudando a dar o alimento e ouvindo as histórias. De volta à casa, por volta de meia noite, a gente pediu pizza e conversou sobre o trabalho. Eles estavam agradecidos e cada um se colocou. Uma menina dizia que sempre quis fazer algo assim, e junto conosco ela viu uma bela oportunidade. Outro menino disse que foi bom para eles que a gente desse essa atenção, interessante esse olhar porque ainda não reconhece o bem que é para ele mesmo, mas só para o outro. Mesmo assim ele tinha gostado muito. Outro tinha ficado provocado por um morador que estava deprimido e disse que não adiantava a gente dar comida, que tinha que se resolver a questão psicológica. Eu falei que o cara não era o único a querer se matar e a viver esse drama, que tem gente que não mora na rua, mas que vive o mesmo drama, que o alimento é uma forma da gente falar para o cara que estamos ali, que queremos estar ali. Que ele podia se sentir olhado, porque todos nós desejamos nos sentir olhados. Então era um modo de vermos a nossa necessidade e a do outro. Levei os meninos para casa depois. Foi uma noite intensa!
Glorinha, São José do Rio Preto (SP)

QUEM CONTRÓI A NOSSA FAMÍLIA
Caro padre Carrón, meu irmão Luca sofreu um acidente de moto e faleceu. Quando fui com meus pais ao necrotério, só houve espaço para a dor e para a imagem que ficará impressa para sempre em minha mente do seu rosto inchado, rosto que, porém, sorria. Este é um sorriso que, junto com a dor, está me acompanhando. Os dias sucessivos foram realmente difíceis: meu outro irmão, Pietro, mora com sua mulher nos Estados Unidos e, quando ele chegou, senti-me como uma criança na véspera de Natal esperando receber seu presente que, para mim, foi o seu abraço. Foi preciso esperar mais um dia antes de irmos nos despedir de Luca no velório. Também desta vez sentia-me morrer. Chorando, fui buscar outro abraço de Pietro, que me sussurrou: “Aquele, Matteo, é só o corpo; agora Luca é parte de um Amor maior que está entre nós”. Nossa cabeça não pode pensar uma coisa dessas, é possível chegar a isto só se a pessoa encontrou Cristo. Meu pai consegue explicar isso ainda melhor, em uma das cartas escritas durante aquela semana. Fazia trinta anos que não escrevia: “Hoje, em sua volta, flores, muitas flores e você no meio delas de braços abertos. Em cada túmulo, uma cruz, no seu, está você e, nesse contexto, a simboliza da melhor forma: In hoc signo vinces... Você quer dizer que é mesmo assim? Quer realmente me convencer de que o símbolo da morte vence a própria morte? Será que não é uma contradição? O seu sacrifício é a minha cruz, uma dor sem par. Ajude-me a ver que diante do lenho da cruz está você que, com os braços já livres, abre-os para me abraçar todos os dias da minha vida”. Alguns anos atrás, nossa família sofreu muito. Luca está reconstruindo tudo em Cristo, senão, como um pai poderia escrever uma coisa assim? Como uma mãe poderia cantar no cemitério diante do caixão do filho? Fora da igreja, conseguia abraçar meus amigos com um sorriso, experimentei e experimento, na dor, uma letícia que não é humana, não é fruto da minha imaginação, mas da Sua presença que preenche o nosso coração despedaçado. Minha mãe pediu que atrás da pequena imagem fosse escrito o Angelus, “porque a vida recomeça sempre de um sim, como Luca, na sua discrição, disse na sua”. Minha mãe sempre soube que, antes de sermos seus, somos filhos de um Outro, e quando Deus precisou não hesitou em levá-lo consigo. Cristo tomou Luca, mas devolveu bases sólidas à nossa família.
Matteo, Varese (Itália)

TEMPERAMENTO. UM DOM PARA SI E PARA OS OUTROS
Caro Julián, suas reflexões, particularmente aquelas sobre o temperamento e o chamado de atenção às coisas que Dom Giussani dizia, me ajudaram a “aceitar-me”. Normalmente acho que é fácil aceitar os defeitos de pessoas que estão longe de mim, enquanto gostaria que as que estão próximas tivessem defeitos que eu aceito... Infelizmente, vejo que isso sempre acontece com os outros também, no que diz respeito a mim. Mas o meu temperamento não é um dom apenas para mim: deve ser um dom também para os outros. Entre nós, com muita frequência, por causa de pequenas divergências, brigamos, não nos falamos e temos dificuldade em nos cumprimentar. Mas, que testemunho é este? Agradeço a você pela autoconsciência que nos obriga a ter em cada instante. Ser autoconscientes quer dizer poder ser livres. Esta é a coisa mais bonita que experimento em mais de 56 anos de vida no Movimento e que, como São Pedro, me faz dizer: “Se formos embora, para onde iremos?”.
Luigi

“AQUI, SENTI-ME EM CASA”

Reverendo Carrón, vivi uma conversão “sísmica” que devastou boa parte daquilo que construí no decorrer da vida, fazendo emergir instâncias, exigências novas e diferentes. Foram passagens dolorosas, porém agora vejo que, para mim, foram sinais evidentes da graça divina. No momento mais duro deste caminho de conversão, encontrei pessoas amigas que pertencem ao Movimento. Acompanharam-me com simplicidade, sem me abandonar. Pela primeira vez, senti-me “em casa”, como se tivesse encontrado minha verdadeira família. Não me senti julgada, mas compreendida: para mim, uma experiência sem precedente. Frequentei a casa de pessoas normalíssimas que viviam suas vidas, cheias de interrogações e contradições como a minha, com uma consciência, uma postura e um olhar completamente diferentes. Isso me tocou e me interrogou: como faziam para ser assim? E, sobretudo: havia, para mim também, uma esperança de poder me tornar como elas? Eu queria compreender. Gosto de aprender coisas novas, mas, aqui, se percebia que havia algo extraordinário. Assim, fui convidada para participar de alguns momentos da vida do Movimento e para frequentar a Escola de Comunidade. De novo, senti-me “em casa”: minha família de origem era muito laica e a atual também é. Não há espaço para mim, para a minha vida de fé. Por exemplo, eu sou a única pessoa praticante da família: todos os domingos, levanto-me de manhã, pego o carro, ou um ônibus, para ir à missa. Frequentando esses amigos compreendi que para a minha vida de fé existem momentos, lugares, pessoas com quem posso compartilhar essa minha exigência profunda. Meus amigos fazem parte da Fraternidade: então, fiz a eles algumas perguntas e, refletindo sobre suas respostas, decidi que eu também gostaria de fazer parte do grupo e começar este novo caminho.
Laura

NO ACAMPAMENTO, A SURPRESA DA UNIDADE
Esta foi a segunda vez que fui ao acampamento de carnaval, organizado pela comunidade de Belo Horizonte. Já desde o ano passado meu filho, juntamente com colegiais de outras partes do Brasil, vinha falando que queria muito ir a esse gesto, de forma que decidimos, todos nós aqui de casa, participar novamente. Dessa vez, fiquei muito mais marcada do que na anterior. Algumas coisas chamaram a minha atenção. Um delas foi a possibilidade de conversar com vários amigos, com quem não tenho contato no meu dia a dia, mas que nos encontramos ali, debaixo da tenda depois do almoço, sentados na mureta, descascando mandioca, e vivemos uma proximidade muito grande, uma unidade. Vivemos a mesma coisa em situações muito diversas. Por exemplo, com alguns amigos educadores, percebi como a realidade educacional brasileira é distinta em cada Estado, mas ao mesmo tempo, fica muito evidente como vivemos a mesma experiência – o mesmo desejo e a mesma certeza, o mesmo juízo sobre o que nos acontece. Essa unidade na diversidade carreguei e carrego até hoje comigo, quando entro em sala de aula, quando discuto alguma questão com alguém que pensa diferente. Ou seja, lembro-me dessas pessoas no meu cotidiano e fica claro para mim que não estou sozinha, que outros “vivem” comigo as circunstâncias que tenho que enfrentar na vida. Uma segunda coisa que me chamou a atenção foi a maturidade com que vivemos esse gesto. Todos nós estávamos inteiros ali, e isso não era tão claro – ou pelo menos eu não percebi assim – na outra vez que fui ao acampamento. Uma maturidade, sobretudo, em quem estava guiando o gesto. Quando se vive algo com liberdade e paz é sinal de que se está centrado, olhando para o ponto certo.
Mônica, São Paulo (SP)

UM AMOR GRATUITO
Fiquei doente e o médico pediu sete dias de repouso total. A minha primeira reação foi de que era impensável fazer isso pela quantidade de coisas a fazer no trabalho. Fui logo falar com o diretor da minha escola, para lhe dizer o que tinha acontecido. Disse-lhe também que não queria me afastar, pois naquele momento tinha muito trabalho. Ele me perguntou: “O que vai perder? Qual é o problema se você tem muito trabalho e deve ficar em casa? Acho que deve fazer o que o médico disse”. E eu respondi que faria assim. Estava saindo e ele voltou a me chamar e perguntou: “Mas sabe o que me espanta? Como é que você, depois de tudo o que passou nos últimos dois anos, e ainda mais depois do que o médico disse agora, consegue chegar e dizer tudo com esse sorriso no rosto? Tenho a certeza de que qualquer outro professor me daria a mesma notícia como se o mundo estivesse acabando”. Senti um grande impacto, porque eu não tinha percebido que sorria. Naquele instante tomei consciência da graça de ter uma Presença que nunca me deixa sozinha, e que tudo aquilo que faz na minha vida é para me tornar sempre mais certa de que sou amada por Jesus gratuitamente. E isso se vê mesmo quando eu não percebo. Naqueles dias em casa, em que estava mal e tinha dores, dava-me conta de que aquele momento me era dado por Ele, por aquele Tu que me ama gratuitamente, que nunca se esquece de mim, tanto que aquele mal-estar e a dor me eram dados para eu me lembrar mais da origem, ou seja, d’Ele. E me sentia profundamente grata por não estar esquecida, por ser amada, um nada amado. Por esta gratidão, muitas vezes me descobri oferecendo aquilo que me era dado. Isto é fruto de uma luta, ou seja, de uma estrada.
Pity, Lisboa (Portugal)

 
 

Credits / © Sociedade Litterae Communionis Av. Nª Sra de Copacabana 420, Sbl 208, Copacabana, Rio de Janeiro - RJ
© Fraternità di Comunione e Liberazione para os textos de Luigi Giussani e Julián Carrón

Volta ao início da página